O SAXOFONISTA DE ALÁ
Música e outras coisas

O SAXOFONISTA DE ALÁ



Edmond Gregory nasceu em Savannah, Geórgia, no dia 23 de junho de 1925, e integrou a primeira geração do bebop, ao lado de Charlie Parker, Thelonious Monk e Dizzy Gillespie. Começou a tocar saxofone alto ainda na infância e aos 13 anos já se apresentava profissionalmente, na orquestra do pianista Luther Henderson, um dos grandes arranjadores da era do swing. Entre 1941 e 1942 estudou no Conservatório de Boston, tendo tocado por um período com o trompetista Roy Eldridge e integrado a orquestra de Fletcher Henderson.

Além do sax alto, Eddie Gregory, como era então conhecido nos meios musicais, tocava sax tenor e sax barítono, instrumento que ficou mais associado a seu nome, sendo nítida a influência de Harry Carney em seu fraseado. Músico de grande versatilidade, o saxofonista se sentia absolutamente à vontade tanto em contextos mais experimentais, como os sinuosos labirintos harmônicos de Thelonious Monk, quanto em ambientes efusivamente hard boppers, como nos combos de Art Blakey.

A partir do final dos anos 40, já estabelecido em Nova Iorque, acompanhou ou foi acompanhado pelos já citados Thelonious Monk e Art Blakey, além de outros grandes nomes do jazz, como Tadd Dameron, Herbie Mann, Julius Watkins, Fats Navarro, Randy Weston, Illinois Jacquet, Phil Woods, John Coltrane, Art Taylor, Bill Evans, Lucky Thompson, Benny Golson, Dakota Staton, Curtis Fuller, Mal Waldron, Miles Davis, Hank Jones, Paul Chambers, Roy Haynes e Oscar Pettiford. Também tocou na orquestra de Dizzy Gillespie, onde trocou, de forma quase definitiva, o sax tenor pelo barítono.

Profundamente indignado com o panorama racial dos Estados Unidos, ele foi um dos primeiros músicos de jazz a se converter ao islamismo, em 1947, e adotou o nome Sahib Shihab. Também foi um dos primeiros músicos do bebop a utilizar a flauta e gravou alguns ótimos discos como líder, para selos como Epic, Savoy, Argo, Black Lion, Atlantic e Chess, nos quais, além da habilidade como executante, podia exercitar o seu lado de compositor e arranjador.

Existe uma história muito engraçada, envolvendo Monk e Shihab. No final da década de 40, ambos tocavam em uma boate de propriedade de um gângster. A namorada do facínora, chamada Lenore, engatou um arriscado romance com o saxofonista e Monk, amigo dos dois, fez uma música em homenagem à garota. Para que o gângster não desconfiasse, deu à música o nome de “Eronel”, que nada mais é que Lenore ao contrário (informação colhida no site The Writings of José Domingos Raffaelli – http://www.bjbear71.com/Raffaelli/Newspaper-features-2.html).

A amizade entre os dois era, de fato, bastante profunda. Ambos estavam juntos em 1957, quando Art Kane fez a famosa foto “A Great Day In Harlem” e quando Shihab resolveu voltar a estudar música, desta feita na prestigiosa Juillard School, recebeu do enigmático Monk a seguinte advertência: “Bem, eu espero que você não saia de lá tocando pior do que toca agora”.

Em 1959, Shihab acompanhou Quincy Jones em uma viagem à Europa. Terminada a turnê, ele decidiu permanecer no Velho Continente, onde, além das inúmeras oportunidades profissionais, não sofria com o preconceito racial que ainda campeava nos EUA. Integrante da mesma orquestra, o trompetista Benny Bailey acompanhou a decisão do amigo e também se deixou ficar na Europa. Fixando residência na Dinamarca, trabalhou como professor e, um pouco mais tarde, uniu-se à Danish Radio Jazz Group. Casou-se com uma dinamarquesa e ali constituiu família.

Também trabalhou como músico de estúdio e arranjador, além de escrever roteiros para a televisão, o cinema e o teatro. A partir de 1961, passou a integrar a Kenny Clarke-Francy Boland Big Band, tendo participado de inúmeras gravações e concertos. A paz de espírito e a estabilidade emocional permitiram que Shihab se tornasse uma das peças chave da orquestra, com a qual permaneceria até o início dos anos 70.

Sobre a mudança para a Europa, declarou à Downbeat, em uma entrevista de 1963: “Eu estava cansado da atmosfera de Nova Iorque. E eu queria ficar longe do preconceito. A tensão racial esgotava as minhas energias”. Mas a situação dos negros nos Estados Unidos jamais deixou de afligir o engajado saxofonista, que ficou profundamente chocado com o assassinato do líder negro Malcolm X.

Uma pequena grande amostra do talento superlativo de Shihab pode ser encontrada no álbum “Sahib Shihab And The Danish Radio Jazz Group”, orquestra fundada em 1961 e que congregava alguns dos maiores músicos dinamarqueses, como o trompetista Palle Mikkelborg, o baixista Niels Henning Orsted Pedersen e o baterista Alex Riel, estes dois em início de carreira. O álbum foi gravado nos dias 18 e 21 de agosto de 1965, para o selo Oktav Music, e todas as composições e arranjos são de Shihab.

Completam o time Palle Bolvig, e Allan Botschinsky (trompete e flugelhorn), Torolf Molgard (tuba e euphonium), Svend Age Nielsen (trombone), Poul Kjaeldgard (tuba, trombone e trombone baixo), Poul Hindberg (sax alto e clarinete), Bent Jaedig (sax tenor, flauta e clarineta), Niels Husum (sax tenor, sax soprano e clarinete baixo), Bent Nielsen (sax barítono, flauta e clarinete), Ib Renard (sax barítono), Louis Hjulmand (vibrafone), Fritz Von Bulow (guitarra) e Bent Axen (piano).

Apesar de ser um solista fluente, tanto com a flauta quanto o sax alto e o tenor, a marca registrada de Shihab é o seu melodioso sax barítono, mas nas gravações deste álbum ele utiliza apenas a flauta e o sax barítono. Nesta gravação, o arranjador Shihab conseguiu um feito e tanto: conduz uma orquestra que não soa como uma orquestra, e sim como um pequeno combo.

Aqui não há arranjos grandiloqüentes nem aquela massiva parede sonora de instrumentos de sopro tocando em uníssono. Aqui, parece que cada instrumento tem o seu próprio momento para se fazer ouvir. Na faixa de abertura, “Di-Da”, Niels Pedersen faz uma introdução devastadora. A composição lembra as experiências modais de Miles Davis em “Kind Of Blue”, com especial destaque para os solos de Mikkelborg e do líder, que nesta faixa usa o sax barítono.

Homenagem a uma obscura tribo indígena norte-americana, “Dance Of The Fakowees” tem uma estrutura de valsa, com uma fabulosa atuação do vibrafonista Hjulmand e um vigoroso solo de Husum, ao sax soprano. Também merece atenção a excelente intervenção do guitarrista Von Bulow, tanto na parte rítmica quanto no solo. Em “Not Yet”, bebop fabuloso, a orquestra atua com enorme ímpeto e voracidade, sendo que a bateria de Riel parece um dínamo de milhões de watts.

“Tenth Lament” é uma balada climática, quase melancólica, com uma estrutura que lembra “Django”, de John Lewis, mas também com evocações aos momentos mais intimistas da big band de Stan Kenton. Em “Mai Ding”, homenagem a um poeta japonês de mesmo nome, o início remete a uma sonoridade oriental, logo substituída por uma abordagem calcada na soul music e no R&B, com uma orquestração digna dos melhores momentos de Ray Charles.

Shihab inicia “Harvey’s Tune” com a flauta, outra composição com andamento de valsa, mas muitíssimo bem construída e nem um pouco linear. Von Bulow e Hjulmand, mais uma vez, merecem uma atenção mais detida, enquanto Shihab constrói, ao longo de toda a faixa, alguns dos mais belos solos do disco. “No Time For Cries” é uma balada clássica, envolvente, com o trompete adocicado de Mikkelborg dialogando de maneira bastante dolente com o sax do líder.

“The Crosseyed Cat” marca uma belíssima incursão de Shihab nos domínios incandescentes do hard bop. Solos de tirar o fôlego, do líder e do saxofonista tenor Jaedig, cativam o ouvinte. Fechando o disco, “Little French Girl” é uma balada à Sinatra ou Hartman, na qual Shihab canta com excelente afinação e muito estilo. Um disco notável, sob todos os aspectos, e que enriquece qualquer discoteca.

Entre 1973 e 1976, Sahib voltou a morar nos Estados Unidos, em Los Angeles, participando de gravações com astros pop, como The Four Tops, e também acompanhando alguns jazzistas de peso, como Thad Jones e Art Farmer. Depois disso, o saxofonista passou a alternar temporadas na Europa e nos Estados Unidos, onde veio a falecer no dia 24 de outubro de 1989. Um grande músico, cujas vida e obra somente serviram para dignificar o jazz.




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