UM PETARDO SONORO CHAMADO CURTIS FULLER
Música e outras coisas

UM PETARDO SONORO CHAMADO CURTIS FULLER



Curtis DuBois Fuller é considerado pela crítica especializada o trombonista mais importante do hard bop, com relevância comparável à que teve J. J. Johnson (uma de suas mais significativas influências, ao lado de Jimmy Cleveland e Urbie Green) para o bebop. Nasceu em Detroit, no dia 15 de dezembro de 1934, e a música entrou em sua vida ainda no colegial. Curiosamente, seu primeiro instrumento foi o sax barítono, trocado pouco tempo depois pelo trombone.

O ambiente musical da cidade, altamente estimulante, permitiu o convívio com futuros astros do jazz, como Donald Byrd, Paul Chambers, Pepper Adams, Kenny Burrell e Elvin Jones, com quem Fuller mantinha, além da amizade pessoal, uma intensa troca de informações musicais e um estreito convívio nos clubes e casas noturnas da Capital do Automóvel, onde todos eles começaram suas respectivas carreiras profissionais.

Para se ter uma idéia de como era bem representativa a cena musical da Detroit dos anos 50, basta dizer que ali pontuavam estrelas como Thad Jones, Louis Hayes, Barry Harris, Hank Jones, Yusef Lateef, Roland Hanna, Doug Watkins e Tommy Flanagan. Em 1953 Fuller esteve no exército, onde conheceu Cannonball Adderley, então sargento da companhia em que ambos serviam. De volta à vida civil, gravou o primeiro álbum como líder, “Introducing Curtis Fuller”, para o selo Transition (1956) e integrou-se ao quinteto de Yusef Lateef, ao lado de quem desembarcou em Nova Iorque em 1957, para gravar alguns álbuns para a Savoy e a Verve.

Nesse período, o seu fraseado potente e encorpado chamou a atenção de gente como John Coltrane, Jimmy Smith, Bud Powell, Benny Golson, Miles Davis, Sonny Clark, Phil Woods, Hank Mobley, Horace Silver, Sonny Rollins, Paul Quinichette, Clifford Jordan, Lester Young, Kenny Dorham, Blue Mitchell, Lee Morgan e outros, tendo sido um dos mais requisitados músicos de apoio do final dos anos 50. Compositor inspirado, Fuller é o autor de verdadeiros clássicos do hard bop, como “Vonce # 5”, “Transportation Blues” e “Cashmere”, tendo gravado com regularidade para selos como Savoy, Prestige, Blue Note, Atlantic e Impulse, entre as décadas de 50 e 60.

Em 1959, lançou o seminal “Blues-ette”, pela Savoy, ao lado de Benny Golson, Tommy Flanagan, Jimmy Garrison e Al Harewood. Sobre a importância deste disco, basta dizer que 34 anos depois, em 1993, o quinteto se reuniu novamente para “Blues-ette – Pt. 2”, novamente para a Savoy, mas com Ray Drummond substituindo o falecido Jimmy Garrison. Ainda em 1959, foi convidado por Golson para integrar o Jazztet, combo fundado por ele e pelo trompetista Art Farmer.

Em 1957, Fuller viveu um ano admirável. Além dos discos para a Prestige, lançou o magistral “The Opener”, sua primeira gravação como líder para a Blue Note, onde chegou com status de estrela em ascensão. Hank Mobley (ts), Bobby Timmons (p), Paul Chambers (b) e Art Taylor (bt) foram os companheiros convocados para a empreitada, cujo resultado é um álbum impecável, não apenas porque todos os músicos são verdadeiros mestres em seus respectivos instrumentos, mas também por conta de um repertório muito bem escolhido, que permite a todos, sem exceção, exibir competência técnica, inventividade e elevada capacidade de improvisação.

Em “A Lovely Way To Spend An Evening”, que abre o disco, o trombone de Fuller é doce e envolvente, criando um clima altamente sedutor. A primorosa remasterização de Rudy Van Gelder permite que se ouçam todos os instrumentos e que se perceba toda a delicadeza dessa faixa encantadora – o elegantérrimo solo de Timmons merece ser ouvido mil vezes. “Hugore”, com sua levada funky e seu leve sabor de blues é o veículo mais que apropriado para as intervenções altamente criativas de Mobley. A sacolejante “Oscalypso”, de Oscar Pettiford, com a sua levada ondulante e cálida, evoca um mergulho nas águas cristalinas do Caribe, com um diálogo extraordinário entre Fuller e Mobley.

Outro grande destaque é a emocionante versão de “Soon”, dos irmãos Gershwin, na qual Timmons, novamente, mostra porque é considerado um dos pianistas mais habilidosos das décadas de 50 e 60 e o brilhante Taylor dá uma aula de versatilidade e ritmo. Em “Lizzy's Bounce”, um bebop matador do próprio Fuller, o destaque é Chambers, soberbo tanto na parte rítmica quanto nos solos. “Here's to My Lady”, de Johnny Mercer, completa este set verdadeiramente indispensável, com Fuller desintegrando tudo ao redor, com o seu aparentemente inesgotável vigor físico e sua proverbial criatividade. Um álbum para se ouvir muitas e muitas vezes!

O trombonista também participaria de uma das formações mais arrojadas e criativas dos Jazz Messengers de Art Blakey, entre 1961 e 1965, e que incluía o pianista Cedar Walton, o saxofonista Wayne Shorter e o trompetista Freddie Hubbard. Nesse período, os Messengers lançaram alguns dos seus álbuns mais primorosos, como “Mosaic”, “Ugetsu” e “Free For All”. Ainda nos anos 60, excursionou com Dizzy Gillespie e se manteve bastante ativo, conservando-se como um dos músicos mais requisitados de Nova Iorque e acompanhando tanto veteranos como Philly Joe Jones, quanto estrelas em ascensão, como Booker Little, Houston Person, Joe Henderson e Wayne Shorter. Nos anos 70, tocou ao lado de Stanley Clarke e integrou a orquestra de Count Basie.

De lá para cá, lançou alguns poucos discos, ao lado de figuras como Cedar Walton, Kai Winding, Javon Jackson, Paul Jeffrey, Larry Willis e dos velhos companheiros Pepper Adams, Louis Hayes, Tommy Flanagan, Art Blakey e Benny Golson. Após a morte de Blakey, uniu-se a Terence Blanchard, Benny Golson, Geoff Keezer e Lewis Nash para lançar o tributo “The Legacy Of Art Blakey”, pela Telarc, em 1997. Permanece em atividade até hoje, gravando regularmente e tocando em festivais de jazz pelo planeta afora. Sorte nossa!



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