O contrabaixo é o mais grave dos instrumentos habitualmente utilizados no jazz e o mais robusto deles, à exceção, obviamente, do piano. Considerando a sua generosa caixa de ressonância, o braço e o espigão (haste metálica fixada na parte inferior da caixa de ressonância, com a ponta emborrachada, para dar maior fixação ao instrumento), este portentoso instrumento chega, facilmente, a alturas superiores a 1,80m. Todavia, esse gigante gentil tem uma amplitude vocal bastante limitada, jamais chegando aos registros ensurdecedores de uma bateria, por exemplo.
Geralmente os baixistas são sujeitos discretos, que cumprem o seu papel de sustentáculo rítmico com uma sobriedade e um estoicismo dignos de um samurai. De um modo geral, contrabaixistas estão sempre impecavelmente alinhados, como o fleumático Percy Heath e o elegante Ray Brown. Também é comum que sejam figuras extremamente reservadas, nos palcos e fora deles, como o taciturno Charlie Haden, o arredio Jimmy Garrison e o circunspecto Ron Carter. Não por acaso, o escritor Patrick Süskind, em seu romance “O contrabaixo”, usa o instrumento como metáfora para justificar a solidão e a amargura do protagonista – um contrabaixista de uma orquestra não identificada, que responsabiliza o seu instrumento por todos os fracassos de sua vida, especialmente no campo afetivo.
Destoando dessa linhagem quase heráldica dos contrabaixistas jazzísticos, o exuberante Charles Mingus, tão corpulento quanto seu instrumento e dono de uma verborragia proporcional ao seu talento, é a exceção que confirma a regra. Dono de uma exuberância similar – embora não conste que costumasse espancar seus músicos, como fazia Mingus – Leroy Vinnegar foi o arquétipo do anti-contrabaixista. Não que lhe faltasse elegância nos trajes ou na música, mas o nosso bravo contrabaixista não era homem de ficar paradinho no fundo do palco, enquanto os outros músicos se divertiam. Dono de um estilo alegre, Vinnegar desenvolveu a técnica do “walking bass”, que foi então guindada a um elevado nível de excelência, tendo sua influência se estendido para além da escola West Coast, da qual foi um dos maiores expoentes.
Autodidata, Vinnegar nasceu em Indianápolis em 1928 e no início da década de 50 mudou-se para Chicago, associando-se ao pianista Bill Russo. Ali, tocou com músicos do calibre de Sonny Stitt e Johnny Griffin. Em 1954 mudou-se para Los Angeles, onde conheceu os jovens músicos que estavam revolucionando o jazz californiano – os irmãos Conte e Pete Candoli, Hampton Hawes, Shorty Rogers, Stan Getz, Shelly Manne, entre outros. Incorporou-se a essa turma e, em pouco tempo, já era o baixista por excelência do West Coast, sem demérito ao “pai fundador” Howard Rumsey.
Músico prolífico, participou de centenas de gravações entre os anos 50 e 90, tendo gravado em contextos tão díspares quanto no delicado “My Fair Lady”, ao lado de Andre Previn e Shelly Manne, no emocionante “Blue Serge”, acompanhando o grande Serge Chaloff, e no eletrizante “Swiss Movemente”, ao lado dos profetas do soul jazz, Eddie Harris e Les McCann. Sua estréia como líder se deu em 1957, com o álbum Leroy Walks!, gravado para a Contemporary, cujo título fazia referência ao estilo de tocar popularizado por ele.
Para a gravação, foram convocados alguns dos ícones do West Coast, como o trompetista e arranjador Gerald Wilson, o pianista Carl Perkins (morto no ano seguinte, aos 31 anos, em virtude dos abusos de álcool e drogas) e o multiinstrumentista inglês Victor Feldman, que naquelas sessões pilotou o vibrafone. Completando o time, o saxofonista tenor Teddy Edwards (antigo adversário de Dexter Gordon em célebres duelos nos anos 40 mas que, por motivos insondáveis, jamais teve mesmo o reconhecimento que seu rival) e o pouco conhecido baterista Tony Bazley – que não se deixa intimidar e manda muitíssimo bem.
Trata-se de um disco conceitual, gravado muito antes da expressão se popularizar. Como fio condutor, todas as canções tem como título ou como mote o verbo caminhar. A primeira delas, o blues “Walk On”, é um tour-de-force para contrabaixo, com destaque absoluto para o líder do grupo, com uma soberba marcação, e para Edwards, responsável por um belísimo solo. O afiado sexteto mantém o alto nível nos standards “Would You Like To Take a Walk” e “On The Sunny Side Of The Street”, tocadas com leveza e elegância. Na primeira, sobressai-se o vibrafone de Feldman e, na segunda, o trompete de Wilson conduz a melodia.
Em uma sessão tipicamente West Coaster, simplicidade e despojamento são exigências básicas e o anfitrião faz o possível para deixar todos os convidados à vontade. Esse clima relaxado perpassa todo o disco e mesmo a clássica Walkin’ – imortalizada por Miles Davis – exala um frescor praieiro que, dificilmente, músicos de outras paragens conseguiriam imprimir. Aqui o diálogo entre o piano de Perkins e o trompete de Wilson (ele mais uma vez!), alcança uma fluência telepática, mas o solo de Edwards também merece destaque. A belíssima “I’ll Walk Alone” serve de vitrine para o virtuosismo de Feldman, cuja técnica rivalizava com a do celebrado Milt Jackson, e é um dos pontos altos do disco, com excelente integração entre baixo, piano e bateria. Um disco que traz jazz de excelente safra, tocado por exímios instrumentistas!
Vinnegar ainda gravaria uma espécie de “continuação” desse álbum, o excelente “Leroy Walks Again!”, em 1962, mas a sua discografia como líder é bastante rarefeita. Depois de uma longa vida dedicada ao jazz, o baixista usufruiu de uma merecida semi-aposentadoria a partir dos anos 80, baseando-se na tranqüila Portland, de onde somente sairia para participar de algumas raras gravações ou apresentações, selecionando muito bem os convites que eventualmente aceitaria. Morreu em 1999, em virtude de um enfarte, mas deixou seu nome inscrito entre os grandes nomes do contrabaixo. Afinal, quantos jazzistas podem dizer que criaram um estilo tão único ou que influenciaram tantos músicos?
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