O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO DO TROMPETE JAZZÍSTICO
Música e outras coisas

O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO DO TROMPETE JAZZÍSTICO



O início da carreira do jovem Frederick Dewayne Hubbard, nascido em 07 de abril de 1938, não poderia ser mais auspicioso. Tocando em clubes e casas noturnas de sua Indianapolis natal, no final dos anos 50, ao lado dos Montgomery Brothers (um deles – Wes – viria a ser o mais influente guitarrista do jazz dos anos 60), ele construiu uma reputação que, em pouquíssimo tempo, lhe renderia convites para trabalhar na Meca do Jazz, Nova Iorque, onde chegou em 1958, para tocar com músicos da estatura de Sonny Rollins, Slide Hampton, Charles Persip, Philly Joe Jones, J. J. Johnson e Quincy Jones.


Naquela época, era tido como um dos mais fortes candidatos ao título de “Novo Clifford Brown” – duvidosa homenagem, em razão da cobrança desumana a que eram submetidos todos os jovens trompetistas que surgiam na cena jazzística de então – que incluía outros prováveis herdeiros, como Kenny Dorham, Art Farmer e Lee Morgan. Mas apesar da pouca idade, Hubbard já era um músico maduro, com uma sonoridade bastante pessoal e inovadora, apesar da forte influência exercida por Dizzy Gillespie e pelo próprio Brown.


Improvisador nato, ele era capaz de construir solos altamente complexos, mesclando agressividade e introspecção com igual competência e criatividade. Também foi um compositor prolífico, autor de verdadeiros clássicos do hard bop, como “Hub’s Nub”, “Arietis”, “Breaking Point” e “Blue Frenzi”. No início dos anos 60 chegou a ser comparado a Miles Davis, pelo lirismo que conseguia extrair do trompete, e mereceu do autor de “So What” rasgados elogios. Curiosamente, Hubbard foi o nome escolhido para acompanhar Herbie Hancock na turnê que renderia o célebre álbum “V. S. O. P”, de 1977, em um combo que incluía os estelares Ron Carter, Wayne Shorter e Tony Williams, o célebre quarteto modal de Miles dos anos 60.


Outra demonstração inequívoca do seu talento foi o convite feito por Art Blakey, para que integrasse o célebre Jazz Messengers, onde marcou presença de 1961 a 1964. Com uma formação que gravitava em torno de Hubbard, do saxofonista Wayne Shorter, do trombonista Curtis Fuller e do pianista Cedar Walton (o baixo era pilotado por Jymie Merritt ou Reggie Workman), os Messengers viveram uma de suas fases mais exuberantes, do ponto de vista criativo, lançando álbuns fabulosos como “Caravan”, “Ugetsu” e “Free For All”.


Aliás, a participação em álbuns relevantes sempre foi uma constante na vida e na carreira de Hubbard. Não é por acaso que ele esteve nos sets de gravação dos incensados “Maiden Voyage” (de Herbie Hancock), “Out To Lunch” (de Eric Dolphy), “Free Jazz” (Ornette Coleman), “The Blues And The Abstract Truth” (de Oliver Nelson), “Speak No Evil” (de Wayne Shorter) e “Ascension” (de John Coltrane). Nos anos 60 também acompanhou Curtis Fuller, Max Roach, Hank Mobley, Bill Evans, Kenny Drew, Lou Donaldson, Tina Brooks, Dexter Gordon, Booker Ervin e Bobby Hutcherson, entre outros.


A fecunda associação com a Blue Note, que perdurou de 1960 a 1966, rendeu alguns dos álbuns mais instigantes e elogiados de sua vasta discografia, como “Hub Cap”, “Open Sesame” e “Breaking Point”. Depois disso vieram álbuns pela Atlantic, CTI e Columbia, sendo que nessas duas últimas gravadoras, Hubbard, optando por uma sonoridade fusion, tornou-se um artista extremamente bem sucedido comercialmente. Entre 62 e 63 Hubbard passou um breve período na Impulse, onde gravou “The Body And The Soul”, ao lado de uma big band, e o extraordinário “The Arstistry Of Freddie Hubbard”, de 1962.


Contando com o suporte de Tommy Flanagan no piano, John Gilmore no sax tenor, Curtis Fuller no trombone, Art Davis no baixo e Louis Hayes na bateria, Hubbard produziu um dos melhores – embora menos conhecidos – álbuns de sua vitoriosa carreira. São cinco temas, sendo que três são de autoria do trompetista e todos foram gravados no dia 02 de julho de 1962, no estúdio de Rudy Van Gelder.


Uma magnífica interpretação de “Caravan”, de Duke Ellington e Juan Tizol, funciona como verdadeiro cartão de visitas do sexteto, impecável desde a introdução, a cargo de Davis e Hayes, à qual vão se agregando os demais instrumentos, até o apoteótico final. Solos fantásticos de Gilmore e Fuller fazem dessa energética versão uma das melhores já registradas em disco. Sem deixar a temperatura diminuir, a incandescente “Bob’s Place”, de Hubbard, permite a Gilmore exibir o seu estupendo talento, com solos vertiginosos – o mesmo sucedendo com o líder. As impecáveis atuações de Fuller e de Davis, usando o arco, também são dignas de registro.


A contagiante “Happy Times”, de Hubbard, faz jus ao nome. É uma peça alegre e despretensiosa, com ecos dos Messengers, e um solo extraordinário de Fuller. A interação entre os músicos é bastante fluida e a sessão rítmica Flanagan, Davis e Hayes atua com a segurança habitual. Na versão de “Summertime”, um dos standards mais gravados de todos os tempos, o sexteto explora novas possibilidades harmônicas da antiga canção dos irmãos Gershwin, com o trompete de Hubbard soando lírico e dolente. Flanagan mereceria um capítulo à parte, por sua execução precisa e instigante. A presença magnética de Miles Davis paira no ar, graças à atmosfera nebulosa e quase surreal de algumas passagens, que em vários momentos remete ao clássico “Kind Of Blue”. E Gilmore ainda emula Coltrane em seu solo antológico.


Aliás, Coltrane, que na época gravava alguns dos seus mais importantes álbuns para a mesma Impulse, também está presente na climática “The 7Th Day”, com seus mais de dez minutos de harmonias dissonantes e complexas. A obviedade passou ao largo dessa elaborada composição de Hubbard, com extasiantes citações à música flamenca e oriental. Flanagan sobrevoa por entre acordes maravilhosamente dispersos. Sobre sua habilidade, um poeta escreveu certa vez, após ouvi-lo: “a sensação que tive é como se não fosse preciso mais respirar. Parece que tudo pára e paira. É um ar sem tempo pelo qual se poderia flanar por toda vida”.


A ausência de fôlego trazida pelo majestoso toque do pianista se estende à execução do líder, cujo solo se inscreve entre aquilo que de melhor foi feito no trompete jazzístico de qualquer época. Ouvem-se ali evocações à tradição de Nova Orleans e também à modernidade representada pela AACM (o coletivo criado pelo pianista de vanguarda Richard Muhal Abrams). Mas sem qualquer resquício de saudosismo ou hermetismo.


Não há palavras capazes de definir as sensações provocadas por essa constelação – há apenas que calar e ouvir. Hubbard, com seu fraseado moderno e cheio de personalidade, mostrava ali, aos vinte e quatro anos, que não apenas possuía antenas apontadas para o futuro do jazz como também possuía sólidas raízes, assentadas na riquíssima herança de predecessores ilustres como Armstrong, Eldridge, Navarro e Gillespie.


Embora tenha sido um dos grandes vendedores de discos dos anos 70, tendo abocanhado prêmios importantes como o Grammy, os anos 80 e 90 não foram tão prodigiosos para o trompetista. Nessas últimas décadas ensaiou uma reaproximação com o jazz acústico, tocando com Oscar Peterson, Ronnie Mathews, Kenny Barron e Joe Henderson, e gravando para selos como Prestige e Enja. Uma séria lesão nos lábios afastou-o durante algum tempo dos palcos e estúdios e comprometeu seriamente seu estilo vigoroso de tocar. No final de 2008 sofreu um grave infarto, que o deixou hospitalizado por várias semanas e acabou por ceifar-lhe a vida, no dia 29 de dezembro.



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