O pianista, arranjador, educador musical e compositor Sir Roland Pembroke Hanna nasceu no dia 10 de fevereiro de 1932, em Detroit, Michigan e desde a mais tenra infância demonstrou enorme interesse pela música. Seu pai era pastor batista e saxofonista amador, além de grande entusiasta das gospel songs e dos spirituals, que o pequeno Roland ouvia com freqüência em casa e na igreja. Também ouvia muito rythm’n blues e, sobretudo, o jazz produzido pelas big bands de Duke Ellington e Count Basie. Suas primeiras influências ao piano foram Art Tatum e o decano dos pianistas de Detroit, Hank Jones.
Aos oito anos, iniciou os estudos de piano clássico com a Sra. Josephine Love, prosseguindo sua formação na célebre Cass Technical High School, onde estudaram vários outros jazzistas da Cidade dos Motores, como Doug Watkins, Donald Byrd e Paul Chambers. Naquela escola, Hanna teve uma breve experiência com o sax alto e o cello, mas logo voltou a se dedicar, com exclusividade, ao piano.
Após finalizar os estudos, o pianista alistou-se no exército, onde permaneceu por dois anos, entre 1950 e 1951, tendo se integrado à United States Army Band. Concluído o serviço militar, Hanna tocou por algum tempo com o trompetista Thad Jones, cujo grupo era atração fixa no clube Blue Bird Inn, em Detroit. Ao mesmo tempo, decidiu investir pesadamente na sua formação musical, tendo estudado na Eastman School Of Music, de 1953 a 1954, mas experiência foi frustrante, porque ali não era permitido o estudo de jazz. Em 1955, já casado com Ramona Woodard, mudou-se para Nova Iorque, a fim de estudar na célebre Juilliard School Of Music.
Paralelamente aos estudos, Hanna começava a desenvolver uma prolífica carreira como acompanhante. Benny Goodman o contratou, em 1958, para acompanhá-lo na edição daquele ano do Newport Jazz Festival e em uma pequena turnê pela Europa. No ano seguinte, tocou com Charles Mingus em uma temporada no clube Half Note, além de ter acompanhado o baixista nos álbuns “Shoes of the Fisherman’s Wife” (gravado em 1959 para a Columbia, mas lançado apenas em 1971) e “Pre Bird” (Verve, 1960).
O trabalho com Mingus seria marcante na vida do pianista, que nas décadas de 70 a 90 seria um regular colaborador da orquestra Mingus Dinasty, dedicada à preservação da obra do genial contrabaixista e compositor. Outro fato marcante foi a gravação do primeiro álbum como líder, “Easy to Love” (Koch Records, 1959), ao lado do baixista Ben Tucker e do baterista Roy Burns. No final dos anos 50, Hanna costumava se apresentar regularmente, com seu trio, no Five Spot.
A partir do início dos anos 60, ele tocaria com gente do calibre de Kenny Burrell, Art Blakey, Benny Carter, Joe Williams, Jimmy Knepper, Coleman Hawkins, Freddie Hubbard, Joe Pass, Phil Woods, Joe Henderson, Sonny Stitt, Elvin Jones, Pepper Adams, Stephane Grappelli, Jim Hall, Dexter Gordon, Don Sebesky, Gene Ammons, Dave Holland, Daniel Humair, Red Rodney, Paul Desmond, James Newton, Chet Baker, Ron Carter, George Mraz, Arthur Blythe, Carmen McRae, Louis Smith, Stanley Turrentine, Helen Merrill, Richard Davis, Al Hibbler, Ed Thigpen e Sarah Vaughan, de quem foi diretor musical por algum tempo.
Outra associação importante – e bem mais duradoura, foi com a Thad Jones-Mel Lewis Orchestra, atração fixa nas noites de segunda-feira, no Village Vanguard, com quem permaneceu entre 1967 e 1974. Em 1971, Hanna fundou o New York Jazz Quartet, juntamente com Ron Carter, Frank Wess e Ben Riley, ao lado de quem gravaria alguns álbuns e faria diversos concertos, sobretudo no Japão, onde o combo gravou, em 1975, os dois volumes do “In Concert In Japan”.
Entre 1968 e 1969, o pianista fez diversos concertos em benefício das crianças da Libéria, um dos países mais pobres da África, e que renderam cerca de 100 mil dólares. Como forma de agradecer o engajamento nessa causa humanitária, o presidente liberiano William Tubman agraciou-o com o título de cavaleiro, em 1970, razão pela qual, desde então, exibe-se pelo mundo afora com o prestigioso título de Sir Roland Hanna.
Autor de quase 400 composições, incluindo jazz e música erudita, suas obras foram interpretadas por importantes orquestras norte-americanas e européias, como a Swedish Symphony Orchestra of Norrkoping, a Eastman Symphony Orchestra, a American Composers Orchestra, a Lincoln Center Jazz Orchestra, a Smithsonian Jazz Masterworks, a Detroit Symphony Orchestra e a National Symphony Orchestra.
Também trabalhou em musicais da Broadway, como “Maya the bee” e compôs os ballets “Desert Knights” e “My name Is Jasmine But They Call Me Jaz”, além de uma “Sonata For Chamber Trio and Jazz Piano” e de uma “Sonata For Piano and Violin”, e suas músicas de câmara foram executadas por grupos de prestígio, como o New York Philomusica Chamber Ensemble e o Sanford Allen Chamber Ensemble. Nos anos 80 participou de uma memorável excursão à Europa, ao lado de gigantes como Al Grey, Clark Terry e Buddy Tate.
Sua discografia supera a marca de 40 álbuns, lançados por selos como LRC, Storyville, Audiophile, Black Hawk, Concord, Inner City, Koch, MPS, Enja, CTI e Venus. Um dos mais belos registros de sua arte refinada é o pouco conhecido “Impressions”, gravado para o pequeno selo francês Black & Blue, no dia 14 de julho de 1979, no Black & Blue Open Air Studio, em Nice e que faz parte da série “The Definitive Black & Blues Sessions”.
Secundando o pianista, estão os ótimos Major Holley (baixo) e Alan Dawson (bateria). O disco também traz uma faixa bônus, gravada no dia 17 de julho do mesmo ano (desta feita, a gravação ocorreu no Miraval Studio, em Brignoles), sendo que aqui os acompanhantes são os não menos talentosos George Duvivier (baixo) e Oliver Jackson (bateria).
Sobre o selo Black & Blue, criado em 1963 por Jean-Marie Monestier e Jean-Pierre Tahmazian, permita-se um adendo. Trata-se de uma gravadora pequena, mas que possui um trabalho monumental no resgate da obra de grandes músicos, que nos anos 60 e 70 andavam meio esquecidos. Em seu catálogo, constam álbuns de gente como Al Casey, Slam Stewart, Sammy Price, Jay McShann, Pinetop Perkins, Arnett Cobb, Teddy Wilson, Budd Johnson, Eddie Cleanhead Vinson e muitos outros.
“I Love You”, de Cole Porter, abre o disco de maneira esfuziante, calcada no swing dos anos 30. Holley exala confiança, cimentando com muito dinamismo e elegância o sensacional duelo entre a bateria vibrante de Dawson e o piano arredio de Hanna. Composta em 1928, “Lover, Come Back to Me”, de Oscar Hammerstein e Sigmund Romberg, ganhou um arranjo alegre, tributário dos cabarés e speakeasys dos anos 20, com os três mestres brincando com os respectivos instrumentos, adicionando um inesperado goove à infecciosa melodia.
Uma das duas únicas performances solo do álbum, “Body and Soul” é executada de modo intimista por Hanna, que em algumas passagens conjuga o lirismo comedido de Bill Evans com a exuberância harmônica de Erroll Garner. Tom Jobim disse, certa vez, que o Brasil não é para principiantes. O mesmo pode ser dito sobre “Impressions”, de John Coltrane, que aqui recebe uma de suas mais extraordinárias interpretações. O líder ataca o piano subversiva e caudalosamente, com uma fúria rítmica que poderia intimidar seus acompanhantes, não fossem eles músicos de tão elevada categoria. A sólida condução de Holley e a criatividade percussiva de Dawson mantém a coesão do tema, em que pese as incontáveis variações harmônicas engendradas por Hanna.
Também executada apenas pelo pianista, “The Lonely Ones” é um blues de sua autoria, que lembra as composições de Duke Ellington. Fantástica versão de “What a Difference A Day Made”, em tempo mais rápido que o usual, retirando-lhe um pouco da carga emocional dada por Dinah Washington, mas agregando-lhe um novo colorido melódico. A introdução quase espectral, a cargo de Hanna, e a furiosa percussão de Dawson, que parece se divertir à larga, são os maiores destaques.
“Drinkin' Wine Slowly” é a segunda composição de Hanna presente no set e pode ser descrita como um post bop delicadamente latino, com várias citações à música erudita, em especial ao “Lago dos cisnes”. A atuação de Holley merece todos os encômios. O trio revisita “All Blues”, a emblemática composição de Miles Davis, de forma pouco reverente e bastante intrigante, com direito a uma discreta textura oriental e a uma aula de stride piano por parte do líder.
Na última música do álbum, Holley e Dawson dão lugar a George Duvivier e Oliver Jackson. Uma das mais belas e menos conhecidas jóias da ourivesaria dos irmãos George e Ira Gershwin, “Isn't It A Pity” foi imortalizada na voz de Sarah Vaughan e recebe aqui um arranjo bastante sóbrio, com Hanna acariciando as teclas do piano com extrema delicadeza. Duvivier e Jackson são músicos experientes, de elevado gabarito técnico e, sobretudo, de enorme sensibilidade, o que proporciona uma audição emocionada. Um disco fabuloso, de um artista idem.
A fim de dar oportunidade a jovens talentos, em 1997 criou o selo RMI, que lançou álbuns de músicos em início de carreira como Yoshio Aomori, Hideaki Aomori e Jeb Patton. Apaixonado pela educação musical, Hanna foi professor em diversas instituições, como a Manhattan School of Music, a Aaron Copland School of Music e a City University of New York. Dentre seus alunos mais célebres estão os pianistas Bernardo Sassetti, Cliff Korman e Henry Butler e o trompetista Greg Glassman.
Nos anos 90, Sir Roland dedicou-se quase que inteiramente à composição e à educação musical, fazendo relativamente poucas turnês e gravações, embora se apresentasse com freqüência no Japão, onde tinha um público apaixonado e fiel. Em 1991, participou da trilha sonora do filme “Febre da selva”, de Spike Lee, composta e executada por Terence Blanchard.
Após uma vida inteira dedicada à música, cujas fronteiras empenhou-se em abolir, Sir Roland Hanna faleceu no dia 13 de novembro de 2002, em Hackensack (Nova Jérsei), vitimado por um ataque cardíaco, causado por uma infecção viral que lhe atacou o coração. Em sua homenagem, a Aaron Copland School of Music organizou um concerto em sua homenagem, sob a direção do saxofonista Jimmy Heath, seu amigo e também professor da mesma instituição.
- O BartÓk Do Trompete
Béla Viktor János Bartók é um dos homens que faz com que o século XX tenha valido a pena. Nascido em 25 de março de 1881, na cidade de Nagyszentmiklos, então pertencente à Hungria, desde muito cedo demonstrou especial aptidão para a música....
- O Galante Mr. Jones
Um dos mais talentosos e festejados pianistas de todas as eras, Henry “Hank” Jones nasceu no dia 31 de julho de 1918, em Vicksburg, Mississippi. Ainda na infância, mudou-se com a família para Pontiac, no estado de Michigan, onde o pai, diácono...
- Johnny Coles: O Acendedor De LampiÕes
“– Talvez esse homem seja mesmo absurdo. No entanto, é menos absurdo que o rei, que o vaidoso, que o homem de negócios, que o beberrão. Seu trabalho ao menos tem um sentido. Quando acende o lampião, é como se fizesse nascer mais uma estrela,...
- Um Petardo Sonoro Chamado Curtis Fuller
Curtis DuBois Fuller é considerado pela crítica especializada o trombonista mais importante do hard bop, com relevância comparável à que teve J. J. Johnson (uma de suas mais significativas influências, ao lado de Jimmy Cleveland e Urbie Green)...
- A Apoteose Da Sutileza
Creed Taylor é um dos mais importantes produtores da história do jazz, tendo começado a trabalhar no modesto selo Bethlehen, nos anos 50. Ainda naquela década, comandou a divisão de jazz da gigante do entretenimento ABC-Paramount, que lançou álbuns...