Na noite de 07 de julho de 1990, quando a Itália vivia a euforia de sediar mais uma Copa do Mundo, subiam no palco montado nas Termas de Caracalla, em Roma, três dos mais conhecidos e reverenciados cantores líricos do século XX: o italiano Luciano Pavarotti e os espanhóis Plácido Domingo e José Carreras. Com regência do maestro Zubin Mehta, que conduziu as orquestras do Maggio Musicale Fiorentino e do Teatro dell'Opera di Roma, o trio realizou um concerto que entrou para a história da música.
Mesclando repertório erudito – árias de óperas como Tosca e Turandot – e canções populares, como as tradicionalíssimas “O Sole Mio”, “Granada” e “Cielito Lindo”, o concerto foi transmitido ao vivo para os quatro cantos do mundo. Posteriormente, o álbum “The Three Tenors In Concert”, gravado naquela noite, se tornaria um fenômeno de vendas, alcançando a inacreditável marca de 12 milhões de cópias vendidas.
Na época, Carreras havia vencido a luta contra a leucemia e o objetivo do concerto era arrecadar dinheiro para a sua fundação, criada para dar apoio a outras vítimas da doença. O sucesso foi tão estrondoso que os três tenores passaram a se reunir periodicamente e excursionar juntos. Na Copa Mundo de 1994, os três se apresentaram em Los Angeles, e na de 1998, fizeram uma apresentação em Paris. Em ambas as ocasiões, a regência ficou a cargo do maestro húngaro Tibor Rudas.
Em julho de 2000 o trio esteve no Brasil, para um concerto no estádio do Morumbi, ao lado da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, regida pelo maestro Marco Armiliato. Cantando composições brasileiras como “Manhã de carnaval”, de Luís Bonfá, ou “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, os três foram aplaudidos de pé por mais de 40 mil pessoas. A morte de Pavarotti, em 2007, impediu a continuidade da saga dos Três Tenores, que apesar de bastante criticados por alguns, sob o argumento de mercantilização da música erudita, teve o mérito de retirar o canto lírico do gueto e de levá-lo a milhões de pessoas.
No jazz também tivemos lá os nossos três tenores. É claro que com uma repercussão infinitamente menor que tiveram os originais. De qualquer forma, um disco gravado em 1991 reuniu três dos mais talentosos e criativos tenoristas contemporâneos, sob a regência do extraordinário James Williams, um dos maiores nomes do piano dos anos 80 e 90: George Coleman, Joe Henderson e Billy Pierce. Coincidentemente, a morte de um deles – Henderson, em 2001 – impede uma nova reunião. Mas tanto em um caso quanto em outro, restam os deliciosos registros gravados pelos trios e que deixam no ouvinte algum consolo. Vamos conhecer um pouco sobre o maestro que patrocinou essa alentada reunião de talentos?
O pianista James Williams nasceu em Memphis, no Tenessee, no dia 08 de março de 1951. Na infância, seus heróis musicais eram caras como Ray Charles, Booker T., Marvin Gaye e Stevie Wonder. Ouvindo compulsivamente álbuns de R&B, soul e funk, especialmente aqueles lançados pela gravadora Motown, o garoto cresceu cercado por aquilo que de melhor havia na música pop negra. Posteriormente, descobriu a música feita pelo saxofonista King Curtis e pelo pianista Ramsey Lewis, uma forma nada ortodoxa de jazz, embalada em fartas doses de soul music.
Era uma música ao mesmo tempo desafiadora e acessível, que não renegava a tradição da música negra, mas tampouco era meramente reverencial. O melhor de tudo é que trazia novos ouvintes para as fileiras dos admiradores do jazz e o garoto Williams foi um deles. Depois vieram os discos de soul jazz da Blue Note, em especial do organista Jimmy Smith e do saxofonista Lou Donaldson e o mergulho nas águas do jazz se deu de maneira mais que natural.
Dois fatos contribuíram para que esse mergulho fosse o mais intenso possível: as aulas de piano, que começou a aprender com 13 anos, e a audição dos discos de Phineas Newborn, verdadeira lenda do jazz de Menphis e que, a partir de então, tornou-se uma verdadeira obsessão na vida do jovem aprendiz. Williams também enriqueceu seu conhecimento sobre a música negra norte-americana – especialmente o gospel e os spirituals – tocando órgão em uma igreja batista da cidade. Tornar-se músico profissional passou a ser o seu maior desejo.
Aos 18 anos ingressou na Memphis State University, e acrescentou ao seu considerável leque de influências os extraordinários Harold Mabern, Hank Jones, Tommy Flanagan, Red Garland e Ahmad Jamal. Na universidade, foi colega de alguns dos mais importantes pianistas contemporâneos, como Mulgrew Miller e Donald Brown. Durante o período universitário, o pianista participava ativamente do movimentado cenário jazzístico local, tocando com músicos como Frank Strozier, Jamil Nasser ou George Coleman.
Em 1972, já com o diploma nas mãos, o pianista decidiu tentar a sorte em Boston. Com o nome em evidência no meio jazzístico, não foi difícil ingressar no grupo do baterista Alan Dawson. No ano seguinte, o prestigioso Berklee College of Music o contratou como professor e ali Williams passaria os próximos cinco anos. Graças a seu trabalho como integrante da banda de Dawson, Williams pôde tocar com figuras de primeiríssima linha, como Milt Jackson, Pat Martino, Arnett Cobb, Red Norvo, Art Farmer, Sonny Stitt, Woody Shaw, Clark Terry, Benny Carter, Joe Henderson, Chet Baker, Thad Jones e muitos outros.
A notoriedade do pianista cresceu a ponto de chamar a atenção de Art Blakey, que o convidou a se unir aos Jazz Messengers, em 1977, ano em que lançou o seu primeiro álbum como líder, “Flying Colors”, pelo pequeno selo ZIM e que conta com a participação especial do trombonista Slide Hampton. Por conta da nova condição de membro dos celebrados Jazz messengers, Williams mudou-se para Nova Iorque, o que lhe abriu novos horizontes profissionais.
O pianista permaneceria com Blakey até 1981 e participaria de diversos álbuns dos Messengers, tendo como colegas de banda os talentosos irmãos Brandford e Wynton Marsalis e futuros astros como Terence Blanchard, Donald Harrison e Bobby Watson. Nesse período, participou de gravações ou concertos ao lado de craques como Tal Farlow, Curtis Fuller, Jack Walrath, Dizzy Gillespie, George Duvivier, Freddie Hubbard, Tony Williams e Sadao Watanabe.
Importante registrar a sua associação com o trompetista Art Farmer, formalizada após a saída dos Messengers, e que rendeu alguns dos mais belos álbuns do trompetista, como “Something To Live For” (1987), em homenagem à música de Billy Strayhorn, ou “Blame It On My Youth” (1988). Atendend a um convite do saxofonista Jackie McLean, Williams foi professor da Hartt School of Music entre 1985 e 1986. Também atuou como músico residente ou ministrou oficinas e seminários em diversas universidades dos estados Unidos, como Hartt School of Music, Dartmouth College Eastern Illinois University, Cornish College, New England Conservatory, e Harvard University.
Na segunda metade da década de 80, Williams criou o renomado The Magic Trio, ao lado do baixista Ray Brown e do próprio Art Blakey, substituídos, respectivamente, por Charnett Moffett e por Elvin Jones (que um pouco depois daria seu lugar a Jeff Tain Watts). Também montou o grupo James Williams & The Intensive Care Unit, por onde passaram , entre outros, Billy Pierce, Steve Wilson, Javon Jackson, John Lockwood, Christian McBride e Yoron Israel.
A fim de manter vivo o legado do ídolo Phineas Newborn, Williams criou o Contemporary Piano Ensemble, no final da década de 80. O coletivo incluía, além do próprio Williams, Harold Mabern, Mulgrew Miller e Geoff Keezer e chegou a gravar um álbum – “Four For Phineas”, de 1989 (Concord) – inteiramente dedicado ao repertório de Newborn. Além dos quatro pianistas, participaram do álbum o baixista Bob Cranshaw e o baterista Billy Higgins. Compositor inventivo e prolífico, sés temas podem ser ouvidos em álbuns de gente como Art Farmer, Tony Reedus, Kenny Barron, Tommy Flanagan, Victor Lewis, Gary Burton, Benny Golson e Roy Hargrove.
Outra faceta importante foi a de produtor, tendo produzido discos dos pianistas Geoff Keezeer e Donald Brown, dos saxofonistas Bill Easley e Billy Pierce e do antigo ídolo Harold Mabern (“Straight Street”, de 1989, e “The Leading Man”, de 1993). Um dos seus trabalhos mais recompensadores, como produtor, certamente foi o álbum do grupo “The Boys Choir Of Harlem”, integrado apenas por crianças do bairro do Harlem e que Williams apoiava, inclusive dando aulas e fazendo arranjos.
Sua carreira solo lhe permitia convidar músicos do gabarito de Tony Reedus, Billy Higgins, Richard Davis, Ray Drummond, Clark Terry, Ron Carter, Nicholas Payton, Mark Whitfield, Christian McBride, Russell Malone, John Patitucci, Joe Lovano, Steve Nelson, Houston Person, Peter Washington, John Clayton e incontáveis outros . Como acompanhante, merece destaque o seu trabalho em álbuns de Nnenna Freelon, Javon Jackson, Jon Faddis, Tom Harrell, Milt Hinton, Bobby Watson, Karrin Allyson, Gary Burton, Eddie Gomez, Kevin Mahogany, Greg Osby, Kenny Burrell, entre outros.
Veio a década de 90 e seu prestígio não parou de crescer. O pianista foi convidado para se apresentar no Smithsonian Jazz Masterworks Orchestra and Contemporary Piano Ensemble e em 1996, participou da aclamada série “Maybeck Recital Hall”, lançada pela Concord. Outro sinal claro de sua importância no mundo do jazz foram os diversos convites para participar do programa “Marian McPartland's Piano Jazz”, apresentado pela veterana pianista inglesa e transmitido pela Rádio NPR.
Um dos pontos altos de sua discografia é, sem dúvida alguma, o ótimo “James Williams Meets The Saxophone Masters”, gravado para a Columbia no dia 23 de setembro de 1991 e que conta com um elenco estelar: George Coleman, Joe Henderson e Billy Pierce tocam o sax tenor, James Genus se encarrega do contrabaixo e Tony Reedus assume a bateria.
A vertiginosa “Fourplay”, que abre o disco, é de autoria de Williams e possui uma estrutura nada convencional, embora não chegue a propor uma ruptura com os cânones bop. Os diálogos entre os três saxofonistas são sensacionais. Coleman e Henderson, especialmente, se sentem muito à vontade em contextos sinuosos e desafiadores. A abordagem de Pierce é mais ortodoxa mas não menos criativa e serve de contraponto aos outros dois. A poderosa percussão de Reedus e o dedilhado frenético do líder também merecem ser destacados.
Com uma atmosfera que remete ao Wayne Shorter da época dos Jazz Messengers, “Lo Joe” é a mais subversiva das faixas do álbum. Composto por Coleman, o tema revela a afinidade do autor com a obra de Shorter, que, de qualquer modo, sempre foi muito patente – não é à toa que o segundo substituiu o primeiro no quinteto de Miles Davis nos anos 60. As alternâncias harmônicas, a fuga dos lugares-comuns e a total ausência de linearidade exigem dos músicos doses consideráveis de audácia e dinamismo. O solo de Williams, brilhante, conjuga essas características de forma admirável.
“Centerpiece” é uma viagem ao âmago do blues. Sua abordagem é confessional, repleta daquela sentimentalidade profunda de tristeza e abandono que tão bem demarcam as fronteiras do estilo. Escolado na tradição do blues, o fraseado de Williams é denso, quase lamentoso, acentuando as notas mais graves. Aqui Henderson se mostra o mais sentimental dos três saxofonistas, entregando um solo pungente e de enorme intensidade dramática.
Extraída do cancioneiro tradicional norte-americano, “Calgary” flerta com o blues, mas não renega sua origem folk. “The Song Is You”, da dupla Oscar Hammerstein e Jerome Kern, ganha um arranjo animado e caloroso, com bastante espaço para improvisos inspirados, muitas dissonâncias e harmonias alucinantes. Coleman, sempre muito criativo, se destaca entre os saxofonistas e os efeitos que extrai do seu instrumento são completamente concatenados, jamais resvalando na obviedade ou no mero exibicionismo. A formidável performance de Williams, um primor de desenvoltura e originalidade, também deve ser ouvida com muita atenção.
Mais um standard, “Old Folks”, composta em 1938 por Dedette Lee Hill e Willard Robison é a única balada do álbum. Com quase 14 minutos, é a faixa mais longa do disco e a mais reverencial delas. Na tradição dos grandes baladeiros como Lester Young ou Ben Webster, Henderson, Coleman e Pierce se esmeram para reproduzir a atmosfera intimista que a canção exige. A atuação do líder é soberba e seu fraseado sutil, ao invés de esmiuçar a melodia, apenas sugere os contornos melódicos a serem explorados pelo ouvinte, tornando a audição um verdadeiro exercício de cumplicidade.
Um álbum precioso e que, em muitos aspectos, resgata o clima espontâneo e descontraído de uma jam session. Williams descreve a sua intenção ao gravar o disco nos moldes como foi feito: “Eu queria criar algo que as pessoas pudessem ouvir em casa, mas que trouxesse a mesma atmosfera que havia no Birdland em 1963. É bacana ouvir alguns talentos separadamente, mas quando eles se juntam, esse contato e essa interação fazem muito bem, como ocorre em uma boa reunião familiar”.
A partir de 1999, Williams passou a ser diretor musical e professor do William Paterson College, em Wayne, Nova Jérsei. Responsável pelo programa de estudos de jazz, ocupou um lugar que, anteriormente, havia pertencido a Thad Jones e Rufus Reid. Também criou o selo Finas Sounds, para poder lançar ali os seus próprios discos. Em fevereiro de 2004, fez uma elogiada temporada no Birdland, em Nova Iorque, dividindo o palco com dois dos mais renomados pianistas da atualidade: Cyrus Chestnut e Bill Charlap.
Poucos meses depois, em 20 de julho daquele mesmo ano, Williams veio a falecer, em conseqüência de um câncer no fígado. De acordo com o jornalista Bill Kohlhaase, do Los Angeles Times, “demonstrando um profundo conhecimento da tradição pianística, Williams tocava com a elegância de um Red Garland e a intensidade rítmica de um Ahmad Jamal”. Membro da International Association of Jazz Educators (IAJE), Williams tinha apenas 53 anos e sua morte deixou uma enorme lacuna no jazz contemporâneo, que dificilmente será suprida.
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