DE HAVANA A NEW ORLEANS A BORDO DO TROMBONE DE LOU BLACKBURN
Música e outras coisas

DE HAVANA A NEW ORLEANS A BORDO DO TROMBONE DE LOU BLACKBURN



Lou Blackburn é mais um talentoso músico, compositor e arranjador que jamais mereceu a necessária atenção por parte do público e da crítica especializada. Seu nome sequer teve direito a uma singela resenha no Penguin Guide (2006), um dos mais completos guias de jazz. Os motivos? Talvez Freud ou Jung, mais aptos a destrinchar as insondáveis veredas da mente humana, consigam dar uma explicação cientificamente plausível. O certo é que dificilmente se verá o seu nome entre os mais badalados trombonistas do jazz, como J. J. Johnson, Kai Winding, Slide Hampton, Bob Brookmeyer ou Curtis Fuller. No entanto, os predicados técnicos para ombrear-se a esses gênios estão mais do que presentes em Blackburn. Seu fraseado é robusto, envolvente e extremamente melódico, lembrando bastante o nosso Raul de Souza. Além disso, tem uma pequena, mas muito interessante, obra como compositor.


O trombonista, nascido em 12 de novembro de 1922, na pequena cidade de Rankin, na Pensilvânia, tocou com grandes nomes do jazz, como Lionel Hampton, Harold Land, Cat Anderson, Paul Horn, Oliver Nelson, Charlie Ventura e Gerald Wilson, construindo uma sólida reputação entre os músicos do West Coast. Excursionou algum tempo com Charles Mingus, tendo participado das gravações do raro Mingus At Monterrey, de 1964, numa sessão que incluía, entre outros, o pianista Jaki Byard e o saxofonista Charles McPherson. Em outro grande momento, acompanhou o seu xará Lou Rawls no clássico “Tobacco Road”, de 1963.


Blackburn foi um ativo músico de estúdio, participando de gravações de inúmeras trilhas sonoras para o cinema e a TV. Também emprestou sua versatilidade e seu talento à música pop, tendo gravado com os Beach Boys e os Righteous Brothers, entre muitos outros. Apesar de haver se iniciado profissionalmente em orquestras de swing, o trombonista trafegava com extrema desenvoltura pelo bebop cerebral e pelo contagiante hard bop. Espírito aberto, ele também absorveu a influência de outros estilos musicais, como a soul music, a bossa nova, o blues e os ritmos latinos em geral e os incorporava com maestria ao idioma jazzístico.


Apesar de haver gravado bem poucos discos como líder, seus dois álbuns “Two Note Samba” e “Jazz Frontier”, reunidos em um único cd intitulado “The Complete Imperial Sessions” e lançados em 2006 pela Blue Note, dão uma boa amostra do seu talento incomum. A azeitadíssima banda que o acompanha é formada por Freddie Hill (trompete), pelo genial Horace Tapscott (piano), por John Duke (contrabaixo) e por Leroy Henderson (bateria). Um alegre desfile de ritmos permeia todo o disco, revelando todo o leque de influências sonoras do trombonista.


Abrindo o álbum, a eletrizante “Jazz Frontier”, um hard bop prá Horace Silver nenhum botar defeito. Em seguida, “Perception” e seu discreto toque de blues. Em ambas, o trombone do líder (e compositor dos temas) se destaca por sua inventividade e por seus solos altamente originais. Nas emocionantes “I Cover The Waterfront”, “Blues For Eurydice” e “Song For Delilah” (esta com um leve acento oriental), quem merece especial atenção é o trompete de Freddie Hill. Um dos pontos altos do disco é a climática “17 Richmond Park”, também de autoria do líder, com sua profusão de variações harmônicas e um diálogo arrebatador entre Blackburn e Tapscott.


Um agradável sabor latino emana de “Harlem Bossa Nova” e “Jazz-A-Nova”, mais puxadas ao calipso que à bossa nova propriamente. Já a nossa “Manhã de Carnaval”, de Luiz Bonfá e Antônio Maria, merece uma interpretação rica – e irreverente – onde as variações harmônicas transitam entre estilos os mais diversos, da valsa ao bebop, com um resultado surpreendentemente belo. “Two Note Samba”, embora homenageie o nosso adorado “Samba de uma nota só” é, em verdade, uma rumba estilizada, que poderia ter sido composta por qualquer um dos veneráveis integrantes do “Buena Vista Social Clube”.


“Skorpio”, “Ode To Taras” e “Grand Prix” são três musculosos had bop, com ótima interação do naipe de metais. Uma feérica releitura de “The Clan”, do grande Curtis Fuller, é o veículo encontrado por Blackburn para exibir um talento invejável. Velocidade, criatividade e perfeccionismo são as características de sua antológica execução, enquanto o piano de Tapscott providencia a passarela sonora sobre a qual o inspirado trombonista desfila muito à vontade. A clássica “Dear Old Stockholm” recebe um tratamento harmônico diferenciado, com um início bem mais lento que o habitual e, em seguida, vai acelerando até se tornar um bólido sonoro irrefreável. A bateria de Leroy Henderson, com um magnífico trabalho com os pratos, merece especial atenção.


Outro momento sublime é a doce interpretação de “Stella By Starlight”, onde paira soberano o trombone do líder, numa interpretação prenhe de lirismo e delicadeza. “Jan Bleu” é um hard bop nervoso, dissonante, com absoluto destaque para o piano caudaloso de Tapscott e para o baixo pulsante de John Duke. “Secret Love” evoca um agradável passeio pelas ruas de New Orleans, com direito a um solo magistral de Tapscott e a uma discreta citação a “When The Saints Go Marching In”, fazendo com que o ouvinte possa até sentir delicioso aroma do tradicionalíssimo gumbo.


Um disco extraordinário e que merece audição atenciosa, com sua infinidade de alternativas harmônicas e suas elaboradas texturas sonoras. No início da década de 70, Blackburn se mudou para a Europa (Suíça e Alemanha), onde permaneceria até a sua morte, em 1990. Jamais perdeu o apetite por novas sonoridades, tendo integrado a Orquestra Mombassa, dedicada a um interessante crossover entre o jazz e a música africana, além de haver tocado com diversos jazzistas estabelecidos no continente europeu, como Wolfgag Khöler, Henar Vincent e Ugonna Okegwo. Um músico de extraordinários recursos técnicos, que passou boa parte de sua vida tentando alargar as fronteiras do jazz e fazê-lo dialogar fraternalmente com outros estilos. Pelo que se ouve nesse álbum, ele obteve bastante êxito nessa nobre missão.


*********************

PS.: Post dedicado ao amigo Pituco, mui digno embaixador do JAZZ + BOSSA na Terra do Sol Nascente.



loading...

- Todas As Cores Do CamaleÃo
Lou Donaldson, não sei por que cargas d’água, me lembra aqueles sujeitos gaiatos, que estão sempre com uma piada na ponta da língua e um sorriso no rosto. Se fosse um sambista, tenho certeza, estaria mais para a malandragem bem humorada de um Bezerra...

- Um Petardo Sonoro Chamado Curtis Fuller
Curtis DuBois Fuller é considerado pela crítica especializada o trombonista mais importante do hard bop, com relevância comparável à que teve J. J. Johnson (uma de suas mais significativas influências, ao lado de Jimmy Cleveland e Urbie Green)...

- O Passado, O Presente E O Futuro Do Trompete JazzÍstico
O início da carreira do jovem Frederick Dewayne Hubbard, nascido em 07 de abril de 1938, não poderia ser mais auspicioso. Tocando em clubes e casas noturnas de sua Indianapolis natal, no final dos anos 50, ao lado dos Montgomery Brothers (um deles...

- Os Emocionantes Escritos Do Livro Da Liberdade
Se existe um saxofonista absolutamente inclassificável dentro do universo jazzístico, ele atende pelo singularíssimo nome de Booker Telleferro Ervin II. Nascido em 31 de outubro de 1930, em Denison, Texas, onde deu os primeiros passos na música tocando...

- O CrisÂntemo E O BaobÁ
O baobá (Adonsonia digitata) é uma gigantesca árvore africana, da família das bombáceas, que pode alcançar até 30 metros de comprimento e seu frondoso tronco pode chegar a mais de 10 metros de diâmetro. Árvore típica das savanas e de regiões...



Música e outras coisas








.