Em 1913 a vida do cozinheiro Giovanni Mariano na pequena cidade de Fallo, região de Abruzzo, na Itália não era das mais fáceis. Casado e prestes a ganhar a primeira filha, que receberia o nome de Colina, via na modorrenta cidadezinha um futuro de privações e escassas oportunidades de trabalho. Tomou, então, decisão idêntica a de muitos dos seus compatriotas da época: iria emigrar para a América. Após uma viagem tumultuada, finalmente chegou ao Novo Continente e fixou-se em Boston. Não perdeu tempo e logo começou a dar duro para trazer para perto de si a mulher e a filha.
A Primeira Guerra Mundial assolava a Europa e somente em 1919 é que Mariano conseguiu trazer a esposa, Maria Digirronimo Mariano, e a filha para o novo país. Adaptada à vida na América, a família teve logo mais uma filha, em 1921, e no dia 12 de novembro de 1923, finalmente, veio ao mundo o esperado filho varão: Carmine Ugo Mariano. Nascido na mesma Boston que acolhera seu pai dez anos antes, Carmine logo passou a ser chamado pelo americaníssimo apelido de Charlie. O contato com a música se deu logo nos primeiros momentos de vida, pois o pai era um apaixonado por ópera e sempre que estava em casa ouvia os discos de Enrico Caruso.
Como era comum na época, a irmã mais velha, Colina, estudava piano clássico quando o garoto nasceu e foi ela quem lhe ensinou os primeiros rudimentos do instrumento. Os estudos musicais corriam paralelos ao ensino regular, feito na Hyde Park High School. A grande canção americana vivia o seu apogeu e homens como George Gershwin, Jerome Kern, Irving Berlin e Cole Porter encantavam os Estados Unidos com suas músicas extraordinárias.
Além da ópera e das tradicionais canções napolitanas que o pai adorava, o garoto Charlie ouvia pelas ondas do rádio as excepcionais big bands que definiam a trilha sonora da época e foi assim que tomou gosto pelo jazz. Jimmie Lunceford, Benny Goodman, Artie Shaw, Duke Ellington e, especialmente, Count Basie, onde pontuava o saxofonista Lester Young, eram os preferidos do garoto. Young, dono de um fraseado lírico e suave, merecia um lugar especial nas afeições de Mariano e por causa dele, o garoto decidiu aprender saxofone. Em 1941 ganhou da irmã Colina – sempre ela – um sax alto, pois na opinião dela o instrumento combinava melhor com a pequena estatura de Charlie que o robusto tenor.
O jovem praticava diuturnamente e em 1942, já tendo se agregado a uma banda amadora de Boston, Charlie costumava participar de gigs na cidade natal e na região do Maine. Os garotos ocasionalmente tocavam em bailes e formaturas, mas a atividade não era remunerada e o aspirante a saxofonista tinha que ganhar a vida de alguma maneira. Mariano arrumou um emprego como cobrador de ônibus, durante o dia, reservando as noites para os ensaios e as incursões pelos clubes da cidade.
Naquela época, conheceu o pianista Pete Andrews, outro filho de imigrantes – no caso, húngaros – que tocava regularmente em um restaurante chamado Ort's Grill, em Boston. O lugar era enorme e possuía dois salões de baile, o Izzy's, localizado na parte de baixo e animado por uma banda composta de músicos negros, e o El Tropico, cuja atração era uma banda composta por músicos brancos e comandada por Duke Davis. Após um rápido teste, Mariano foi contratado por Davis e pôde, finalmente, realizar o sonho de se tornar músico profissional.
Tocando sete dias por semana, com sessões extras aos sábados e domingos, a conviver com a orquestra era um verdadeiro deleite para Mariano. E, além disso, o pagamento era sensacional: 19 dólares semanais, uma verdadeira fortuna para o garoto de apenas 18 anos. Andrews, que tocava piano e fazia os arranjos para a banda, possuía educação musical formal e costumava lecionar, em sua própria casa, teoria musical para os companheiros da orquestra. Charlie era um dos freqüentadores mais assíduos dessas aulas e dessa maneira foi aperfeiçoando o seu talento natural.
Sempre que tinha a chance, o saxofonista descia até o Izzy's, para assistir às apresentações dos músicos negros, onde despontava um jovem e talentoso trompetista chamado Quincy Jones. O lugar era ponto de encontro dos jovens músicos da cidade, que costumavam se reunir no El Tropico ou no Izzy’s e que, muitas vezes, eram até chamados para dar uma canja. Muitos deles, como Roy Haynes, Nat Pierce, Ruby Braff e George Wein (que antes de ser o consagrado produtor do Newport Jazz Festival era um talentoso pianista) acabariam se tornando figuras de primeira linha no mundo do jazz.
O mesmo se pode dizer de um dos mais talentosos companheiros de Mariano na orquestra de Davis, o trompetista Herb Pomeroy, que futuramente se tornaria um verdadeiro ícone do jazz feito na região de Boston. O baterista da banda, Al Orlandi, que não seguiu a carreira musical, relembra que Mariano, além de tocar como um veterano, ainda fazia um tremendo sucesso com as garotas.
O saxofonista vibrou quando Charlie Hooks, diretor musical da orquestra do Izzy's, o convidou para substituir o saxofonista original, que havia sido convocado para servir o exécito e, dessa forma, tornou-se o primeiro músico branco a integrar aquela big band. O convívio com os membros da orquestra aguçou as aptidões de Mariano, que passou a ter mais liberdade para improvisar. Apesar de afável no tratamento pessoal, Hooks era um chefe rigoroso e não hesitava em repreender seus músicos por quaisquer falhas.
Mariano passou cerca de um ano no Izzy’s, interrompendo brevemente essa associação para excursionar com a banda de Floyd Cropley. Em 1943 o saxofonista foi convocado e serviu até o final de 1945, somente sendo dispensado quando a II Guerra Mundial já havia terminado. Durante o período nas forças armadas, serviu em bases na Flórida, no Kansas e na Califórnia, tendo tido a sorte de, desde os primeiros momentos, integrar diversas orquestras da corporação.
No início de 1945, quando ainda estava no Kansas, casou-se com uma garota que conheceu ali, mas o casamento não duraria muito tempo. Muitos anos depois, perguntado por um repórter porque havia se casado, Mariano respondeu: “na época aquilo me pareceu uma boa idéia”. Além do casamento, aquele ano foi inesquecível por outro motivo, pois foi a primeira vez que viu, ao vivo e a cores, uma apresentação de Charlie Parker e Dizzy Gillespie. O concerto foi realizado no clube Billy Berg's, em Los Angeles, e Mariano saiu de lá em estado de êxtase, mal acreditando no que havia visto e ouvido.
Bird e Diz lideravam um sexteto espetacular, que contava com o vibrafonista Milt Jackson, o baixista Ray Brown, o pianista Al Haig e o baterista Stan Levey, capaz de assombrar até o mais experiente jazzista. Até conhecer Parker, Mariano era fortemente influenciado dois grandes altoístas: Benny Carter e Johnny Hodges. Mas o contato com Bird, e sua abordagem completamente diferente de tudo o que havia ouvido até então, marcou, profunda e definitivamente, a trajetória musical do saxofonista, que mergulhou com fúria e avidez naquela forma revolucionária de tocar chamada bebop.
Outra coisa que impressionou Mariano foi o aspecto físico de Parker, que apesar de ser apenas três anos mais velho, parecia ter quase quarenta anos. As drogas, em especial a heroína, já começavam a devastá-lo física e emocionalmente e o período na Califórnia foi especialmente tenebroso. Stan Levey dá um depoimento dos mais sinceros sobre os acontecimentos de então: “no momento em que o nosso trabalho na Califórnia chegou ao final, Charlie Parker estava completamente destruído. E eu quero dizer absolutamente mesmo! Naquele tempo era muito difícil conseguir boa heroína na Califórnia, e os caras tinham vendido alguma porcaria mexicana a ele. Isso o deixou realmente arruinado. O resultado, você sabe, é que então ele acabou em Camarillo”.
O pavor de Mariano por agulhas o manteve sempre a uma saudável distância das drogas injetáveis e ele pode ser considerado, ao contrário de muitos dos seus companheiros de geração, um verdadeiro “careta”. A admiração por Parker não arrefeceria ao longo dos anos. Em uma entrevista, declarou: “Não vai haver um novo Bird, assim como não vai haver um novo Coltrane. Eu ouvia Parker nos anos 40 e escuto agora e, caramba, que música espetacular ele fazia! Ele era um inovador. Ouvi-lo era como ouvir Deus. Eu sinto a mesma coisa em relação a Coltrane, a quem eu escuto constantemente. Engraçado é que hoje em dia aparecem uns sujeitos tocando mais rápido e mais forte. Mas não há um Coltrane entre eles”.
De volta a vida civil, Mariano se encontrava diante de problemas mais comezinhos, como, por exemplo: o que fazer para sustentar a si próprio e à mulher grávida? Ele tentou se estabelecer em Chicago, mas a cidade não lhe oferecia muitas oportunidades de emprego e ele decidiu aceitar um trabalho em Albuquerque, no México. Ali, o saxofonista tocou em uma orquestra de bailes, o que significava um retrocesso tremendo para alguém que tinha em Charlie Parker o espelho musical em que se mirava.
Poucos meses depois da experiência, Mariano voltou para Boston, mas ali encontrou um panorama desolador. A maioria dos clubes e boates havia fechado as portas e os empregos eram escassos. Ele decidiu investir na sua educação musical formal e matriculou-se na Schillinger House of Music, uma das escolas de música mais importantes de Boston e que, futuramente, se transformaria na prestigiosa Berklee College of Music. Os estudos eram custeados pelo governo dos Estados Unidos, que tinha um programa de bolsas de estudos para ex-integrantes das forças armadas.
Fundada por Lawrence Berk e pelo compositor russo Josef Schillinger, que também era matemático, a escola tinha uma abordagem acadêmica e pouco espontânea, o que desagradava sobremaneira o saxofonista. Ainda assim, os anos de estudo foram importantes porque ali aprendeu elementos de harmonia, regência, arranjo e composição, além de poder trocar experiências com jovens músicos de todas as partes do país.
Eminentemente intuitivo, Mariano não escondia a sua frustração e somente no futuro próximo, quando se juntou à banda de Nat Pierce é que ele foi reconhecer a importância de seus estudos em Schillinger. Não obstante, Mariano se tornou bastante próximo de um dos seus professores, o também saxofonista Joe Viola, que teria outros alunos ilustres como Joe Lovano, Donald Harrison, Antonio Hart, Quincy Jones, Gary Burton e Herb Pomeroy.
Durante o tempo em que estudou na Schillinger House, Mariano se tornou um dos mais entusiasmados freqüentadores das jams que ocorriam nos poucos, mas animadíssimos, clubes da cidade. Ali, era possível se deparar com músicos do calibre dos pianistas Nat Pierce, Jaki Byard, Ralph Burns e Dick Twardzik, trompetistas como Joe Gordon, Herb Pomeroy e Quincy Jones, e saxofonistas como Sam Rivers, Gigi Gryce e Serge Chaloff.
Em 1947, após breves passagens pelas orquestras de Shorty Sherrock e de Larry Clinton, o saxofonista foi contratado pelo trompetista Ray Borden para integrar a sua big band, cujos arranjos eram feitos pelo pianista Nat Pierce. Ao lado de Borden, Charlie entrou pela primeira vez em um estúdio e ali registrou a sua primeira gravação.
No ano seguinte, Nat Pierce decidiu montar a própria banda e recrutou o baixista Frank Vaccaro, o trombonista Sonny Truitt, o baterista Joe MacDonald e Mariano. O grupo não fez grande sucesso, mas deixou registrados alguns álbuns, gravados entre 1948 e 1950. A associação com Pierce deu ao saxonista uma maior experiência para lidar com arranjos, o que lhe seria bastante útil no futuro. Na época, ele também participou de algumas gravações ao lado do baritonista Serge Chaloff, de quem se tornou amigo pessoal.
Concluídos os estudos em Schillinger, Mariano foi trabalhar em uma orquestra baseada em Lynn, cidade localizada a cerca de 30 quilômetros de Boston, cujo pianista era o grande Jaki Byard. As primeiras gravações do saxofonista, como líder, foram feitas em 1950, para a pequena gravadora Imperial. Lançado como “Charlie Mariano With His Jazz Group”, o disco teve pouca repercussão, apesar de contra com os talentos de Herb Pomeroy e Jaki Byard no acompanhamento. No ano seguinte, o saxofonista gravaria, para a Prestige, “The New Sounds From Boston – Charlie Mariano And His Groups” e em 1953 seria a vez do excelente “Charlie Mariano Boston All Stars”, que conta com as participações, entre outros, de Dick Twardzik no piano, Joe Gordon no trompete e do crítico Ira Gitler nos sinos, em “Barsac”!!!!!
Naquele mesmo ano, Mariano se uniu ao baixista Chubby Jackson ea o trombonista Bill Harris, ambos egressos da orquestra de Woody Herman em um sexteto que incluía o tenorista Harry Johnson, o pianists Sonny Truitt e o baterista Joe MacDonald. O grupo fez algumas gravações para a Norgran, mas não obteve o reconhecimento desejado, mas rendeu a Charlie um convite para se juntar à banda do trompetista Dick Collins. As afinidades entre os dois renderam, além da parceria musical, a idéia de criar o Jazz Workshop, uma escola voltada para o ensino do jazz e que durante algum tempo ajudou a tornar menos catastróficas as combalidas finanças de Mariano.
No final de 1953 foi convidado por Stan Kenton para substituir Lee Konitz em sua orquestra. A associação de Mariano com Kenton é considerada pelo saxofonista um dos momentos mais especiais de sua carreira., não apenas por causa das excursões pelos Estados Unidos e pela Europa, ou por conta do convívio com músicos de primeira linha como Frank Rosolino, Bill Holman, Gerry Mulligan, Mel Lewis, Bill Perkins, Lennie Niehaus, Sam Noto e Art Pepper mas, sobretudo, por causa da segurança financeira que, até então, era desconhecida para ele.
Em 1954, a orquestra saiu em turnê com alguns solistas convidados, dentre os quais Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Erroll Garner e a cantora June Christy. A parceria se manteve até fins de 1955, quando Charlie se desligou, para liderar seus próprios grupos e tentar a carreira como freelancer. Uma de suas primeiras experiências foi o sexteto que montou com o também saxofonista Jerry Dodgion e que chegou a fazer algumas gravações para a World Pacific.
O pianista Russ Freeman, com quem Mariano e Dodgion conviveram bastante, falou um pouco sobre as habilidades dos dois: “Uma tarde, quando estávamos em San Francisco, fomos para um hotel, onde sempre era possível encontrar alguns músicos com vontade de tocar. Jerry Dodgion estava lá nesse dia e ele e Charlie quase explodiram o telhado do lugar tocando um blues de quase 20 minutos. Essa foi uma das minhas mais memoráveis experiências musicais. E eu nem sequer me atrevi a tocar”.
Já baseado em Los Angeles, Mariano também tocou com Howard Rumsey, Frank Rosolino, Jimmy Rowles, Shorty Rogers, Stu Williamson, Richie Kamuca, Jimmy Giuffre, Victor Feldman, Monty Budwig, Stan Levey, Leroy Vinnegar e, sobretudo, Shelly Manne, ao lado de quem fez diversas gravações para a Contemporary. Alguns desses albums incluíam composições do saxofonista, como “Blue Gnu”, “The Dart Game” e “The Gambit”.
Manne, que além de amigo era grande admirador do trabalho de Mariano, declarou em uma entrevista dada na época: “Charlie Mariano é um dos mais subestimados – talvez “o” mais subestimado – altoístas desse país. Eu o escuto tocar todas as noites em minha banda e o seu senso harmônico me encanta sempre e sempre. Suas linhas melódicas são requintadas e ele improvisa com enorme consistência. Sinceramente, eu não conheço nenhum outro músico de jazz capaz de imprimir em seus solos uma evolução melódica tão bela quanto Charlie Mariano”.
Os ares da Califórnia fizeram bem à musicalidade de Mariano, que não tardou a chamar a atenção de outros músicos para a originalidade de seu toque. Por essa razão, despertou o interesse da gravadora Bethlehem, onde gravou alguns álbuns como líder e se tornou um dos mais assíduos músicos de apoio. Também fez alguns trabalhos para a Pacific e um dos discos de que participou foi “The James Dean Story”, sob a liderança de Chet Baker e Bud Shank.
Essas gravações feitas para a Bethlehem ficaram fora de catálogo durante muitos anos. Somente em 2005, graças ao empenho do produtor catalão Jordi Pujol, foram compilados e lançados em cd pelo selo espanhol Fresh Sound, em uma coletânea bastante representativa, intitulada “Charlie Mariano Plays”. Os músicos que atuam nas gravações são expoentes do West Coast Jazz: Stu Williamson no trompete, seu irmão Claude no piano, Frank Rosolino no trombone, Max Bennett no contrabaixo e Stan Levey na bateria.
São três sessões distintas, realizadas nos dias 21 de dezembro de 1954 (o disco foi originalmente lançado como “Swingin’ With Mariano”, no formato de 10’’), 18 de janeiro de 1955 (na época, o disco, outro 10’’, foi lançado como “Saphire” e apresenta Stu Williamson como líder) e 27 de janeiro de 1955 (o álbum, mais um 10’’, foi lançado com o estrambótico título “Hence! Home, You Idle Creatures, Get You Home: And Lend An Ear To Max Bennett” e seus créditos apontam o baixista como líder).
De cada um desses discos foram extraídas seis faixas, ordenadas por data de gravação, sendo que nas seis primeiras faixas o grupo se apresenta completo, nas seis seguintes Rosolino abandona a formação e nas seis últimas é a vez de Stu deixar o posto. Em uma delas, “You Go to My Head”, nem Rosolino e nem Stu participam e o sax de Mariano paira soberano.
A faixa de abertura, “'S Nice”, é o típico bebop com o ensolarado sotaque californiano. Leve e despretensiosa, apresenta ótimos solos do líder, autor do tema, e dos talentosos irmãos Williamson. Bennett tem aqui um dos seus momentos mais empolgantes. “Chlo-E” tem um arranjo orquestral, com os instrumentos atuando em uníssono e remetendo aos deliciosos grupos de Lennie Niehaus. Rosolino está particularmente inspirado e Mariano passeia pelo vocabulário bop com enorme fluência e inspiração maior ainda.
Com uma acentuada influência latina, “Three Little Words” é o território, por excelência, do trompete atrevido de Stu, embora o trabalho de Levey, especialmente com os pratos, também seja notável. Outra composição do saxofonista, “Green Walls” tem uma levada em tempo médio e um sensacional duelo entre os três sopros. O vencedor da disputa, claro, é o ouvinte, que pode se deleitar com a malandragem de Rosolino, a jovialidade de Wiliamson e a exuberância harmônica de Mariano.
Standars não poderiam faltar no programa. “My Melancholy Baby”, com um andamento mais ligeiro que o habitual, “You Go to My Head”, onde Mariano pode exibir a sua faceta de baladeiro sensível, a eletrizante “Sunday”, com sua atmosfera dos anos 30 e na qual Levey parece um dínamo de milhões de volts, e a fagueira “There Will Never Be Another You”, imortalizada na voz miúda e aconchegante de Chet Baker, recebem arranjos graciosos e interpretações descontraídas.
A vibrante “Slugger” é uma contribuição do pianista e quem brilha à vontade é o seu irmão, autor dos solos mais calorosos. A atuação do saxofonista, como de hábito, apenas realça as qualidades melódicas que tanto despertavam a admiração de seus patrões Kenton e Manne, mas o poderoso ataque de Levey deve ser ouvido com atenção. A parkeriana “Saphire” é um tema de autoria de Stu, responsável pela introdução contagiante e por alguns solos realmente inflamados. Mais acadêmico em sua abordagem – mas não menos apaixonado – Mariano tem direito a um solo breve, porém marcante.
“Tirem os móveis da sala porque o Duke chegou!” Não se sabe se alguém gritou essa frase no estúdio quando o quinteto gravou “Don't Get Around Much Anymore”, mas é bem possível que isso tenha acontecido. A excelência técnica de Mariano é de tirar o fôlego, mas o endiabrado Stu apronta das suas e incendeia a sessão. A atmosfera se mantém em altíssimo astral com a poderosa versão de “Strike Up The Band”, dos irmãos Gershwin. Muito swing e diálogos incandescentes entre saxofone e trompete, com destaque também para o dinamismo e a versatilidade de Claude, um ótimo acompanhante e um solista de vastos recursos.
“Sweet Georgia Brown” foi composta em 1925 e está, indelevelmente, associada à Era do Swing, apesar de ter sido gravada por jazzistas ligados ao bebop, como Bud Powell e Benny Golson, e ao próprio West Coast Jazz, como André Prévin e Sonny Criss. O arranjo do grupo respeita a melodia original, mas adiciona um certo tempero bop que a torna irresistível. Ruth Lowe compôs “I'll Never Smile Again”, uma das músicas mais conhecidas do repertório de Frank Sinatra. Executada em tempo médio, deixa de lado a atmosfera taciturna serve de vitrine para o contagiante diálogo entre Rosolino e Mariano.
“Just Max” é executada na velocidade da luz, com uma agressividade e um peso que mais se assemelham ao jazz da Costa Leste. Piano e bateria competem para ver quem toca mais rápido e o esplendoroso solo de Mariano, repleto de referências a Parker, é uma ótima amostra de sua celebrada capacidade de articulação. Rosolino mostra que também sofreu a grandiosa influência de J. J. Johnson, trocando sua habitual jovialidade por uma abordagem furiosa.
O quinteto tira um pouco o pé do acelerador em “T. K.”, que retorna à atmosfera praieira e descompromissada da Califórnia, com direito a performances exuberantes de Mariano e do trombonista. “Rubberneck”, com seu acento bluesy, é uma composição de Rosolino, mas quem brilha é o baixista. Com efeito, Bennett tem uma atuação excepcional e dialoga com os sopros com enorme autoridade.
Para fechar o álbum em grande estilo, uma vigorosa versão de “Jeepers Creepers”, de Harry Warren e Johnny Mercer, na qual Rosolino esbanja competência e exibe uma de suas maiores características como executante: ele faz parecer extremamente fáceis as passagens mais complicadas. Para quem deseja conhecer um pouco
Não obstante, embora o trabalho compensasse, do ponto de vista financeiro, o saxofonista se sentia pouco à vontade, já que como sideman tinha que se ater ao que os líderes das sessões desejavam. Para espairecer, costumava se apresentar com freqüência no clube Lighthouse, onde manteve um grupo onde pontuavam o baixista Scott La Faro, o pianista Billy Higgins, o pianista Victor Feldman e o tenorista Richie Kamuca.
A insatisfação o fez retornar a Boston, em 1958, onde logo foi aceito como professor da Berklee School of Music e começou a trabalhar na orquestra de Herb Pomeroy. Em Berklee, deu aulas para futuros astros como Gary Burton, Gary McFarland, Gabor Szabo, Joe Zawinul e outros. Em 1959, um novo convite de Stan Kenton tirou Mariano do conforto da cidade natal e o lançou no turbilhão das turnês e viagens.
Agora, o saxofonista assumiria o sax tenor e, mais uma vez, teria que se mudar pera Los Angeles. Nessa época, já namorava uma jovem pianista de origem japonesa, chamada Toshiko Akiyoshi, e a aventura afetivo-musical dos dois duraria pelos próximos oito anos. Descoberta por Oscar Peterson durante uma excursão ao Japão, a pianista se mudara para os Estados Unidos, a convite do produtor Norman Granz, por cuja gravadora lançou, em 1954, seu primeiro disco no território norte-americano.
Akiyoshi estudava em Berklee e quando Mariano, já separado da primeira mulher, se mudou para Los Angeles, decidiu ir junto. Os dois se casaram na Califórnia, em novembro de 1959 e, mais uma vez, o saxofonista teve problemas para se adaptar ao ritmo da Costa Oeste. Tanto é que no ano seguinte, ele se desligou da orquestra de Kenton e partiu, com a mulher, para Nova Iorque, onde teria início uma nova fase da vida e da carreira.
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