MY NAME IS REECE, DIZZY REECE: UM TROMPETISTA A SERVIÇO DE SUA MAJESTADE
Música e outras coisas

MY NAME IS REECE, DIZZY REECE: UM TROMPETISTA A SERVIÇO DE SUA MAJESTADE



Alguns acham que é o saxofonista Tubby Hayes. Outros, o trompetista Humphrey Littelton. O pianista Victor Feldman também tem boas chances. Dave Holland, assim como John McLaughlin, é outro forte candidato. Boa parte aponta George Shearing, enquanto alguns poucos sufragam o nome de Ronnie Scott. As novas gerações não titubeiam em afirmar que é Evan Parker, embora John Surman tenha lá os seus defensores. Todos grandes músicos, decerto. Mas se fosse instado a escolher o mais importante nome do jazz britânico, eu não hesitaria em afirmar: Dizzy Reece é o maior!

Exagero, muitos dirão. Vejamos o que disse o crítico inglês Kenneth Tynan quando Reece trocou o fog londrino pela efervescência de Nova Iorque, no final dos anos 50: “Demorou muito tempo para que Londres tivesse um músico capaz de mudar os rumos do trompete. Em Dizzy Reece nós encontramos esse alguém e, agora que descobrimos que o temos entre nós, ele nos deixa. Nós sentiremos a sua falta, mas a nossa perda representa um enorme ganho para a América”.

Esse artista surpreendente, súdito de Sua Majestade, a Rainha Elizabeth, nasceu no dia 05 de janeiro de 1931, em Kingston, Jamaica. Seu pai era um pianista do cinema mudo e a música entrou muito cedo na vida do jovem Alphonso Son Reece. Ainda na infância, passava horas ouvindo os ídolos King Oliver, Louis Armstrong e Buck Clayton. O temperamento elétrico e irrequieto – nos dias de hoje, seria politicamente correto chamá-lo de hiperativo – garantiu-lhe o apelido Dizzy.

Também por conta de sua inquietude, os pais o matricularam na severa Alpha School For Boys, instituição para jovens músicos conhecida não apenas pela excelência do ensino, mas também pela disciplina rigorosa que impunha aos seus alunos. Ali permaneceu de 1942 a 1945, iniciando os estudos no saxofone barítono e, em seguida, passando para o trompete. Aos 16 anos, fez as primeiras apresentações profissionais, acompanhando a orquestra de Jack Brown, bastante conhecida na região de Kingston.

Decidido a ampliar seus horizontes musicais e buscando melhores oportunidades profissionais, mudou-se para Liverpool em 1948. No ano seguinte, já atento à revolução do bebop, assistiu em Paris a uma apresentação de Charlie Parker, fato que definiu sua convicção em prol da honorável causa do jazz. Impressionou-se, sobretudo, com a classe e a economia do fraseado do trompetista que acompanhava Bird naquela turnê: Miles Davis.

Tocando em orquestras inglesas e fazendo turnês pela Europa, Dizzy aportou em Londres em 1954. Não tardou a se destacar na cena musical londrina, fazendo apresentações e gravando com Tubby Hayes, Martial Solal, Victor Feldman, Frank Foster, Kenny Clarke, Don Byas, Thad Jones e Ronnie Scott. Suas gravações feitas para selos como Savoy e Tempo chegaram aos Estados Unidos e despertaram o interesse de Alfred Lion, que em 1958 foi a Londres gravar o primeiro disco de Reece para a sua prestigiosa Blue Note.

Músicos americanos, como Art Taylor e Donald Byrd, e britânicos, como Tubby Hayes e Terry Shanon, acompanharam Reece em seu debut e o disco “Blues In Trinity” teve uma boa repercussão por parte do público e da crítica. Convidado por Lion para integrar o cast da Blue Note, Reece mudou-se para os Estados Unidos em outubro do ano seguinte, fixando-se em Nova Iorque.

Participou como sideman de álbuns de Duke Jordan, Art Blakey, Hank Mobley, Andrew Hill e Clifford Jordan, e lançou mais alguns ótimos discos pela Blue Note. Gravando para este selo, no final da década de 50 e início da década de 60, liderou sessões ao lado de grandes feras do jazz, como Walter Bishop Jr., Paul Chambers, Doug Watkins, Stanley Turrentine, Bobby Timmons, Jymie Merritt, Sam Jones e Wynton Kelly, mas não chegou a fazer o sucesso esperado.

Embora os quatro álbuns que lançou pela Blue Note possam ser considerados verdadeiros clássicos do hard bop e tenham sido bastante aclamados pela crítica, merece destaque uma pequena obra-prima que produziu para a Prestige e que, lamentavelmente, ainda permanece na obscuridade. Trata-se do maravilhoso “Asia Minor”, gravado em 13 de março de 1962, nos estúdios de Rudy Van Gelder.

A seleção de craques escolhidos para acompanhar Reece impressiona: Cecil Payne (sax barítono), Joe Farrell (sax tenor e flauta), Hank Jones (piano), Ron Carter (baixo) e Charlie Persip (bateria), todos em excelente forma e com um apetite aparentemente insaciável. O azeitadíssimo sexteto executa seis temas belíssimos, alternando a necessária doçura nos temas mais amenos com uma elevadíssima voltagem nos temas mais acelerados.

O compositor Reece dá o ar de sua graça em três belos temas: “The Shadow Of Khan”, na qual Farrell e Payne desmontam e reconstroem o arcabouço harmônico inúmeras vezes, sempre com alta dose de adrenalina e paixão, “Yamask” e “Ackmet”, ambas pinceladas com um discreto acento oriental, em grande parte graças à belíssima flauta de Farrel, destacando-se a atuação devastadora do líder. Nas três, a atuação da sessão rítmica é impecável, merecendo especial atenção os belíssimos solos engendrados pelo elegantérrimo Jones.

Uma interpretação memorável da canção mexicana “The Story Of Love”, de Carlos Almarán (que ganhou título e letra em inglês de George Thorn), dá a medida da versatilidade e da desenvoltura de Reece. Ele incorpora um verdadeiro mariachi e perpetra um solo caliente, emocional como se a história de amor cantada na composição fosse sua. As intervenções do sax de Payne são fabulosas e bateria em ebulição de Persip acrescenta uma boa dose de swing ao tema.

Há uma certa austeridade na forma como Reece interpreta a indefectível “Summertime”, que ganha um contorno quase marcial – reflexo, talvez, de sua condição de súdito da Rainha da Inglaterra. O blues está presente em toda a sua intensidade, especialmente por conta da extraordinária atuação de Carter e Persip. Mais uma vez, Payne executa um solo inebriante, incisivo, e o lânguido saxofone de Farrell parece descrever, com riqueza de detalhes, a vida nos campos do sul dos Estados Unidos, onde “fish are jumpin’ and the cotton is high”.

Uma emocionada homenagem a Bird advém da lindíssima “Spiritus Parkus”, composição de Payne, um hard bop enviesado, cheio de alternativas harmônicas, com Reece, Payne e Farrell desafiando-se mutuamente, com direito a solos extremamente arrojados, quase transgressores, do trio. Jones, com seu solo impressionista, reveste de uma comedida elegância a faixa, que está à altura da genialidade do homenageado.

Após “Asia Minor”, Reece só voltaria a gravar como líder em 1970, no álbum “From In To Out”, lançado pelo selo Futura. Durante esse hiato, dedicou-se à literatura (é autor de alguns romances e livros infantis) e mergulhou de cabeça no estudo da música oriental e da cultura indiana. Nos anos 70 e 80, residindo novamente na Europa, tocou com Dexter Gordon, Roy Haynes, Clifford Jordan, Albert Dailey, Ted Curson, Victor Feldman, Duke Jordan, John Gilmore e Philly Joe Jones.

Também integrou a Paris Reunion Band, orquestra criada pelo saxofonista Nathan Davis para homenagear o falecido Kenny Clarke e que teve em suas fileiras músicos como Johnny Griffin, Slide Hampton, Kenny Drew, Woody Shaw e Idris Muhammed. Nos anos 90 a sua associação mais regular foi com a big band de Clifford Jordan, com quem chegou a gravar alguns álbuns. Ele permanece em atividade, alternando incursões pela música e pela literatura e os seus álbuns gravados para a Blue Note foram compilados pela Mosaic, que em 2004 lançou o obrigatório “Mosaic Select”. Atualmente, o culto e articulado Dizzy Reece reside em Nova Iorque, na companhia do seu gato Gino.



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