O REI
Música e outras coisas

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O saxofonista, clarinetista, trompetista, pianista, trombonista, compositor, arranjador, bandleader e educador musical Bennett Lester Carter esteve entre nós por exatos 95 anos, muitíssimo bem vividos. Ao longo de seus quase 80 anos de carreira, ele se tornou uma verdadeira lenda do jazz. Admirado por seus pares e amado por jazzófilos de todas as gerações, pode, tranqüilamente, ser apontado como um dos mais importantes e influentes músicos de todos os tempos. Não é à toa que Johnny Hodges, ele próprio um dos maiores nomes do sax alto, considerava Carter “o maior saxofonista do mundo”.

Nascido no dia 08 de agosto de 1907, em Nova Iorque, Benny, desde a mais tenra idade, revelou uma imensa vocação para a música. Ainda na infância, recebeu de sua mãe, Sadie Carter, as primeiras aulas de piano. Contudo, a grande paixão do garoto era o trompete e seus primeiros heróis foram Theodore “Cuban” Bennett, seu primo, e Bubber Miley, trompetista da orquestra de Duke Ellington e que era vizinho da família.

Com apenas 13 anos, ganhou do pai, o funcionário dos correios Norell Carter, o primeiro trompete, mas achou tão difícil dominar o instrumento que, na semana seguinte, acabou trocando pelo saxofone – inicialmente o C-melody e depois o alto. Autodidata, Carter aprendeu a tocar o instrumento praticamente sozinho, contando apenas com uma inabalável perseverança e o eventual auxílio de amigos músicos. No rol de suas admirações, pairava soberana a figura do saxofonista Frankie Trumbauer, um dos maiores nomes do instrumento nos anos 20 e 30.

Aos 15 anos e já dominando o instrumento com bastante perícia, o jovem começou a tocar profissionalmente, mas seus pais não aprovavam sua opção pela carreira musical. Em uma entrevista à NPR ele declarou: “meus pais achavam aquilo indigno, uma humilhação para os negros e costumavam se referir ao jazz como música do diabo. Minha mãe queria que eu fosse teólogo”. Para satisfazer o desejo materno, aos 18 anos chegou a ingressar na Wilberforce University a fim de estudar teologia, mas logo viu que seu negócio era mesmo a música e desistiu do curso para se juntar aos “Wilberforce Collegians” de Horace Henderson.

Em seguida, tocou por um curto período com o pianista Willie “The Lion” Smith. Durante os loucos anos 20, Carter integraria diversas orquestras do Harlem, a maioria delas de pouca notoriedade. Somente em 1926 teria a sua primeira grande oportunidade, ao ser convidado para se juntar à big band de Earl Hines, para uma temporada na Filadélfia. Em seguida, viriam trabalhos com Rex Stewart, Sidney Bechet, Fats Waller e James P. Johnson. Carter também fez parte da orquestra de Duke Ellington durante a segunda metade daquela década, mas a associação com o pianista foi breve e não teve maior repercussão.

Em 1927 o saxofonista ingressou na orquestra de Charlie Johnson, com a qual, em 1928, fez as suas primeiras gravações. Também foi na big band de Johnson, que tocava com regularidade na boate Smalls' Paradise, que Benny começou a elaborar os seus primeiros arranjos – “Charleston Is the Best Dance After All” e “Easy Money” – e a repercussão do seu trabalho chegou até Fletcher Henderson, que o contratou naquele mesmo ano, a fim de substituir Don Redman como arranjador de sua orquestra, uma das mais populares e influentes da Era do Swing.

Carter deixou a orquestra de Henderson em 1931, para ser o diretor musical da McKinney's Cotton Pickers, baseada em Detroit, enquanto a sua reputação como arranjador crescia sem parar. No ano seguinte, após uma breve passagem pela big band de Chick Webb, ele formou a sua própria orquestra, que se tornou atração fixa do Arcadia Ballroom e na qual pontuavam craques como o trompetista Doc Cheatham, o saxofonista Leon “Chu” Berry, o pianista Teddy Wilson, o baterista Big Sid Catlett, o clarinetista William “Buster” Bailey e o trombonista Dicky Wells. Naquele ano, gravou para a Crown seu primeiro disco como líder, um 78 rotações creditado a “Bennie Carter and his Harlemites”. Sua orquestra também faria diversas gravações para a Columbia e a OKeh.

Embora não tenha obtido o mesmo sucesso de público que as bandas de Duke Ellington ou Count Basie, as orquestras de Carter sempre foram sumamente respeitadas pelos músicos e eram vistas como verdadeiros centros de excelência. Nas palavras do guitarrista Danny Baker, “quando você fazia parte da banda Benny Carter, você recebia uma espécie de selo de qualidade. Quem tocava com Carter estava feito, porque orquestras como a de Fletcher Henderson ou a de Chick Webb contratavam o sujeito sem pestanejar. Era como jogar por um time de beisebol da primeira divisão”.

Quando o contrabaixista e bandleader inglês Spike Hughes veio a Nova Iorque, em 1933, com a intenção de gravar com músicos negros, Carter foi um dos primeiros jazzistas a ser convidado para as sessões. Foram gravados 14 temas, lançados apenas na Inglaterra e ali receberam o título de “Spike Hughes and His Negro Orchestra”. A banda incluía alguns dos mais celebrados músicos do período, como o trompetista Henry "Red" Allen, os trombonistas J. C. Higginbotham e Dicky Wells e os saxofonistas Coleman Hawkins e "Chu" Berry.

Em 1935, quando já havia realizado o sonho de dominar o trompete que acalentava desde a infância, foi convidado para se juntar à orquestra de Willie Lewis, atração fixa do clube Chez Florence, em Paris, e fez a sua primeira viagem a Europa, onde permaneceu por cerca de três anos. No Velho Continente, se apresentou em países como França, Holanda, Bélgica, Suécia e Dinamarca.

Também passou cerca de 10 meses na Inglaterra, onde, por indicação do crítico Leonard Feather, atuou como arranjador da Orquestra da British Broadcasting Corporation – BBC. Em Londres, fez diversas gravações para o selo inglês Vocalion, reunindo a nata dos jazzistas ingleses da época. Durante a temporada na Europa, Carter tocou com músicos do gabarito de Coleman Hawkins, Mezz Mezzrow, Freddy Johnson, Bill Coleman, Django Reinhardt, Stephane Grappelli, George Chisholm e Alix Combelle.

De volta aos Estados Unidos em 1938, Carter trabalhou durante algum tempo com Lionel Hampton e Billie Holliday, até formar uma nova orquestra, que durante três anos se manteve como atração fixa do Savoy Ballroom, no Harlem. Entre os destaques dessa nova big band estavam os trombonistas Vic Dickenson e Tyree Glenn, o trompetista Jonah Jones e o pianista Eddie Heywood.

Seus arranjos eram disputadíssimos e podiam ser ouvidos em gravações de Duke Ellington, Charlie Barnett, Benny Goodman, Jimmy Lunceford, Count Basie, Glenn Miller, Tommy Dorsey, e Gene Krupa. Como compositor, Benny obteve algum reconhecimento graças à versão de “Cow-Cow Boogie”, feita pela cantora Ella Mae Morse, mas seus grandes sucessos seriam gravados pela orquestra de Lionel Hampton, que em 1939 transformou “When Lights Are Low” e “The Mood For Swing” em verdadeiros hits da época. Outros temas de Benny, como “Blues in My Heart”, “Waltzing the Blues” e “Lonesome Nights” também se tornariam clássicos do repertório jazzístico.

Em 1941, Carter desmanchou a sua orquestra e montou um sexteto, integrado por alguns jovens músicos como Kenny Clarke e Dizzy Gillespie, que logo assombrariam o mundo do jazz com uma forma de tocar absolutamente nova e revolucionária chamada bebop. Além disso, trabalhava como arranjador em um programa de rádio chamado “Your Hit Parade”, de grande sucesso na época.

No ano de 1943 Benny partiu para a Califórnia, em busca de novas oportunidades de trabalho. Estabeleceu-se em Hollywood e em pouco tempo montou uma orquestra, por onde passariam grandes nomes como Buddy Rich, Neal Hefti, Gerald Wiggins, Barney Bigard, Al Grey, Lucky Thompson, Gerald Wilson, Snooky Young, Art Pepper, Max Roach e J. J. Johnson. Miles Davis teve uma de suas primeiras oportunidades profissionais naquela big band. Sobre ele, Carter declarou certa vez: “Se alguém me dissesse que aquele jovem quieto e tímido, que tocava o quarto trompete em minha banda, mudaria a história do jazz com sua genialidade eu provavelmente iria rir na cara do sujeito”.

Gravou intensivamente como líder para a Capitol Records a partir da segunda metade dos anos quarenta. Tocou ou escreveu arranjos para gente como Stan Kenton, Red Norvo, Kay Starr, Bobby Troup, Peggy Lee, Sarah Vaughan, Dexter Gordon, Dakota Staton, Erroll Garner, Billy Eckstine, Pearl Bailey, Ray Charles, Maxine Sullivan, Louie Bellson, Carmen McRae, Ella Fitzgerald, Art Tatum, Roy Eldridge, Nat King Cole, Jo Stafford, Ernie Andrews, Wardell Gray, Quincy Jones, Helen Humes, Lou Rawls, Anita O’Day, Louis Armstrong, Artie Shaw, Gene Krupa e Mel Tormé.

Seus discos da época, lançados por selos como Verve, Norgan, Fantasy, Roulette, Contemporary, Keynote, RCA, Audiolab e Swingville, contam com participações de músicos de primeira linha, como André Previn, Oscar Peterson, Ben Webster, Herb Ellis, Arnold Ross, Frank Rosolino, Barney Kessel, Earl Hines, Leroy Vinnegar, Shelly Manne, Jimmy Rowles, Mel Lewis e incontáveis outros.

Carter ajudou a quebrar os nefastos paradigmas raciais que imperavam em Hollywood e foi um dos primeiros músicos negros a compor ou fazer arranjos e direção musical para o cinema e para a televisão. Como arranjador, seu primeiro trabalho foi na trilha sonora do filme “The Gangs All Here”, dirigido pelo célebre coreógrafo Busby Berkeley.

Outro trabalho importante foi em “Stormy Weather”, dirigido por Andrew Stone no mesmo ano. O filme é considerado um marco na história do cinema por ser um dos primeiros musicais a usar um elenco inteiramente composto por atores e cantores negros. Baseado na vida do ator e dançarino Bill Bojangles Robinson, o filme conta com as participações de estrelas como Lena Horne, Cab Calloway e Fats Waller. Além criar os arranjos para a trilha sonora, Benny faz uma ponta, como trompetista de uma das orquestras aparecem na película.

Dentre as trilhas sonoras em que Carter trabalhou, seja como músico, seja como compositor ou arranjador, destacam-se as dos filmes “An American In Paris”, dirigido por Vincent Minnelli em 1951 e estrelado por Gene Kelly e Leslie Caron, “The Snows Of Kilimanjaro”, de 1952 e estrelado por Gregory Peck e Ava Gardner, “Flower Drum Song”, baseada no musical de Richard Rodgers e Lorenz Hart, de 1961, e “The Guns Of Navarone”, também de 1961 e estralado por David Niven, Gregory Peck e Anthony Quinn. Para a TV, Benny compôs trilhas para os seriados “M-Squad”, “Bob Hope's Chrysler Theater”, “Ironside”, “It Takes A Thief” e “The Name of the Game”.

Carter foi um pioneiro na luta contra o racismo não apenas na música e foi um dos primeiros negros a fixar residência nos bairros mais elegantes de Los Angeles, até então território exclusivo dos brancos. Para isso teve, algumas vezes, que recorrer à justiça para fazer valer seus direitos. Quincy Jones, que o considera um dos seus mentores, explica a importância desse pioneirismo: “Benny abriu os olhos dos produtores dos estúdios, que somente então passaram a entender que os negros eram capazes de fazer outras coisas além de cantar blues ou assar churrasco em seus filmes”.

Benny teve uma atuação destacada no sindicato dos músicos de Hollywood, tendo lutado ativamente por melhores condições de trabalho e remuneração dos membros de sua categoria. Também integrou a caravana Jazz at the Philharmonic, do produtor Norman Granz, com quem excursionou e gravou diversos álbuns. Em 1957, talvez por conta do excesso de trabalho, ele sofreu um ataque cardíaco, mas não se abalou. No ano seguinte, já recuperado, acompanhou Billie Holiday em sua apoteótica apresentação no Festival Monterey e no início da década de 60, fez uma longa turnê pela Austrália.

Um dos seus trabalhos mais notáveis foi gravado para a Contemporary naquele período. Trata-se do estupendo “Jazz Giant”, cujo título não poderia ser mais fiel à sua importância. Unindo-se a outros portentos como Ben Webster (sax tenor), Frank Rosolino (trombone), Andre Previn e Jimmy Rowles (piano, sendo que este último atua em apenas uma faixa), Barney Kessel (guitarra), Leroy Vinnegar (contrabaixo) e Shelly Manne (bateria), Carter realiza aqui uma obra de fôlego e um verdadeiro tratado sobre a espontaneidade e a habilidade técnica.

As gravações foram feitas nos dias 11 de junho, 22 de julho e 07 de outubro de 1957 e 21 de abril de 1958. Como faixa de abertura, nada melhor que uma animada versão de “Old Fashioned Love”, de Cecil Mack e James P. Johnson. Uma das convicções mais caras ao saxofonista era a de que o jazz tinha que ser dançável, senão não poderia ser considerado jazz. A interpretação do hepteto é a saborosa confirmação desse entendimento, com direito a uma batida contagiante e atuações antológicas de Carter, Rosolino Previn e Webster.

Em “I'm Coming Virginia” Carter usa o trompete, exibindo a destreza e a inventividade habituais. Dono de recursos técnicos aparentemente inesgotáveis, seu vibrato encharca de lirismo a balada de Donald Heywood e Will Marion Cook. O diálogo com Webster, outro baladeiro extraordinário, é emocionante. Kessel responde à altura, com uma execução das mais delicadas.

“A Walkin' Thing”, é de autoria do líder e compete a Vinnegar introduzir o tema, um blues pulsante e vigoroso, enquanto, aos poucos, os outros instrumentos vão sendo apresentados. Os sopros garantem a pegada robusta e cheia de groove, com destaque para a performance de Rosolino, sensacional. Outro destaque é o piano límpido e sem arestas de Rowles, um dos tesouros mais bem guardados do West Coast jazz.

O clima volta a esquentar em “Blue Lou”, de Edgar Sampson e Irving Mills. Carter dispara suas frases elegantes e confirma o que todo fã de jazz está cansado de saber: ele é um dos três maiores altoístas de todos os tempos (Parker e Hodges compõem o restante do triunvirato, na minha modesta opinião). Kessel, endiabrado, tem aqui uma de suas mais inesquecíveis atuações, conjugando uma velocidade estratosférica a um senso melódico arrasador.

De volta aos loucos anos 20, “Ain't She Sweet” revive os deliciosos tempos do swing. Com uma batida infecciosa, ela apresenta uma formação diferente, sem as presenças de Rosolino e Webster. O líder extrai do sax uma sonoridade próxima à do clarinete e brilha nos improvisos, contagiando os demais parceiros com seu entusiasmo e alegria. A batida fluida e segura de Manne ajuda a dar consistência ao tema e o diálogo entre Previn e Kessel é um dos pontos altos desta faixa.

Outro blues, “How Can You Lose” foi composta por Benny e apresenta o hepteto novamente reunido. Aqui a versatilidade do líder é posta à prova e ele não decepciona. Usando tanto o trompete quanto o sax, Carter elabora discursos melódicos dos mais articulados, com enormes doses de inteligência e criatividade. O solo de Rosolino é rascante, feérico e arrebatador. A guitarra vibrante de Kessel mantém a temperatura elevada e dá um tempero bo dos mais charmosos ao tema.

A acelerada “Blues My Naughty Sweetie Gives To Me” encerra os trabalhos no mesmo altíssimo patamar. Mais uma vez à frente de um quinteto, Benny é uma usina de idéias e uma das vozes mais swingantes de todas as épocas. Kessel e Vinnegar têm uma ótima atuação, tanto na parte rítmica quanto nos discretos solos de cada um, mas é Manne quem rouba a cena, lançando mão de um sem número de recursos e dando à sua iluminada percussão o status de aula magna. Um disco que, sem apelar para lugares comuns, merece como poucos o título de indispensável – como bem disse o crítico Scott Yanow, “a música atemporal deste álbum extrapola as simples categorias de ‘swing’ ou ‘bop’, devendo ser considerada um verdadeiro clássico”.

Carter continuou a fazer das suas nos anos seguintes. Como arranjador e bandleader o seu trabalho pode ser apreciado, em toda a sua grandeza, em dois álbuns altamente recomendáveis. O primeiro deles é “Aspects”, gravado para a Capitol em 1958 e que conta com as participações de instrumentistas do quilate de Shorty Sherock, Pete Candoli, Buddy Collette, Larry Bunker, Shelly Manne, Stu Williamson, Joe Gordon, Frank Rosolino, Plas Johnson, Gerald Wiggins e Barney Kessel.

O segundo, considerado uma verdadeira obra-prima pela crítica especializada, é “Further Definitions”, lançado pela Impulse em 1961, e que tem como destaques as presenças de, entre outros, Ray Brown, Buddy Collette, Teddy Edwards, Jimmy Garrison, Coleman Hawkins, Jo Jones, Dick Katz, Barney Kessel, Mundell, Bill Perkins, Charlie Rouse, Bud Shank, Alvin Stoller e Phil Woods.

Carter parecia se superar não apenas como músico mas também como arranjador. A prova disso são os elogiados arranjos que fez para Peggy Lee no disco “Mink Jazz”, de 1962, até hoje considerado pela crítica um dos melhores da cantora. No ano seguinte, Carter foi indicado ao Grammy de Melhor Arranjador por seu trabalho na faixa “Busted”, incluída no álbum “Ingredients In A Recipe for Soul”, de Ray Charles.

Embora fosse oriundo do swing, Carter soube agregar à sua sonoridade as influências do jazz moderno. Não é por outro motivo que, em 1962, o crítico Whitney Balliett escreveu a seu respeito na revista The New Yorker: “Poucos dos seus contemporâneos continuam a tocar, compor e arranjar do jeito que ele faz e nenhum deles toca tantos instrumentos, arranja ou compõe com tamanha presença de espírito. Carter, de fato, pertence àquele seleto grupo de músicos de jazz que representa o melhor de sua época”.

Outro momento marcante naquela década foi a arrebatadora apresentação no Newport Jazz Festival de 1968, como convidado da orquestra de Dizzy Gillespie, a qual era integrada por, entre outros, Al Bryant, Harold Vick, James Moody, Mike Longo, Carlos “Patato” Valdez e Art Blakey. Nos anos seguintes, o saxofonista seria um entusiasmado embaixador musical, excursionando com freqüência pela Europa, Ásia e Oriente Médio, a convite do Departamento de Estado norte-americano.

De 1970 em diante Carter, esteve presente, como acompanhante, em álbuns de Clark Terry, Ray Brown, Joe Pass, Milt Jackson, Marlene Shaw, Bobby Short, Jay McShann, Ernestine Anderson e muitos outros. Sob a liderança de Zoot Sims foi o responsável pelos arranjos do ótimo “Passion Flower: Zoot Sims Plays Duke Ellington”, de 1979. A partir de 1973 Benny se tornaria um renomado educador musical, inicialmente dando aulas no Baldwin-Wallace College.

Atendendo a um convite do professor Morroe Berger, um apaixonado pelo jazz e seu fã de carteirinha, naquele mesmo ano o saxofonista passou um semestre como professor visitante da Princeton University, ministrando ali uma série de cursos e oficinas. No ano seguinte, foi distinguido com o título de Mestre Honorário por aquela prestigiosa instituição. Berger é o autor do livro “Benny Carter - A Life in American Music”, publicado em 1982, no qual analisa a vida e a carreira do ídolo.

Ao longo dos anos, Benny ainda receberia títulos honoríficos por outras universidades, como a Rutgers University, em 1991, Harvard University, em 1994 e pelo New England Conservatory, em 1998. Aliás, honrarias e premiações são uma especialidade de Carter. Em 1977, foi indicado, na votação da crítica, para o Down Beat Hall of Fame. No mesmo ano, fez uma apresentação consagradora no Festival de Montreux, à frente de um quarteto onde pontuavam o pianista Ray Bryant, o baterista Jimmie Smith e o baixista Niels-Henning Ørsted Pedersen.

Em 1978, o saxofonista foi o convidado de honra nas comemorações do 25º aniversário do Festival de Newport, tendo se apresentado na Casa Branca para o então presidente Jimmy Carter. Em 1980, mais um prêmio de relevo: a American Society of Music Arrangers concedeu-lhe o Golden Score Award.

Além dos inúmeros títulos e homenagens, Carter continuava a trabalhar incansavelmente. Do alto dos seus respeitáveis 78 anos, lançou em 1985, pela Concord, o ótimo “A Gentleman and His Music” do qual participaram feras como o tenorista Scott Hamilton, o guitarrista Ed Bickert, o pianista Gene Harris, o baixista John Clayton, o trompetista Joe Wilder e o baterista Jimmie Smith.

No ano seguinte, de volta à rotina de prêmios, foi a vez da National Endowment For The Arts agraciá-lo com o título de Jazz Master. No ano seguinte, recebeu o Grammy Lifetime Achievement Award, por sua contribuição para o jazz, e ganhou uma estrela com seu nome na Calçada da Fama, em Hollywood. A edição de 1989 do Chicago Jazz Festival prestou uma homenagem ao saxofonista, com um concerto especial onde foram apresentados os temas do álbum “Further Definitions”.

Em 1990, duas das mais importantes publicações voltadas para o jazz – a Down Beat e a Jazz Times International – o elegeram “Jazz Artist of the Year”, ambas em votação da crítica. No ano de 1994, colocou mais um Grammy em sua estante, desta feita na categoria Best Jazz Instrumental Performance pelo álbum “Elegy in Blue”, lançado no ano anterior pela Music Masters.

Quando completou noventa anos, em 1997, Benny ganhou de presente um concerto em sua homenagem, realizado com pompa e circunstância no Hollywood Bowl e cujo mestre de cerimônia foi ninguém menos que Quincy Jones. O show foi conduzido pela Clayton-Hamilton Jazz Orchestra e contou com a participação de astros de diversas gerações, como Phil Woods, Jimmy Heath, Herb Geller, Diana Krall, Kenny Burrell e Nicholas Payton, além da presença do homenageado, que também tocou em algumas músicas.

Além de músico, compositor e arranjador, nos anos 90 Benny acrescentou também o status de produtor musical a seu currículo, tendo produzido alguns discos para o selo Evening Star Records, incluindo veteranos como o trompetista Joe Wilder (“No Greater Love”, 1993) e novatos como o pianista Chris Neville (“From The Greenhouse”, 1992). Naquela gravadora, produziu e co-liderou, ao lado de Phil Woods, o álbum “Another Time, Another Place”, de 1996.

Em 1995, a gravadora Music Masters lançou “The Benny Carter Songbook”, no qual 30 de suas composições mais conhecidas recebem versões cantadas por vocalistas de primeira linha, como Joe Williams, Dianne Reeves, Marlena Shaw, Ruth Brown, Shirley Horn, Diana Krall, Peggy Lee e Bobby Short. O próprio Carter participa do disco, liderando uma banda formada por Warren Vache (cornet), Chris Neville e Gene DiNovi (piano), Steve LaSpina e John Heard (contrabaixo) e Sherman Ferguson e Roy McCurdy (bateria).

No ano seguinte, a vida e a carreira do saxofonista seriam o objeto do documentário “Benny Carter: Symphony In Riffs”, com direção de Harrison Engle. O filme conta com a narração de Burt Lancaster e traz depoimentos de Lena Horne, Quincy Jones, Dizzy Gillespie, André Previn, Ella Mar Morse, Leonard Feather, Clark Terry, Ella Fitzgerald, Stanley Jordan, Clint Eastwood e David Sanborn. Em 2007, como parte das comemorações do centenário do músico, o filme foi relançado, agora em dvd.

Uma de suas gravações mais elogiadas de sua longeva carreira foi feita em 1992, à frente de um grupo all-star intitulado The Rutgers University Orchestra, do qual faziam parte, entre outros, o trombonista Benny Powell, os saxofonistas Loren Schoenberg e Frank Wess, os trompetistas Virgil Jones e Michael Mossman e o baterista Kenny Washington. O concerto foi realizado no dia 11 de agosto, por ocasião do seu 85º aniversário. Lançado em cd pela Music Masters, com o título “Harlem Renaissance”, rendeu a Carter mais uma indicação para o Grammy, agora na categoria “Best Large Jazz Ensemble Performance” daquele ano.

Em 1998, Carter foi homenageado com o Lincoln Center Award for Artistic Excellence. Durante a premiação a Lincoln Center Jazz Orchestra interpretou temas de sua autoria, sendo que o concerto contou com as participações especiais de Wynton Marsalis, Diana Krall e Bobby Short. Naquele mesmo ano, fez a sua última apresentação em público, em um concerto no Catalina Bar & Grill, em Los Angeles. Em 2000 Benny receberia a National Medal of Arts, que lhe foi entregue pelo presidente Bill Clinton, ele próprio um esforçado saxofonista e outro fã confesso.

Até o final da vida, Carter manteve a serenidade e o bom humor. Embora afastado dos palcos e estúdios ele levava uma vida normal e mesmo com mais de 90 anos ainda dirigia o próprio carro. Certa feita, ao fazer a renovação de sua habilitação no departamento de trânsito da Califórnia, ele se submeteu a um teste de visão e foi aprovado sem problemas. Contudo, na hora de assinar um determinado formulário, pôs os óculos e despertou a curiosidade de um dos examinadores, que lhe perguntou: “Espere um momento. Você usa óculos?” Ao que respondeu, matreiro: “Claro! Mas só para leitura”.

O saxofonista sempre guardou uma enorme distância das drogas, que abreviaram a vida e a carreira de tantos músicos de jazz. Mas jamais fez qualquer julgamento moral sobre seus pares e reprovou o modo como Charlie Parker foi retratado no filme “Bird”, de Clint Eastwood. Em uma entrevista, comentou: “Conheci Charlie Parker muito pouco, mas durante o breve período em que convivi com ele percebi que era uma pessoa culta e articulada, bastante curioso acerca da música e da vida. Contudo, parece que o mais importante é retratá-lo como um junkie”.

Benny faleceu em Los Angeles, no Hospital Cedars-Sinai, no dia 12 de julho de 2003. Tinha 95 anos e a causa foi uma bronquite. Casado desde 1979 com Hilma Ollila Arons, o saxofonista influenciou gerações de músicos. Miles Davis, Quincy Jones, Sonny Criss, Art Pepper, Cannonball Adderley, Paul Desmond, Phil Woods, Bud Shank e incontáveis outros. Dono de uma personalidade modesta e reservada, era pouco afeito a badalações e não se achava merecedor do apelido dado pelos colegas ainda no início da carreira: “The King”.

Para ele, o mais importante era se divertir com a música e suas palavras refletem a simplicidade dos verdadeiros sábios: “Eu não sei se o que fiz tem algum valor. Eu tenho apenas dado a minha contribuição e feito o que me propus a fazer, que é me divertir com a música, apreciá-la, executá-la e, sobretudo, ouvi-la. Para minha satisfação, consegui fazer coisas que eu sequer havia imaginado”. Miles Davis é preciso em sua lacônica observação: “As pessoas deveriam ouvir Benny Carter. Ele sozinho vale por uma educação musical completa”.

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