Música e outras coisas
Sons nas Redondezas - XII (Abaetetuba)
Há uma década, brotava a ideia: por que não montar um grupo para explorar a
improvisação livre?
Antonio ‘Panda’ Gianfratti e Yedo Gibson estavam tocando juntos em duo, já haviam gravado três discos e a perspectiva de ampliar investigações sonoras os animava. Estava dado o passo inicial para a criação do mais importante e ativo coletivo ligado à
free improvisation nascido nessas bandas: o
Abaetetuba.
“A ideia nasceu em 2003 na casa do Yedo, ele me convidou para assistir uma sessão com músicos jovens, que eram na maioria seus alunos. Mas o start se deu, de fato, no início de 2004 na minha casa, porque tinha espaço para reunir uma pequena orquestra, um ensemble... Depois de alguns meses e pesquisas, e com a viagem do Yedo à Europa, irrompeu um grande interesse pela Improvisação Livre Europeia, alargamos nosso campo visual de possibilidades musicais, principalmente com a exploração timbrística dos instrumentos – eu, particularmente, passei a transformar e construir alguns instrumentos próprios partindo da ponte do acústico com o eletrônico”, conta o percussionista Panda Gianfratti ao Free Form, Free Jazz.
O Abaetetuba – expressão vinda do tupi que significa “encontro de gente boa” – logo estabeleceria suas bases para, em 2005, estrear em shows e disco. Ao lado de Panda e Yedo, estavam na empreitada nos primeiros tempos Renato Ferreira (sax e baixo acústico) e Rodrigo Montoya (sax). A primeira gravação, “Vol. 01 – Small Improvisation Orchestra”, contou ainda com a participação do baixista Luiz Gubeissi (que em anos recentes se tornaria membro efetivo do grupo) e do saxofonista Fabio Bizarria. Mas ainda em meio a seus passos primeiros, o coletivo perderia um de seus mentores: Yedo Gibson mudaria para Amsterdã em 2005, em busca de novos horizontes. No processo de adaptação à saída de Yedo, surge uma outra peça basilar para o grupo: “Importante [nesse ponto] foi a entrada do Thomas Rohrer no coletivo, que abriu uma perspectiva maior de desenvolvimento de composições, ideias e linguagem próprias”. Rohrer, suíço radicado no Brasil desde os anos 90, adicionaria ao grupo um novo elemento: a rabeca, instrumento com o qual vinha trabalhando há alguns anos, ao lado do sax soprano. Sob a nova formação – Panda, Rohrer, Ferreira e Montoya – sairiam dois registros (“Vol. 02” e “Vol. 03”).
Fundamental para a estruturação da sonoridade do Abaetetuba foi (é) a constante necessidade de seus membros em explorar e arquitetar sons pouco usuais, desenvolvendo um trabalho de improvisação livre bastante peculiar. Nesse ponto, Panda exerce papel nuclear: além de ser um percussionista em seu mais amplo sentido, se dedica a criar instrumentos (berimbaphone, cabacello, cymbalophone, recotronic...), sempre focado em novas possibilidades timbrísticas. Vale destacar também as investidas de Montoya, que passou a explorar o violão e o shamisen japonês, instrumento que se tornaria sua marca principal futuramente.
Em 2006, o baixista e violoncelista carioca Marcio Mattospassa a colaborar com o coletivo. Radicado em Londres desde os anos 70, Mattos trazia a experiência de três décadas dedicadas à free music, tendo sido parceiro de nomes fundamentais da cena improvisativa europeia. O Abaetetuba gravaria seu quarto álbum, com a participação de Mattos no violoncelo, em outubro de 2006.
“O Marcio Mattos nos deu um balizamento e encurtou nosso caminho pela sua enorme experiência e vivência com ícones da improvisação livre. Gravamos com ele no estúdio Bebope, na sala aonde se gravava cordas, pelo favorecimento acústico à expansão dos harmônicos. Considero nesse ponto o alavancamento e a construção de uma assinatura própria [do grupo] que se mantém até hoje, talvez o ponto mais importante para que conquistássemos amigos e reconhecimento da seriedade e originalidade do nosso trabalho, principalmente lá fora... Fato a se ressaltar: o apoio e o estímulo vieram de fora para dentro, primeiramente na Europa e somente depois no Brasil... Jamais tentamos fazer música que suscitasse similaridades com referências, sempre buscamos correr o risco do próprio”, afirma Panda.
Após a experiência com Mattos, o Abaetetuba atravessaria um tempo menos ativo. Renato Ferreira iria para Amsterdã, e Rodrigo Montoya, para Londres, onde dividiria parcerias com Mattos, que rendeu o disco em duo “EN”.
“O grupo jamais chegou a ficar totalmente inativo, mesmo com uma parte dos integrantes morando na Europa. Mas durante um tempo ficamos somente o Thomas e eu no Brasil...” Até que, em 2009, surge a oportunidade de fazerem um tour pela Europa, onde conseguem reunir novamente todos os membros do grupo e, em paralelo, fazer contato com nomes centrais da free music mundial. O Abaetetuba tocaria então em Madri (“XIII Festival Hurta Cordel Internacional de IL”), tendo a chance de iniciar uma aproximação com William Parker, que assiste o concerto do coletivo (Panda seria convidado para participar da apresentação da orquestra que Parker levou para o festival); passam também pela Holanda, onde tocam com membros da ICP de Han Bennink; e chegam à Inglaterra, se apresentando em dois pontos centrais para a free music, o Vortex Jazz Club e o Cafe OTO, além de se unirem em palco britânico com o pianista Veryan Weston e o baixista John Edwards. Nesses concertos em Londres, foi a última vez que o Abaetetuba se apresentou com força máxima, em sexteto integrado por Panda, Yedo, Renato Ferreira, Rodrigo Montoya, Thomas Rohrer e Marcio Mattos.
(Abaetetuba com força plena: sexteto em ação no Vortex Jazz Club (Londres) em 2009)
No ano seguinte, a aproximação com o Centro Cultural São Paulo (CCSP) renderia a criação do “Festival Internacional Abaetetuba de Improvisação Livre”, que se repetiria em 2011, com a particpação de nomes internacionais (Hans Koch, John Russell, John Edwards, Raymond MacDonald, Ricardo Tejero) e a oportunidade de levar a improvisação livre para outras cidades além de SP, como Recife e João Pessoa.
Desde 2011, o Abaetetuba se estabeleceu como um quarteto, com Panda, Thomas, Montoya e Luiz Gubeissi, baixista que havia tocado esporadicamente com o coletivo em seus primeiros tempos. É com essa formação que o Abaetetuba gravou seu sexto álbum, que será editado no primeiro trimestre de 2014.
“O próximo disco será muito importante para nós, fizemos a captação da gravação no estúdio do Nick Graham e agora está em fase de decupação e depois entrará em mixagem. Estávamos há algum tempo sem gravar... este CD marcará para nós o momento atual do coletivo. O processo de maturação através dos anos nos conduziu a uma forma de fazer música bastante peculiar, ou seja, bastante própria. Estamos introduzindo elementos novos como o biwa (alaúde tradicional japonês), o djeeridoo, o shofar (de Israel) e principalmente novos elementos eletrônicos fazendo uma ponte com o acústico. Enfim, felizes por atingir o objetivo de não criar padrões, não repetir ideias demasiadamente, buscar um disco totalmente diferente dos outros, que denote o nosso contínuo desenvolvimento e a busca no ato espontâneo de compor e construir através do coletivo.”
Em mais um capítulo de parcerias internacionais, na semana que vem o Abaetetuba se une ao lendário baterista japonês Sabu Toyozumi para um concerto em São Paulo.
“Podemos esperar um concerto muito intenso com trocas democráticas de ideias e muita alegria entre os integrantes... Espero que seja algo útil para quem assistir”, diz Panda.
“ABAETETUBA E SABU TOYOZUMI”
Quando: 10/12 (ter), às 20h30
Onde: b_arco (R. Virgílio de Carvalho Pinto, 426, Pinheiros/SP)
Quanto: R$ 10
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Fotos (1 e 3): Mauricio Landini
Vídeo: Sylvie Borel
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