O sistema músical grego. Texto escrito pelos professores Maria José Borges e José Maria Pedrosa, da Escola de Musica do Conservatório Nacional de Lisboa) | ||||
Uma interrogação que se poderá pôr, antes de mais, é se a música grega foi monódica ou polifónica. Na realidade, as palavras harmonia e polifonia aparecem nos teóricos e filósofos da antiguidade. O seu conteúdo, porém, não é o mesmo que hoje se lhe atribui, como é óbvio. É certo que existiam coros mistos, execução simultânea de vários instrumentos e a própria execução com um aulos de 2 tubos, que haviam de produzir uma simultaneidade de vários sons. Mas esse fenómeno (heterofonia) acontecia naturalmente e não obedecia a regras e muito menos a intenções de outra complexidade musical. Seguindo R. de Candé, podemos dizer que, na Música Antiga, como em geral em toda a música extra-europeia, o pensamento musical é essencialmente monofónico: nele a simultaneidade sonora é fortuita, aleatória e inconsciente. Pelo contrário na música ocidental dos últimos 10 séculos o pensamento musical torna-se essencíalmente polifónico: a simultaneidade sonora é procurada, elaborada e julgada indispensável (Polifonia-Harmonia) e a monofonia transforma-se em excepção (caso das Partitas e Sonatas a solo de violino ou violoncelo de J. S. Bach). O sistema diatónico TELEION Parece não haver dúvidas de que o sistema musical grego está na base do sistema teórico da música ocidental. Mas é importante saber desde já que, na Grécia, não foi constante a adopção deste sistema. Efectivamente o heptatonismo ( sete tons), que levaria ao sistema Teleion, apareceu apenas no séc. VIII, sendo precedido com certeza pelo mais arcaico pentatonismo, eventualmente relacionado com outras culturas orientais. Todo o sistema musical grego parte do tetracorde descendente, que correspondia às 4 cordas da forminx: Hypate (a corda superior, mais grave), a Mese (a central), Trite (a terceira) e a Nete (a inferior, mais aguda). No séc. VIII acrescentaram-se mais 4 cordas à lira tradicional, cujos sons produziam já uma oitava completa: Hypate parahypate lichanos mese paramese trite paranete nete Mi Fá Sol Lá Si Dó Ré Mi Através das 8 cordas, as 8 notas assim obtidas aparecem como a justaposição de 2 tetracordes iguais, quanto à sequência tonal de intervalos: - o central (meson) - Mi_ Fá_ Sol _Lá 1/2+1+1tom - o separado (diazeugmenon) Si_ Dó_ Ré_ Mi 1/2 + 1 + 1 tom À nota inferior pode-se acrescentar agora um novo tetracorde descendente, i. e.: - o superior (hypaton) - Si Dó_Ré_Mi 1/2 + 1 + 1 tom Do mesmo modo, à nota superior pode acrescentar-se um novo tetracorde ascendente, ie: - o sobressaído (hyperboleion) - Mi_ Fá_ Sol_ Lá 1/2 + 1 + 1 tom Se a este sistema de 4 tetracordes tonalmente iguais se acrescentar uma nota inferior (proslambanomenos), obtém-se um sistema de 2 oitavas, precisamente o que os Gregos chamavam sistema TELEION. Os modos Dependendo da lira utilizada, ou da afinação da mesma, a estrutura básica chamada tetracorde pode apresentar-se de 3 maneiras conforme o lugar ocupado pelo intervalo de meio tom dentro do tetracorde. Segundo isto, obtém-se os tetracordes: - dórico: 1 + 1 +. 1/2 - frígio: 1 + 1/2 + 1 -lídio: 1/2+1+1 O sistema de 2 tetracordes iguais e justapostos constitui uma oitava (harmonia, tom, sistema) ou modo definido pela qualidade dos respectivos tetracordes. É assim que se obtém os 3 modos fundamentais da música grega: dórico, frígio e lídio. - Dórico: Mi Ré Dó Si Lá Sol Fá Mi - Frígio: Ré Dó Si Lá Sol Fá Mi Ré - Lídio: Dó Si Lá Sol Fá Mi Ré Dó Prosseguindo analogamente na formação de oitavas a partir do dórico, encontra-se o sistema completo de harmonias, com a introdução dos seus relativos hypo (inferiores, a uma quinta), bem como do mixolídio (mistura de lídio e dórico). Uma das características da música grega é a conotação psicológica que os teóricos lhe deram. A partir, sobretudo, do período helenístico acentuou-se cada vez mais o carácter de cada modo, variando por isso o âmbito da sua aplicação. Eis como Th. Reinach esquematiza esta teoria: DORICO arrasta a alma para o justo meio. HIPODÓRICO Firme e majestoso, mais activo que o dórico. Altivo e pomposo. FRÍGIO Agitado, entusiasta, báquico. HIPOFRÍGIO Como o Frígio,mas mais activo. LÍDIO Dolente, fúnebre; decente e educativo, segundo Aristóteles. HIPOLÍDIO Dissoluto, relaxado,voluptuoso. MIXOLÍDIO Patético. Os Tons Uma vez que os modos não exigem uma altura absoluta - são, de facto, meras ordenações diferentemente qualitativas de intervalos (embora as harmonias primitivas fossem algo mais que essa ordenação) - pode-se concluir que todos eles, de acordo com os registos da voz ou do instrumento, se podem organizar a partir de qualquer nota ou tom da escala primitiva. Criam-se, assim, as transposições tonais ou escalas transpostas: o que faz que, a partir de qualquer nota, se possam criar todos os modos. Para isso bastaria aplicar os acidentes necessários. Os Géneros musicais Se as notas extremas do tetracorde grego eram fixas, o mesmo não acontecia às intermédias que se podiam ordenar de várias maneiras, dando lugar à conformação dos chamados géneros musicais: diatónico, cromático e enarmónico. O género diatónico era o mais natural e o único utilizado na música coral, ao passo que o cromático e o enarmónico eram utilizados quase exclusivamente por cantores solistas e pelos instrumentistas. Parece que o género enarmónico se deveu às influências exóticas da música grega. Mas como a propósito desta não há geralmente certezas absolutas, também a este respeito não temos nada de perfeitamente concordante. Rítmica Pela sua relação estreita com a palavra, o ritmo da música vocal grega dependeu originalmente da métrica: o metro, a quantidade das sílabas e palavras é que ditava a duração dos sons. Com o aparecimento da música instrumental, e também com o desenvolvimento do sistema musical, foi possível criar um sistema rítmico autónomo, embora com alguma dependência terminológica original. Cabe a Aristóxenos, entre outros méritos, o ter sistematizado o ritmo, que define como a ordem na repartição das durações. Ele adopta como unidade o tempo protótipo: um tempo simples, indivisível, correspondente a uma vogal breve (U) e transcrito como uma colcheia. As durações superiores são dadas no tempo sintético que soma 2, 3, 4 e 5 tempos protótipos (tempo composto). A ordenação dos tempos numa frase fazia-se mediante conjuntos simples, chamados pes. Ao princípio este pés eram dados pela métrica do poema, mas as coisas não eram tão fáceis de demarcar uma vez que nem sempre era regular a sequência dos pés. Como saber, então, em que ritmo se encontra uma peça? Pelo batimento do compasso. Este é concebido entre os Gregos como uma relação de levantar e repousar (arsis e thesis), relação essa que era executada simbolicamente pelo levantar e bater do pé do chefe do coro, por vezes munido de um instrumento. A notação rítmica indicava o levantar por meio de um ponto por cima da nota. Repare-se, agora nos principais pés métricos da poesia grega e a sua correspondência em grafia moderna. Conforme os tempos simples utilizados, temos pés de 3 e 4 unidades: - com 3 tempos prototípicos: troqueu, jambo, tribráquio. - com 4 tempos prototípicos: dáctilo, anapesto, espondeu. Notação Originalmente a música grega, como quase todas as culturas musicais da época, conhecia apenas a simples tradição oral. A partir do séc, VI, contudo, os Gregos começaram a utilizar a notação alfabética. Fizeram no entanto, de duas maneiras conforme se tratasse de música vocal ou instrumental. A notação instrumental baseava-se no alfabeto arcaico. No caso destas notas se alterarem, o que podia acontecer de duas maneiras, conforme se empregasse o género cromático ou enarmónico, então aqueles sinais deitavam-se ou invertiam-se. Quanto à notação vocal, ela faz-se com base no alfabeto jónico. Transcrevendo a notação instrumental com suas possíveis inversões, mas só a partir da oitava coral, e aplicando depois as 24 letras do alfabeto jónico, obtém-se a sua notação exacta. No que respeita à oitava superior, aquelas letras jónicas são invertidas ou levam um simples apóstrofo; pelo contrário, na oitava inferior, as letras são simplesmente invertidas. Em referência à notação rítmica, já se viram os símbolos utilizados. Normalmente a duração correspondente a uma breve (U) não se escrevia e, por vezes, nem sequer se usa o sinal da longa (—), sobretudo se o texto não oferecer qualquer dúvida quanto à sua aplicação musical. colhido no blog: Musicantiga.com.sapo.pt |