O SOM MAIS ALEGRE DO JAZZ
Música e outras coisas

O SOM MAIS ALEGRE DO JAZZ






O som que Clark Terry extrai do seu trompete já foi descrito como “o mais alegre do jazz” e se o título de “lenda viva” pode ser aplicado a algum músico de jazz, certamente ele é a pessoa mais indicada para recebê-lo. Afinal de contas, são quase noventa anos de idade e mais de setenta de uma carreira brilhante.

Ele nasceu no dia 14 de dezembro de 1920, em Saint Louis, Missouri, e desde sempre demonstrou enorme interesse por música. Sua família morava perto do rio Mississippi, e era possível se ouvir o alarido que vinha dos muitos barcos que cruzavam o rio e que traziam vários músicos talentosos para a cidade. Alguns desses barcos eram, literalmente, verdadeiras casas noturnas flutuantes e o som que embalava as noites do pequeno Clark era o do mais puro jazz.

Ainda na infância, o garoto de família pobre construiu um protótipo de corneta, usando um velho funil de latão e pedaços de uma mangueira. Um pouco mais tarde, economizando o seu suado dinheirinho, Terry conseguiria comprar, em uma loja de penhores, o seu primeiro trompete de verdade. O preço: 12 dólares.

A educação musical formal lhe foi dada ainda na cidade natal, na Vashon High School, em cuja orquestra tocou por algum tempo. Após o término dos estudos, no final dos anos 30, Terry viajou pelo Meio-oeste, acompanhando diversas bandas da região, incluindo a do lendário pianista Fate Marable, atuando em pequenos clubes e boates. Em 1942 entrou para a Marinha, servindo em uma base na cidade de Chicago, cuja cena jazzística rivalizava com Nova Iorque.

Após dar baixa na Marinha, em 1945, atuou com destaque nas orquestras de Lionel Hampton, George Hudson, Charlie Barnet, Charlie Ventura e Eddie “Cleanhead” Vinson, até juntar-se à mítica orquestra de Count Basie, na qual permaneceria de 1948 a 1951. Sua associação mais conhecida e que lhe granjeou maior destaque no meio musical foi com a orquestra de Duke Ellington, onde tocou de 1951 a 1959. Ali conviveu com luminares como Charles "Cootie" Williams, Harry Carney, Paul Gonsalves, Johnny Hodges, Sonny Greer, Sam Woodyard e Juan Tizol, o que ajudou – e muito – a aperfeiçoar seu estilo.

Após sua saída da orquestra de Ellington, Terry foi contratado pela poderosa National Broadcasting Company (NBC), tornando-se um dos primeiros afro-americanos a trabalhar na orquestra de uma importante rede de televisão. Durante mais de 10 anos, podia ser visto todas as noites no The Tonight Show, integrando a “Tonight Show Band”, ao lado de feras como Doc Severinsen, Urbie Green, Ed Shaughnessy, Ernie Royal, Louie Bellson e outros. O programa, apresentado por Johnny Carson, era um dos mais populares da TV americana e tornou o trompetista conhecido do grande público.

Em sua vastíssima carreira, Terry teve a oportunidade de tocar com Bob Brookmeyer, Quincy Jones, J. J. Johnson, Ella Fitzgerald, Eddie Lockjaw Davis, Oscar Peterson, Cannonball Adderley, Dizzy Gillespie, Al Cohn, Dinah Washington, Jimmy Heath, Ben Webster, Doc Severinsen, Ray Charles, Billy Strayhorn, Red Mitchell, Dexter Gordon, Clifford Brown, Thelonious Monk, Billie Holiday, Chet Baker, Sarah Vaughn, Cecil Payne, Coleman Hawkins, Yusef Lateef, Zoot Sims, Joe Pass, Milt Jackson, Jon Faddis, Sonny Rollins, Dianne Reeves, Donald Byrd, Stan Getz, Earl Hines, Oliver Nelson e muitos outros.

O estilo exuberante de Terry, que mescla a tradição do jazz de Saint Louis com o espírito transgressor do bebop, pode ser ouvido em milhares de gravações. Além disso, é um prolífico compositor, cuja obra chega à admirável casa das trezentas músicas. Sua influência pode ser sentida em músicos do quilate de Miles Davis (a quem deu algumas aulas, ainda na década de 30, em Saint Louis), Maynard Ferguson e Quincy Jones.

Uma de suas maiores paixões é a educação musical, especialmente de jovens, tendo sido um dos criadores, ao lado do saxofonista Bill Saxton, do projeto Jazz Mobile e da Harlem Youth Band, ambas no Harlem. Ele tem dezenas de livros publicados, destacando-se “Let's Talk Trumpet: From Legit to Jazz”, “Interpretation of the Jazz Language” e “Clark Terry's System of Circular Breathing for Woodwind and Brass Instruments”, todos eles são obras de referência.

Uma de suas mais valiosas contribuições para o jazz foi a popularização do flugelhorn, instrumento que se assemelha ao trompete no formato e na mecânica, mas que possui um timbre mais aveludado. No disco “In Orbit”, gravado nos dias 7 e 12 de maio de 1958, para a Riverside, o flugelhorn é usado pela primeira vez por um líder de um combo. Outro atrativo é a luminosa presença de Thelonioous Monk, em uma raríssima aparição como sideman. Completam o grupo o baixista Sam Jones e o baterista Philly Joe Jones, cujo grande sonho de tocar com Monk finalmente foi realizado nesta gravação.

“In Orbit”, faixa que abre e dá nome ao disco, é um bebop primoroso, rápido e certeiro, de autoria de Terry, que, apesar de formado na velha escola do swing, domina o idioma bop com extrema desenvoltura. O solo de Monk é nada menos que soberbo, ora atacando as teclas com a fúria de um Oscar Peterson, ora dedilhando o teclado com a sua maneira espaçada e característica de criar enormes intervalos entre as notas. Os Jones mostram porque merecem o título de mestre de seus respectivos instrumentos.

A criação às margens do Rio Mississipi deu a Terry uma extraordinária intimidade com o blues e “One Foot In The Gutter”, de sua autoria, é a melhor demonstração disso. Monk, outro ás do blues, complementa com a genialidade de sempre as idéias do parceiro. A obscura balada “Trust In Me” ganha aqui uma interpretação cativante e arrebatadoramente lírica.

Única composição de Monk no set, “Let’s Cool One” é também um dos momentos mais sublimes do álbum. O piano relaxado de Monk, os solos econômicos de Terry e o acompanhamento intimista da dupla de Jones tornam a atmosfera deliciosamente inebriante. “Pea-Eye”, “Argentia” e “Buck’s Business”, todas de Terry, celebram a volta do quarteto ao bebop mais acelerado e são absolutamente irresistíveis.

“Monlight Fiesta”, de Irving Mills e Juan Tizol, é uma ligeira incursão pelos ritmos latinos, com a bateria de Philly criando o clima “ao sul do Rio Grande”. Curioso ouvir a abordagem monkiana ao tema – seja um blues, um tango ou um fado, o carisma e a personalidade do Mad Monk sempre acabam por se sobressair.

Dois blues, “Very Near Blue”, de Sara Cassey, e “Flugelin’ The Blues”, completam as 10 faixas do cd. Um álbum irretocável, que merece figurar entre aquilo que de melhor se fez no jazz em qualquer era. Não é à toa que o produtor Orrin Keepnews disse que esse disco representava “a mais relaxada, alegre e swingante performance de Monk que já tive a oportunidade de assistir”. E ele está certíssimo em sua opinião.

Dos anos 60 até hoje, tem se mantido em plena atividade, como um dos mais disputados músicos dos Estados Unidos. Gravou com instituiçõs do jazz e da música erudita, como a London Symphony Orchestra, a Dutch Metropole Orchestra, a Unifour Jazz Ensemble e a Chicago Jazz Orchestra. Criou e dirigiu duas big bands: a Clark Terry's Big Bad Band e a Clark Terry's Young Titans of Jazz. Apresentou-se em algumas das salas de concerto mais prestigiosas do mundo, como o Carnegie Hall, o Town Hall e o Lincoln Center e fez parte da Gerry Mulligan’s Concert Jazz Band, no início da década de 60.

Tocou em virtualmente todos os mais importantes festivais de jazz do mundo e recebeu do Departamento de Estado Norte-Americano o título de Jazz Ambassador, sobretudo por seu trabalho no Oriente Médio e na África. Excursionou com a Quincy Jones Orchestra, com os “Newport Jazz All Stars” e integrou, por quase vinte anos, o projeto “Jazz at the Philharmonic”. Uma estátua de cera foi colocada em sua homenagem no Black World History Museum.

Foi indicado diversas vezes ao Grammy, tendo recebido o prêmio em duas oportunidades. Desde 1991 ostenta o título de Jazz Master, dado pela National Endowment for the Arts. O governo da França outorgou-lhe, em 2000, o título de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras. Recebeu o título de doutor Honoris Causae em diversas universidades norte-americanas e doou parte de seu acervo pessoal à William Paterson University, que mantém um alentado arquivo sobre o músico, incluindo dezenas de arranjos originais, instrumentos, gravações e fotografias.

Por tantas virtudes, o trompetista, que até hoje mora em Queens, Nova Iorque, mereceu do crítico Chuck Berg as seguintes palavras: “Clark Terry é um dos grandes inovadores da música contemporânea, justamente famoso por seu grande virtuosismo técnico, seu lirismo cheio de swing e seu impecável bom gosto. Combinando estas características com as de um grande dramaturgo, Clark é um exímio contador de histórias, cujos fascinantes ‘contos musicais’ deixam sempre a audiência hipnotizada e à espera de mais”.


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Esta é a postagem número 100 do blog JAZZ + BOSSA + BARATOS OUTROS, espaço virtual que criei para falar sobre música mas que, desde 25 de abril de 2009 se tornou a atividade mais prazerosa e desafiadora a que já me dediquei nos últimos tempos.

Por meio do JAZZ + BOSSA tenho feito grandes amigos, pelo Brasil e pelo mundo (Estados Unidos, Japão, Portugal, Inglaterra, Espanha, Chile, México, etc.) e aprendido bastante com outros apaixonados por música que freqüentam este barzinho virtual. Por isso, gostaria de dedicar esta centésima postagem a duas pessoas muito especiais: Matilde e Pedro “Apóstolo” Cardoso.

Eles são tudo aquilo que se pode esperar de duas pessoas a quem devotamos carinho e amizade: amáveis, inteligentes, bem-humorados, afetuosos e cativantes. Além disso, são excelentes anfitriões, daqueles que você não tem a menor vontade de ir embora, quando vai fazer uma visita. Passamos horas maravilhosas ao lado desse casal lindo, cuja cumplicidade contagia a todos que lhes cercam – aos 47 anos de vida comum, ainda parecem viver uma eterna lua-de-mel.

Se no recente tour por São Paulo que fizemos, não tivéssemos assistido aos shows do Nathan Marques, da Traditional Jazz Band, do Rei do Blues B. B. King e do simpaticíssimo grupo de chorinho Fazendo Hora, a viagem já teria valido a pena, somente por termos conhecido pessoalmente os queridos Pedro e Matilde. Mestre Apóstolo, quando eu crescer, quero ser igualzinho a você! Muito obrigado por tudo!


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