Se São Paulo e Porto Alegre têm se firmado como os dois pólos de atração/criação quando o assunto é a free music nacional, não se pode ignorar que há coisas relevantes e expressivas acontecendo também em outras localidades. A capital pernambucana é um desses pontos fora do eixo. Recife exibe nomes de relevo já sedimentados na seara mais experimental, a destacar o artista sonoro Thelmo Cristovam e o saxofonista (radicado na Europa) Alípio C Neto. De lá, vem agora um novo instigante grupo instrumental, o Nebulosa Quinteto. Captaneado pelo baixistaBruno Vitorino, o quinteto começou a ser organizado em 2010 e entrou em estúdio pela primeira vez em novembro passado, quando foi gestado o álbum homônimo de estreia, agora lançado. Com músicos de trajetórias/formações distintas, mesclando histórias e escolas devedoras do popular, do erudito e do jazzístico, o quinteto se embrenha pela improvisação, fazendo emergir uma música na qual as diversificadas vertentes que os unem se revelem por temas próprios de grande personalidade, amparados em baixo, bateria, guitarra, flauta e clarinete.
“A ideia do Nebulosa Quinteto me veio no ano de 2010. Surgiu de uma necessidade minha de mergulhar na música instrumental fincada na improvisação individual e coletiva, incorporando elementos do free, passando pela música erudita, sem negligenciar, porém, as nossas raízes. Nessa época, eu já havia escrito e estruturado alguns temas e fui atrás de instrumentistas que partilhassem essa perspectiva. Após uma odisseia de um ano aproximadamente, consegui fechar o grupo com músicos excelentes e ansiosos por um projeto sem amarras como o Nebulosa Quinteto”, contou o o baixista Bruno Vitorino ao Free Form, Free Jazz.
“O primeiro que convidei foi meu amigo Marcio Silva(bateria), que já tocou com gente do forró (Fim de Feira) ao free (Alípio C Neto). Como sempre procurei uma timbragem mais camerística, pensei num quinteto com flauta e clarinete. Daí chamei Cecília Pires(flauta), que conheci através de um amigo em comum. Ela sempre foi mais ligada ao erudito e queria justamente tocar num grupo cujo o cerne fosse a improvisação. Para fazer os contrapontos com a flauta, convoquei Luciano Emerson (clarinete). Esse é um músico formado no frevo e no chorinho e que também queria se lançar aos improvisos. Por fim, o instrumento harmônico: a guitarra, com Fred Lyra, um dos músicos mais atuantes da cena jazzística pernambucana”, disse.
O Nebulosa tem em sua formação músicos com passagens pela Universidade Federal de Pernambuco, o Conservatório Pernambucano de Música e o Centro de Educação Musical de Olinda. Camerístico sem ser acadêmico, o quinteto exala suas matizadas referências em temas unos mas oscilantes, nos quais encontramos por vezes uma toada mais free improvisativa (‘Noite na Casa Amarela’, 'Pega o Doido’), sem ignorar certa coloração mais popular latente (‘Banzo’) e mesmo ecos jazzísticos (explictado na única releitura do conjunto, ‘Monk’s Mood’). “Nunca havíamos tocado juntos antes do quinteto, mas nos unimos em prol da experimentação. Todos vivem de música, mas eu, além de instrumentista, tenho trabalho regular como servidor público.”
E a relação com outros artistas de Pernambuco?
“Conheço o trabalho de Thelmo Cristovam com o ruído e demais sonoridades não organizadas, apesar de não conhecê-lo pessoalmente. Já Alípio [C Neto] é um grande amigo e estamos frequentemente trocando idéias sobre música. No que tange à cena ligada à free music, vejo que isso é algo ainda muito incipiente. Os espaços para tocar são praticamente inexistentes e nós somos considerados muito experimentais pela maioria do público e pela totalidade dos produtores. Diria ainda que para muitos nossa música não é considerada pernambucana. No Recife, quando o assunto é jazz, vê-se três caminhos estabelecidos: “Standards”: combos que executam temas consagrados, provendo o pano de fundo sonoro em restaurantes e eventos sofisticados; “Jazz regionalizado”: sobreposição do jazz com a música regional; e “Fusion”: teclados, convenções, licks e etc. Portanto, os músicos que não se encaixam nessas classificações são tidos como outsiders.” “Em contrapartida, nota-se que esses instrumentistas "marginais" constataram a precisão de articular um movimento direcionado para uma música mais vanguardista (chamarei assim por falta de um termo melhor). Assim, aos trancos e barrancos, os espaços surgem eventualmente e o público passa a ter contato com uma produção musical até então desconhecida. Como disse anteriormente, estamos no início, mas a semente está plantada! Caso essa coesão e ímpeto para construir se mantiver, imagino que futuramente teremos casas com programação frequente para essa manifestação da música e público maior do que um círculo de entusiastas.”
Se nem mesmo São Paulo, com uma mais ativa vida ligada à improvisação livre, representa um local ideal (distante disso) para os músicos trabalharem, ficamos imaginando a batalha para esses artistas que defendem a liberdade sonora fazerem sua música e encontrarem espaços e público para exibi-la distantes daqui. Curiosamente, o Nebulosa foi arquitetado próximo ao momento em que o II Festival Internacional Abaetetuba de Improvisação Livre, organizado pelo CCSP, passou por Recife, em outubro de 2011, o que deu a oportunidade do novo quinteto se relacionar com alguns dos mais representativos nomes do free mundial.
"O primeiro concerto do Nebulosa Quinteto se deu na passagem do Abaetetuba por aqui. Foi uma experiência avassaladora vê-los em ação! Apresentamo-nos no set posterior e não tocamos com eles nessa ocasião. Mas, no dia seguinte, participamos do workshop com eles e conversamos bastante com os músicos. Hoje mantenho contatos com o Hans Koch e o Antonio Panda. O Nebulosa Quinteto nunca tocou fora do Recife. Estamos tentando levar nossa música para outras cidades e estados. Gostaríamos muito de tocar em São Paulo, por conta de sua forte cena ligada ao free. Temos tentado estabeler contatos a fim de viabilizarmos esse desejo o mais breve possível!”
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