Kenneth Barron é um dos mais festejados pianistas da atualidade. Além de ser um intérprete de talento superlativo, ele também é arranjador, educador musical e compositor. Nascido no dia 09 de junho de 1943, na Filadélfia, estado da Pensilvânia, ele é irmão mais novo do saxofonista tenor e soprano, compositor e professor de música Bill Barron (falecido no dia 21 de setembro de 1989, aos 62 anos). Seu pai, William, era operário de uma fábrica de aço e a mãe, Rella, havia aprendido os rudimentos do piano na juventude e estimulava as aptidões musicais dos filhos.
Recebeu as primeiras lições de piano aos seis anos pelas mãos de Ruth Issaks, então namorada do seu irmão mais velho, Bill. Complementava os estudos em casa, usando o popular método para piano criado por William Matthew. Aos doze anos, Kenny foi estudar com Vera Bryant, renomada professora e irmã do pianista Ray Bryant e do baixista Tommy Bryant, outros fabulosos nativos de Filadélfia. Barron também estudou na Philadelphia Musical Academy, mas acabou abandonando o curso, sem concluí-lo, por causa dos compromissos profissionais.
Aos 14 anos, em 1957, Kenny experimenta sua primeira participação profissional na banda de Mel Melvin, por indicação do irmão Bill, que já tocava naquele grupo. O garoto recebia 15 dólares por noite e a banda se apresentava no Elk's Lodge. Em seguida, Barron atuou em formações lideradas por Philly Joe Jones, onde substituiu Dick Katz, e Yusef Lateef. Com este, aliás, Barron realizou seus primeiros trabalhos como arranjador, tendo escrito os arranjos de dois temas gravados no álbum “The Centaur And The Phoenix”, de 1960. Pouco depois, muda-se para Nova Iorque, em 1961, juntamente com o irmão, a fim de se unir ao grupo do trompetista Ted Curson, também oriundo da Filadélfia.
Na Meca do Jazz, o jovem de apenas 18 anos trabalha com nomes de primeira linha, como James Moody, Lee Morgan e Lou Donaldson. Em 1962 o pianista se junta ao grupo de Roy Haynes para, em seguida e por recomendação de James Moody, substituir Lalo Schiffrin no quinteto de Dizzy Gillespie. Apesar da pouca idade, Kenny já era um músico experiente e de muita personalidade, agregando ao seu rol de influência nomes como os de Tommy Flanagan, Hank Jones e Wynton Kelly.
O trabalho com Dizzy lhe abriu as portas para o público e a crítica e lhe trouxe enorme prestígio. Barron participou do documentário “Dizzy Gillespie” (de 1965, dirigido por Les Blank), no qual Gillespie fala sobre sua trajetória e apresenta-se em quinteto com James Moody no sax tenor, Kenny Barron no piano, Chris White no contrabaixo e Rudy Collins na bateria, em uma apresentação gravada em Hermosa Beach, Califórnia.
Em 1966, após quatro anos de parceria, Barron deixa Gillespie para tocar, seguidamente, com Freddie Hubbard, Jimmy Owens e Stanley Turrentine. Em março de 1970 o pianista passa a fazer parte do quarteto de Yusef Lateef, com quem já havia trabalhado anteriormente nos anos 50. Em seguida, viriam participações nos grupos de Milt Jackson, Booker Ervin, Jimmy Heath e Stan Getz, onde substituiu Chick Corea, em uma formação que incluía os ótimos Stanley Clarke e Tony Williams.
Em 1972 Barron passou a dar aulas de piano no “Jazzmobile Workshop”. No ano seguinte, começou a ministrar aulas práticas e de teoria musical no Livingston College, ligado à Rutgers University, em uma associação que se prolongaria pelos próximos 27 anos – ele se aposentaria em 1999. Também exerceu o magistério na “Juilliard School Of Music”, sendo que alguns de seus mais destacados alunos foram Aaron Parks, David Sanchez, Terence Blanchard, Harry Pickens e Noah Baerman.
Seu primeiro álbum como líder, “Sunset to Dawn”, foi gravado em 1973, para o selo Muse. No início de 1976, passa a integrar a banda do baterista Buddy Rich mas ali teve uma curta permanência. Desligado da banda, o pianista participou de concertos e gravações sob aliderança de George Benson, Eddie Harris, Sonny Stitt, Chet Baker, Harry “Sweets” Edison, Von Freeman, Elvin Jones, Sam Most, Jon Faddis, Jim Hall, Joe Henderson e Eddie “Lockjaw” Davis.
A partir de meados dos anos 70, Barron iniciou uma parceria duradoura e sumamente estimulante com o baixista Ron Carter, que perdurou até o início da década seguinte. Sobre Carter, de quem é amigo até hoje, sobram palavras elogiosas: “Ron é capaz de dizer exatamente o que quer e de explicar aos parceiros o que quer que eles façam. Ele é capaz de extrair as coisas de você, porque tem uma visão musical muito particular. Poucos músicos sabem fazer isso de uma maneira tão natural”, declarou certa vez. Nesse período, graduou-se, em 1978, Bacharel em Artes pelo “Empire State College”, de Nova Iorque.
Em 1981 Barron foi co-fundador, ao lado de Charlie Rouse, do grupo “Sphere”, dedicado a difundir e a perpetuar a obra do grande Thelonius Sphere Monk. O grupo, do qual faziam parte o baterista Ben Riley e o baixista Buster Williams, permaneceria em atividade até a morte de Rouse, em 1988. Poucas semanas antes do falecimento do saxofonista, a banda havia realizado uma vitoriosa temporada no Village Vanguard. O grupo “Sphere” fez um breve retorno aos palcos em 1997, com Gary Bartz assumindo o saxofone, durante um festival de jazz em Atenas, na Grécia.
Os anos 80 encontram o pianista trabalhando febrilmente e se consagrando como um dos grandes acompanhantes de cantores e cantoras como Sheila Jordan, Abbey Lincoln, Maria Muldaur, “Little” Jimmy Scott, Dianne Reeves e Ella Fitzgerald. Em 1984 Barron iniciou uma longa e prolífica parceria com o vibrafonista Bobby Hutcherson, que resultaria em álbuns muito bem recebidos pelo público e pela crítica, como os excelentes “In The Vanguard” (32 Jazz, 1986), sob a liderança de Hutcherson, e “Other Places” (Verve, 1993), tendo o pianista como líder.
Convidado para acompanhar Stan Getz na temporada européia de verão de 1987, Barron se tornou o mais constante parceiro musical do saxofonista até a morte deste, em junho de 1991. Os dois já haviam trabalhado juntos anteriormente e dessa nova reunião surgiram preciosidades como “Serenity” (EmArcy), gravado ao vivo no dia 06 de julho de 1987, no Café Montmartre, em Copenhague e que conta, ainda, com a presença dos sempre competentes Rufus Reid e Victor Lewis.
O último trabalho de Getz, aliás, é um dueto entre ele e o pianista. Indicado ao Grammy de melhor álbum de jazz, o álbum duplo “People Time” foi gravado em fevereiro de 1991, mais uma vez no clube Montmartre, na capital dinamarquesa. Considerado um dos momentos mais líricos da parceria entre barron e Getz, ele apresenta releituras emocionantes de standards como “East of the Sun (And West of the Moon)”, “I Remember Clifford” e “Softly, As in a Morning Sunrise”.
Barron lançou álbuns dedicados à música brasileira, com ênfase na bossa nova, destacando-se “Sambao” (Verve, 1992), ao lado dos brasileiros Nico Assumpção e Toninho Horta, além do baterista francês Mino Cinelu, e “Canta Brasil” (Universal, 2002), onde se faz acompanhar pelo fabuloso “Trio da Paz” (Nilson Matta no contrabaixo, Romero Lubambo na guitarra e Duduka da Fonseca na bateria).
Um dos momentos mais brilhantes da discografia do pianista é o formidável “Live At Bradley’s”. Gravado ao vivo no lendário clube de Nova Iorque (cujo piano foi um presente de Paul Desmond ao proprietário da casa), nos dias 03 e 04 de abril de 1996 e lançado em 2002 pelo pequeno selo Sunnyside, o álbum traz cinco temas, todos executados de forma preciosa por Barron e seus habilíssimos parceiros: Ben Riley na bateria e Ray Drummond no contrabaixo.
O trio abre os trabalhos com “Everybody Loves My Baby But My Baby Don't Love Nobody But Me”, de Spencer Williams e Jack Palmer, na qual o líder executa uma inebriante introdução de quase um minuto, num estilo exuberante que lembra Art Tatum. Em seguida, com a entrada dos outros instrumentos, os diálogos entre eles se intensificam e o ouvinte é brindado com uma interpretação que conjuga improvisos criativos, técnica arrebatadora e interação telepática entre o líder e seus comandados. Riley possui um senso de tempo irrepreensível e desenvolve o acompanhamento de maneira sempre surpreendente, dando ênfase à complexidade polirrítmica. Tão à vontade quanto o baterista, Drummond elabora um longo solo, que não merece outro adjetivo a não ser antológico.
“Solar”, de Miles Davis, recebe um arranjo – perdoem o trocadilho – ensolarado. Com um andamento ultra-rápido, o tema permite aos três que exibam incontestável domínio do idioma bop. Barron é um virtuose de recursos aparentemente ilimitados. Sua destreza faz com que ele transite entre os registros graves e os agudos com enorme naturalidade e crie riffs empolgantes ao extremo, além de acrescentar em algumas passagens um indisfarçável tempero latino. A exuberância rítmica de Riley pode ser apreciada em toda a sua grandeza e Drummond, impecável, é o grande responsável pela coesão harmônica do trio.
Richard Rodgers e Lorenz Hart marcam presença com “Blue Moon”, aqui interpretada em um andamento lento, quase marcial. Barron foi bastante feliz ao incorporar elementos de blues ao tema, criando uma versão absolutamente original, na qual a beleza da melodia pode ser apreciada em toda a sua plenitude. O lirismo quase melancólico do piano possui grande força emotiva sem, no entanto, jamais resvalar para o sentimentalismo gratuito. Destaque para a sutileza percussiva de Riley, cujo trabalho com as escovas é notável.
Com uma sonoridade que remete aos discos de Herbie Hancock feitos para a Blue Note nos anos 60, a hipnótica “Alter Ego” é uma composição do ótimo James Williams. Complexa e cheia de nuances, a faixa possui uma elegância bastante peculiar e sua beleza intrigante, como ocorre nas composições de Monk, por exemplo, provém do estranhamento e da inquietude. Dono de um senso estético refinado e bastante arrojado, Barron flerta com o impressionismo e com as dissonâncias típicas de um Charles Mingus. Atenção para o contrabaixo inebriante de Drummond, responsável, em grande medida, pela atmosfera por vezes sombria da faixa.
O encerramento fica a cargo de “Canadian Sunset”, de autoria de Norman Gimbel e Eddie Heywood. Trata-se de um dos temas mais caros ao piano jazzístico e que já foi gravada por monstros do gabarito de Wes Montgomery, Gene Ammons, George Shearing. A desenvoltura do trio empolga a platéia, que aplaude generosamente ao fim do set, mas é Barron o maior destaque individual. Seus solos são como uma carpintaria sonora, cuja matéria-prima é um amálgama de rigor formal, articulação, bom gosto e inventividade. Um álbum “cheio de energia, serenamente alegre e que revela sempre uma maneira diferente de encantar o ouvinte, a cada nova audição”, nas irretocáveis palavras de Judith Schlesinger.
Ao longo dos seus quase 60 anos de carreira, Barron colecionou uma infinidade de prêmios e honrarias. Foi indicado em nove ocasiões para o “Grammy Awards”, foi indicado para o “American Jazz Hall Of Fame” em 1990 e venceu a eleição dos críticos da revista”Down Beat”, na categoria de melhor pianista, em 1999. Também foi considerado o melhor pianista no “Jazz Awards” nesse mesmo ano e foi nomeado “Fellow” pela “American Academy Of Arts And Sciences”.
O pianista tem sido uma presença constante em festivais de jazz pelo mundo e já tocou, entre outros, nos de Marciac, Perugia, North Sea, Halifax, Portland, Detroit, Montreal, Chicago e Newport. Acompanhante dos mais requisitados, seu trabalho pode ser ouvido em álbuns de artistas do calibre de Barney Kessel, Nick Brignola, Larry Coryell, Benny Golson, Illinois Jacquet, Cláudio Roditi, Lee Konitz, Barney Wilen, Joe Locke, Sonny Fortune, Eric Alexander, Christian McBride, Tom Harrell, Russell Malone e muitos outros.
Apesar da aposentadoria do Livingston College, ele continua a dar aulas na Manhattan School of Music e na Julliard School of Music. Sua agenda é sempre lotada e somente neste ano de 2011 ele já se apresentou em várias cidades dos Estados Unidos, além de ter realizado concertos na França, Itália, Dinamarca e Canadá. Seus álbuns como líder encontram-se, quase todos, em catálogo, distribuídos por etiquetas como Gitanes, Uptown, Criss Cross, Enja, Candid, Reservoir, Concord, Sunnysville e Venus Jazz.
Na abalizada opinião de Pedro “Apóstolo” Cardoso, Barron “converteu-se para a crítica e o público em depositário da já atingida “tradição” do piano-jazz moderno, na mainstream do jazz, dedicando-se de maneira clara à sonoridade, ao desenvolvimento harmônico refinado com exploração de aspectos rítmicos pouco visitados por seus pares, mas sem jamais desprender-se do mais acentuado swing”.
Em sentido semelhante, o blogueiro e pianista Murilo Barbosa vaticina que Barron “sabe aplicar a textura correta no momento de acompanhar, de improvisar ou de simplesmente dialogar com outros músicos, sempre usando acordes precisos, voicings bem definidos e frases enxutas. Sabe como ninguém o som que pode tirar do piano quando precisa”.
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