John Haley Sims, o último de uma numerosa prole de sete irmãos, nasceu no dia 29 de outubro de 1925, na cidade de Inglewood, Califórnia. Sua família era ligada ao vaudeville – seus pais eram dançarinos – e logo o garoto começou a demonstrar uma impressionante aptidão musical. Além disso, a família incentivava o garoto a ler bastante e, na vitrola da casa, sempre se podia ouvir os discos de Duke Ellington e Count Basie.
Com apenas oito anos já tocava com desenvoltura a clarineta e a bateria. Por volta de 1936, a família Sims se mudou para Hawthorne, também na Califórnia, e John passou a estudar música na escola. Com treze, ele optou pelo saxofone, muito em virtude do impacto que a audição da música de Lester Young havia lhe causado.
Mas a musicalidade era comum na família Sims, tanto que o irmão mais velho, Ray, se tornaria um respeitado trombonista, tendo acompanhado Les Brown, Harry James, Lena Horne e Peggy Lee e outro irmão, Bob, tocava trompete. Quanto a John, foram necessários pouco mais de três anos de dedicação ao tenor para se tornar profissional. Estreou em 1941, com a orquestra de Ken Baker, que lhe deu o apelido de Zoot, pelo qual ficaria conhecido no mundo do jazz.
Pouco tempo depois, uniu-se à banda do trompetista Bobby Sherwood, trabalhando também com Sonny Durham, Big Sid Catlett e Bob Astor. Em 1943, como freelancer, participou de algumas gravações para a orquestra de Benny Goodman e em 1944, acompanhando o pianista Joe Bushkin, participou de sua primeira gravação com um pequeno grupo. Ainda naquele ano, integrou-se definitivamente à big band de Benny Goodman, de onde saiu para servir ao exército.
De volta à vida civil em 1946, voltou a tocar com Goodman e, no final daquele, foi convidado por Bill Harris para integrar o seu sexteto, que na época era atração fixa do clube Café Society Updown. Uniu-se por algum tempo à orquestra do guitarrista Alvino Rey e, em seguida, à de Gene Roland, onde conheceu Stan Getz, Herbie Steward e Jimmy Giufre.
A afinidade musical era tamanha que, pouco depois, em 1947, Getz, Sims e Steward estavam tocando juntos na poderosa orquestra de Woody Herman, que era uma das mais populares dos Estados Unidos. Substituindo Giuffre pelo baritonista Serge Chaloff, a orquestra contava com uma das mais vigorosas e inventivas sessões de sopro da época, capaz de rivalizar com as de Duke Ellington (capitaneada por Harry Carney e Johnny Hodges) e de Count Basie (que tinha os monstros Paul Gonsalves e Buddy Tate).
Após gravar o tema “Four Brothers” (de autoria e com arranjos de Giuffre) e “Early Autumn”, de Ralph Burns (que havia indicado os três para a orquestra), Herman e sua big band alcançaram um sucesso até então inédito. Herbie Steward saiu da orquestra em 1948, dando lugar a Al Cohn, outro discípulo de Lester Young e que iria firmar com Zoot Sims uma amizade e uma parceria para o resto de suas vidas.
Após deixar a big band de Woody Herman, em 1949, Zoot se mudou para Nova Iorque, trabalhando como freelancer em vários contextos e passando algum tempo com a orquestra de Artie Shaw. Novamente uniu-se a Benny Goodman, a fim de participar de uma excursão pela Europa, em 1950. Na ocasião, além de travar contato com diversos músicos europeus, gravou, na Suécia e na França, suas primeiras sessões como líder.
Em 1952, foi convidado para se juntar à orquestra de Stan Kenton, um dos arrojados band leaders da história do jazz, cujas concepções harmônicas continuam modernas até hoje. Dois anos depois, Sims integraria o sexteto de Gerry Mulligan, ex-arranjador de Kenton, e com ele permaneceria até 1956 (na década seguinte, Zoot voltaria a trabalhar sob a liderança do baritonista, na Mulligan’s Concert Jazz Band). Também nesse período, consolidou a prolífica união com Al Cohn, sendo que o primeiro disco sob a liderança dos saxofonistas incluía ninguém menos que John Coltrane e Hank Mobley (no álbum “From A to Z”, de 1956).
Nos anos 60, Zoot trabalhou exaustivamente, fosse em seus pequenos grupos, fosse como co-lider do grupo que mantinha com Al Cohn, fosse como free-lancer – e nessa condição participaria de álbuns de Oscar Pettiford, Anita O’Day, Bill Evans, Jimmy Rushong, Pepper Adams, Phill Woods, Tony Bennett, Bob Brookmeyer, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Jimmy Raney, Stan Getz e muitos outros.
Em 1961 o Brasil teve a honra de assisti-lo, ao vivo, por ocasião do American Jazz Festival, o melhor festival de jazz já realizado por estas plagas, promovido pelo Departamento de Estado Norte-Americano (e quem diz isso são os honoráveis José Domingos Raffaelli e Pedro “Apóstolo” Cardoso, duas das maiores autoridades brasileiras em jazz). Além de Zoot, participaram do evento Coleman Hawkins, Tommy Flanagan, Herbie Mann, Kenny Dorham, Ronnie Ball, Curtis Fuller, Ben Tucker, Roy Eldridge, Jo Jones, Chris Connor, Al Cohn e muitos outros.
No ano seguinte, Sims ainda encontrou tempo para viajar com o antigo chefe Benny Goodman – sempre ele – até a União Soviética, para uma série consagradora de concertos. Em 1963, participou do Festival de Newport e integrou, ao lado de Roy Haynes, Joe Zawinul, Clark Terry, Howard McGhee, Coleman Hawkins, a preciosa orquestra denominada Newport House Band. Em 1967, atendendo a um convite do produtor Norman Granz, integrou a caravana “Jazz At The Philarmonic”, com a qual fez uma série de concertos pela Europa.
Nos anos 70, a rotina incessante de trabalho manteve-se auspiciosamente inalterada. Concertos, gravações, excursões, participação em festivais (incluindo Newport) – tudo isso era a rotina de Zoot, que manteve inalterada a parceria com o velho amigo Cohn e a indefectível excursão ao lado de Benny Goodman (desta feita, foram à Europa em 1972 e à Austrália em 1973). Nessa época, Sims passou a se dedicar ao sax soprano, carinhosamente apelidado de “Sidney”, em homenagem ao grande Sidney Bechet.
Alguns dos acontecimentos mais notáveis da carreira de Zoot ocorreram nessa década. O primeiro deles, em 1970, foi o casamento com Louise Choo, jornalista do The New York Times. O segundo (e mais importante para os jazzófilos) foi a sua contratação pelo selo Pablo, de Norman Granz, que lhe permitiu gravar, entre outros, com gigantes da estatura de Oscar Peterson, Joe Pass, Harry “Sweets” Edison, Count Basie, J. J. Johnson, Frank Wess, Louis Bellson e outros.
Em sua fantástica passagem pela gravadora, que rendeu alguns dos seus melhores álbuns, um deles se destaca – e com todos os méritos: o formidável “If I’m Lucky”. Trata-se daquela rara modalidade de disco em que tudo, absiolutamente tudo, deu certo! As gravações, ocorridas nos dias 27 e 28 de outubro de 1977, nos estúdios da RCA, em Nova Iorque, forram produzidas pelo próprio Norman Granz. Acompanham o saxofonista os experientes Jimmy Rowles (piano), George Mraz (baixo) e Mousey Alexander (bateria).
Rowles é um pianista sofisticado, dono de um fraseado elegante e, por vezes, introspectivo. Ficou célebre por ser um grande acompanhante de cantoras, dentre elas Billie Holiday, Peggy Lee e Ella Fitzgerald, e por possuir um conhecimento enciclopédico do cancioneiro norte-americano.
A belíssima “(I Wonder) Where Our Love Has Gone”, obscura balada de Buddy Johnson que abre o disco, foi resgatada do limbo graças à prodigiosa memória musical do pianista, que apresentou a canção a Zoot. Interessante perceber como o sopro de Sims, sempre eloqüente e apaixonado, contrasta com a sobriedade impressionista do piano de Rowles. Este, aliás, impõe ao tema uma delicada abordagem de blues, com direito a um solo fenomenal de Mraz.
O irresistível swing do líder se revela logo na segunda faixa, uma fantástica releitura de “Legs”, de Neal Hefti. A trinca Rowles, Alexander e Mraz, segura ao extremo, dá o suporte necessário aos vôos de Sims. E que vôos! Sims é não apenas criativo ao extremo, mas toca com tamanha entrega e sagacidade, que faz parecer fácil tocar como ele toca.
Ao contrário do que o nome possa fazer crer, “Shadow Waltz” é uma deliciosa incursão do quarteto pela bossa nova (embora a versão original de Harry Warren e Al Dubin, lançada nos anos 30, seja efetivamente uma valsa). Interessante atuação de Alexander, que embora não tenha o mesmo approach de um Milton Banana ou de um Chico Batera, consegue uma boa dose de swing ao tema. Também merece destaque o fabuloso solo de Mraz e a interpretação sempre graciosa do líder.
“If I’m Lucky” é outra balada, na qual um Sims emotivo e quase melancólico encharca de lirismo o velho standard de Eddie De Lange e Josef Myrow. Deliciosa a versão de “You’re My Everything”, com seu clima de vaudeville e um Rowles endiabrado como nunca, fazendo seu piano soar percussivo como um Horace Silver.
Cole Porter não poderia ficar de fora. O balanço que o quarteto imprime a “It's Alright With Me” é irresistível. Tocando com a personalidade de sempre, Zoot consegue extrair de um standard tão gravado novas nuances sonoras, chegando a flertar descaradamente com o bebop, qual um Dexter Gordon. Soberbas atuações de Alexander e Rowles.
“Gypsy Sweetheart” e “I Hear a Rhapsody” completam a sessão – esta última encerra o álbum de maneira altamente inflamável, com um Rowles nada menos que esfuziante e um solo arrebatador de Alexander. Sims é um dos maiores saxofonistas de qualquer época e, embora formado nas orquestras de swing, soube absorver influências do bebop e do hard bop e utilizá-las na construção do seu estilo personalíssimo. Este álbum é um excelente exemplo de suas habilidades.
A década de 80 começou auspiciosa para Zoot. Participação em festivais importantes, como o de Estocolmo, e gravação de um álbum antológico, ao lado dos geniais Art Pepper, Barney Kessel, Victor Feldman, Ray Brown e Billy Higgins (“Art’N’Zoot”, de 1981). Outro disco bastante interessante é “Blues For Two”, um duo com o virtuose Joe Pass, de 1982. Dois anos depois, faria um belo tributo ao compositor Johnny Mandel, em “Quietly There”.
Todavia, os bons augúrios não se concretizaram. Um câncer no fígado, diagnosticado no final de 1984, levou-o no dia 23 de março de 1985, em Nova Iorque. Tinha 59 anos e, no fim daquele ano, foi homenageado postumamente, com a indicação para o Hall of Fame da Revista Down Beat.
O bem-humorado saxofonista (é célebre a história do fã que lhe perguntou como ele conseguia tocar tão bem, mesmo bêbado e ele, sem perder a pose, respondeu: “É fácil: eu pratico bêbado”) deixou, além dos muitos discos, uma infinidade de amigos. Um deles, o pianista Dave Frishberg, compôs em sua homenagem o tema “Zoot Walked In”.
Não é à toa que, certa feita, o crítico Will Friedwald escreveu sobre o saxofonista: “Ele não ficou tão famoso quanto o “irmão” Stan Getz, nem era um compositor ou arranjador tão notável quanto Al Cohn, seus companheiros na orquestra de Woody Herman. Mas era um concorrente terrível em uma jam session. Ele poderia chutar traseiro de qualquer um, e você teria pena do tolo que ousasse enfrentá-lo”.
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