Quando se fala em guitarristas de jazz, quais os nomes que logo vêm à mente? Barney Kessell, Wes Montgomery, Jim Hall, Joe Pass, Grant Green, Pat Martino, Herbie Ellis, Tal Farlow, Jimmy Raney, Pat Metheny, Django Reinhardt... Dificilmente alguém mencionará, de imediato, o nome de Howard Mancel Roberts, embora ele tenha sido, durante mais de quarenta anos, um dos músicos mais ativos e requisitados do cenário norte-americano.
Talvez por ter atuado em contextos tão variados, como orquestras de TV e de cinema, ou por ter sido um dos primeiros guitarristas a realizar a fusão entre o jazz e estilos tidos como comerciais, como o funk, o country ou o pop, Roberts jamais obteve um reconhecimento, no âmbito do universo jazzístico, à altura do seu talento, muito embora conste dos créditos de alguns dos melhores discos de jazz, rock, pop, soul e R&B gravados entre os anos 50 e 80.
Esse grande músico, compositor, arranjador e educador musical nasceu no dia 02 de outubro de 1929, em Fênix, no Arizona. Desde muito cedo, Roberts revelou uma enorme aptidão para a música e seu talento precoce sempre foi estimulado pelos pais. Com oito anos já conseguia tocar algumas músicas de ouvido, aos nove ganhou sua primeira guitarra acústica (uma Gibson Kalamazoo) e aos doze ele já era um músico hábil e bastante maduro para a idade.
O aprendizado musical formal veio, inicialmente, pelas mãos de Horace Hatchett, guitarrista que tocou nas orquestras de Tommy Dorsey e Red Nichols, que lhe transmitiu os rudimentos da música erudita e do jazz. Em seguida, o garoto estudaria com professores renomados como o arranjador Howard Heitmeyer (criador de um dos mais populares métodos para guitarra do período) e o compositor Fabian Andre (autor do standard “Dream a Little Dream of Me”).
Aos 15 anos, ele inicia a carreira profissional, tocando guitarra acústica, elétrica e bandolim em bandas de baile da cidade natal. Seus ídolos, na época, eram Django Reinhardt, George Van Eps e Oscar Moore, mas em breve o jovem Charlie Christian se juntaria ao rol de suas preferências musicais. Antes de completar 20 anos, já havia tocado com alguns nomes de peso, como o trompetista Art Farmer e o pianista Pete Jolly, outro gênio precoce em seu instrumento, quando estes se apresentaram em clubes da região de Fênix.
Em 1950 decide se mudar para Los Angeles, onde o mercado musical se mostrava bastante promissor. Um dos primeiros amigos que fez na nova cidade foi o também guitarrista e arranjador Jack Marshall, por intermédio de quem arranjou seu primeiro trabalho fixo, no trio do baterista Chico Hamilton, juntamente com o experiente baixista George Duvivier. Em seguida, Howard integraria o quarteto do pianista e compositor Bobby Troup, que se tornaria um dos seus mais constantes parceiros musicais ao longo dos anos.
Dono de um estilo que lembrava o de Barney Kessell, outro grande amigo, Roberts construiu uma sólida reputação como músico de estúdio, tendo participado de gravações de trilhas sonoras de vários filmes no cinema e na TV. Ao mesmo tempo, seu nome se consolidava como um dos mais confiáveis acompanhantes do cenário local.
Na nova cidade, o guitarrista retomou os estudos, tendo cursado a faculdade de História da Música, na University of Southern California. Também aprofundou-se no aprendizado de arranjos, regência, orquestração e composição com figuras proeminentes como Albert Harris, Russ Garcia e Earl Hagen.
Em seu impressionante currículo, constam participações em álbuns de gente do gabarito de Harry Babasin, Shorty Rogers, Frank Morgan, Pete Jolly, Helen Carr, June Christy, Bud Shank, Lena Horne, Buddy Rich, Chico Hamilton, Claude Williamson, Gerry Mulligan, Peggy Lee, Pete Rugolo, Bob Cooper, Buddy DeFranco, dos irmãos Pete e Conte Candoli, Sonny Stitt, Wardell Gray, Cannonball Adderly, Dave Brubeck, Zoot Sims, Stan Getz, Lennie Niehaus, Georgie Auld, Buddy Collette, Neal Hefti, Mel Tormé, Billy May, Lou Rawls, Jack Wilson, Thelonious Monk, Miles Davis, Jack Sheldon, Mary Lou Williams e uma infinidade de outros.
Sua versatilidade lhe permitia atuar ao lado do “Rei do Mambo” Perez Prado, dos ídolos adolescentes Ricky Nelson e Eddie Cochran, de astros pop como Sonny & Cher e The Jackson Five, do precursor da bossa nova Laurindo de Almeida, do soulman Sam Cooke, de estrelas do R&B como as Supremes, do folclórico bandleader Ray Conniff, do refinado Johnny Hartman, de atores como Dean Martin e Robert Mitchum ou de roqueiros como Elvis Presley, The Beach Boys, Little Richard e The Monkees, com igual desenvoltura.
Um dos seus trabalhos de maior repercussão, artística e comercialmente falando, foi o álbum “Julie Is Her Name – Vol 2” (Liberty Records, 1958), da cantora Julie London. Roberts substituiu o sensacional Barney Kessel, que originalmente acompanhava a cantora no primeiro volume (também da Liberty Records, mas gravado em 1955), juntamente com o contrabaixista Ray Leatherwood. Para a continuação, foi recrutado o ótimo baixista Red Mitchell e o repertório é recheado de clássicos como “Blue Moon”, “What is The Thing Called Love” e “How Long Has This Been Going On”.
Nesse período, Howard já estava profundamente envolvido com a educação musical. Seu primeiro emprego como professor foi no Westlake College of Music, instituição renomada e que era considerada uma espécie de Berklee School da Costa Oeste. Em meados dos anos 70, Roberts seria um dos fundadores do Guitar Institute Of Technology, em Hollywood, instituição que existe até hoje, com o nome de Musician's Institute.
Howard também seria um alentado autor de livros didáticos, tendo escrito mais de uma dezena deles. Títulos como “Howards Roberts Chord Melody”, “Howards Roberts Guitar Book”, “The Electric Bach”, “Six Violin Pieces By Bach Arranged For Plectrum Guitar”, “The Accelerator: The Theory – Fingerboard Connection”, “Super Chops: Jazz Guitar Technique in 20 Weeks” e “Howard Roberts Sight Reading For The Guitar”, são considerados obras de referência para o estudo da guitarra e o detalhe é que todos foram publicados pela sua editora, a Playback Publishing Company.
Além de artigos esporádicos para a Down Beat, ele manteve, durante anos, uma coluna mensal, chamada “Jazz Improvisation”, na revista Guitar Player. Como músico, sempre gozou do respeito da crítica. O venerando Leonard Feather, certa feita escreveu em sua coluna no jornal Los Angeles Times: “Roberts emerge como músico de um talento devastador e se alinha entre os maiores guitarristas da atualidade. Sua técnica é fenomenal, assim como a sua capacidade de execução nos tempos rápidos”.
Liderando seus próprios combos, Howard construiu uma bela, porém não muito extensa, carreira discográfica. Seus álbuns encontram-se distribuídos por selos como Verve, Capitol, Impulse, V.S.O.P., Discovery e Concord. Pela gravadora de Norman Granz, lançou aquele que é considerado, pela crítica especializada, o ponto culminante de sua discografia: “Good Pickin’s”.
Secundado por uma seleção de craques da Costa Oeste, Roberts divide o estúdio com o saxofonista Bill Hollman (que participa de cinco das dez faixas), o pianista Pete Jolly, o contrabaixista Red Mitchell e o baterista Stan Levey. As gravações foram realizadas em março de 1959 e os arranjos ficaram a cargo de Hollman e do não menos talentoso Marty Paich.
Para abrir os trabalhos, nada melhor que uma irresistível releitura de “Will You Still Be Mine?”, de Matt Dennis e Tom Adair. A abordagem de Howard é voluptuosa, incandescente, repleta de riffs certeiros e muito balanço. O tenor de Hollman se mostra um parceiro à altura da perícia do líder e seus improvisos são naturalmente desafiadores, assim como os solos de Mitchell e do incansável Levey.
O blues “When The Sun Comes Out”, de Harold Arlen e Ted Koehler, é executado com toda a solenidade que o estilo exige, sendo que o sopro relaxado de Hollman acrescenta uma surpreendente dose de ternura ao tema. A dupla de compositores é responsável, ainda, por “Between The Devil And The Deep Blue Sea”, aqui executada em um inebriante tempo médio. Sem a participação de Hollman, Howard tem uma atuação impecável. Energético e apoiado por uma sólida sessão rítmica, o guitarrista cria riffs bastante consistentes e solos inspiradíssimos.
Composta por Jerome Kern e Oscar Hammerstein II, “All The Things You Are” recebe um arranjo esperto e imaginativo. A agilidade de Roberts e sua fluência nos tempos mais acelerados se revelam por inteiro, mas a classe de Jolly e a potência percussiva de Levey também merecem ser apreciadas com bastante atenção. Na comovente “Lover Man”, de Jimmy Davis, Jimmy Sherman e Roger “Ram” Ramirez,o guitarrista utiliza uma afinação diferente, fazendo com que o seu instrumento adquira uma sonoridade próxima do violão.
Charlie Parker é uma das maiores influências de Howard e a interpretação de “Relaxin’ At Camarillo” mostra à perfeição o domínio do guitarrista sobre o idioma bop. Seu dedilhado é viril, feérico, intenso, nervoso. A performance de Hollman é das mais estimulantes, transpondo para o tenor, com enorme competência, as harmonias aparentemente indomáveis criadas por Bird.
Outro ídolo do bebop, o pianista George Wallington contribui com a agitada “Godchild”. A abordagem crispada e furiosa de Howard é muito bem ancorada pela sessão rítmica, com destaque para a levada segura de Mitchell e para as palpitantes intervenções de Levey. Improvisos ensolarados de Jolly e Hollman traduzem a leveza e a técnica preciosa de dois dos mais talentosos representantes do West Coast Jazz.
“Easy Living” é uma das mais belas canções do repertório norte-americano e as versões de Billie Holiday e Chet Baker estão entre as mais emocionantes. A versão do quarteto, decerto, não tem o mesmo impacto emocional e nem se permite a maiores ousadias harmônicas, mas possui charme e personalidade. Outro standards revisitado com graça e sobriedade é a encantadora “The More I See You”, da dupla Harry Warren e Mack Gordon. O líder e Hollman brilham, com atuações convincentes, solos inspirados e muito swing.
“Terpsichore” é o único tema de autoria do líder incluído no disco. Blues encorpado e ressonante, apresenta diálogos avassaladores entre Hollman e Roberts, que criam uma atmosfera nebulosa, quase opressiva. Um álbum bastante representativo de um guitarrista no auge de sua criatividade, cuja contribuição para o West Coast Jazz ainda é pouco reconhecida.
Em 1963, Roberts assinou com a Capitol e seus dois primeiros álbuns para a nova gravadora “Color Him Funky” e “H. R. Is A Dirty Guitar Player”, fizeram grande sucesso, influenciando, por exemplo, a guinada de Wes Montgomery rumo ao pop. Ambos contaram com a produção de Jack Marshall e apresentam Howard na companhia do baixista Chuck Berghofer, do baterista Earl Palmer e dos organistas Paul Bryant e Burkley Kendrix.
A partir de 1966, Roberts e seu grupo, chamado “The Magic Band”, passaram a ser atração fixa do clube Donte’s, um dos mais importantes de Los Angeles. Emérito descobridor de talento, o guitarrista deu oportunidade a vários jovens em início de carreira, como os saxofonistas Pete Christlieb e Tom Scott, o pianista Dave Grusin e o baterista John Guerin, que futuramente viriam a ser músicos de renome no cenário jazzístico.
Roberts e Wes eram grandes amigos e costumavam conversar bastante. Uma das maiores preocupações de Montgomery, na época um guitarrista de muito prestígio, mas com vendas modestas, era exatamente dar maior conforto à sua família. Ele viu nos álbuns de Roberts para a Capitol uma maneira de diversificar seu público, atrair novos ouvintes e aumentar as vendagens de seus discos. Além disso, Wes não conseguia ler música, o que reduzia sensivelmente as suas possibilidades como músico de estúdio.
Howard incentivou o amigo, inclusive dando sugestões em relação ao repertório. Em pouco tempo, Wes, se tornaria o maior vendedor de discos da pequena Riverside, sendo rapidamente elevado à condição de astro do jazz e assíduo freqüentador das paradas de sucesso. Um dos grandes prazeres que os dois partilhavam era constatar que entre seu público havia milhares de garotos que, depois de ouvi-los tocar, passaram a se interessar pelo jazz.
Requisitado músico de estúdio, Roberts está presente nas trilhas sonoras de diversos seriados e programas televisivos, como “The Twilight Zone” (exibido no Brasil com o título “Além da imaginação”), “The Munsters” (“Os monstros”, também exibida no país), “I Dream of Jeannie” (“Jeannie é um gênio”, inesquecível seriado estrelado por Barbara Eden e Larry Hagman), “The Beverly Hillbillies” (sucesso absoluto da rede CBS, que ficou no ar de 1962 até 1971 e que no Brasil recebeu o nome de “A família Buscapé”) e “The Deputy” (produzida pela rede NBC de 1959 a 1961 e estrelada por Henry Fonda).
No cinema, ele pode ser ouvido na trilha do filmes “The Sandpiper” (“Adeus às ilusões), produção de 1965, dirigida por Vincent Minelli e estrelada por Elizabeth Taylor e Richard Burton. A trilha sonora foi composta por Johnny Mandel, que ali lançou seu grande sucesso “The Shadow of Your Smile”. A música, que ganharia o Oscar de Melhor Canção Original, é uma parceria com o letrista Paul Francis Webster e se tornaria um dos maiores hits da década, nas vozes de gente como Tony Bennett, Barbra Streisand e Johnny Mathis.
O nome de Roberts está indelevelmente associado à célebre fabricante de guitarras Gibson, que sob a sua supervisão construiu dois modelos com o seu nome: a H. R. Custom e a H. R. Fusion. Por suas contribuições como músico e projetista, Howard faz parte do seleto Gibson Hall of Fame, embora também tenha ajudado no desenvolvimento de guitarras para outras marcas, como Epiphine, Ibanez e Aria.
Inquieto e extremamente interessado na mecânica dos equipamentos musicais, ele fundou na década de 60, juntamente com o engenheiro Ron Benson, a fábrica de amplificadores Benson Amplifier Company, que encerraria suas atividades em 1974. Também foi o produtor de uma série de vídeos didáticos estrelados pelo grande baixista Ray Brown.
O compositor Duane Tatro criou o “Concert For Electric Guitar and Orchestra” especialmente para Roberts. A primeira execução pública da obra foi realizada no auditório do Museu Municipal Jean Delacour, em Los Angeles, no mês de janeiro de 1977. Howard atuou como solista convidado da Studio Arts Orchestra, sob a regência de Charles Blackman, e a repercussão do concerto junto à crítica foi bastante favorável.
Após uma vida intensa e bastante produtiva, Howard faleceu no dia 28 de junho de 1992, em Seattle, estado de Washington, onde morava desde a década anterior. Naquela cidade, fundou o Roberts Music Institute, que depois de sua morte passou a ser administrado por seu filho, o também guitarrista Jay Roberts. Sua influência pode ser sentida no trabalho de feras como Grant Green, George Benson, Jerry Garcia, Howard Alden, Jimmy Bruno, Larry Carlton, Lee Ritenour ou Anthony Wilson, todos admiradores confessos.
Pedro “Apóstolo” Cardoso define Roberts como um guitarrista “de técnica brilhante, em estilo marcado pela ousadia nas escalas harmônicas, acordes de passagem explorados com grande sutileza e intenso contraste de altos e ‘calmas’. Pertence à mais pura tradição do ‘bebop’, mas capaz de lirismo e altas doses de sensibilidade nas baladas, como nos acompanhamentos e solos da gravação com Julie London”.
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