ELE NÃO COSTUMAVA FREQÜENTAR CLUBES QUE O ACEITAVAM COMO SÓCIO
Música e outras coisas

ELE NÃO COSTUMAVA FREQÜENTAR CLUBES QUE O ACEITAVAM COMO SÓCIO


Quando se olha uma fotografia de Alvin Gilbert Cohn, sobretudo no período em que ele cultivou um vistoso bigode, a primeira coisa que salta aos olhos é a enorme semelhança com o humorista Groucho Marx. Mas Al, como era conhecido no mundo do jazz, era bem mais que um rostinho bonito e, ao longo de uma carreira de mais de quarenta anos, construiu uma sólida reputação como saxofonista, compositor e arranjador.

Nascido no dia 24 de novembro de 1925, no Brooklyn, em Nova Iorque, no seio de uma família judia de classe média, Cohn desde muito cedo esteve envolvido com a música. Começou a estudar piano clássico aos seis anos de idade, por exigência dos pais, que queriam que o filho tivesse uma sólida cultura musical. Após seis anos de estudos intensos, Cohn, então com 12 anos, descobriu o jazz, graças ao sucesso de Benny Goodman, seu primeiro ídolo.

Pediu então ao pai um clarinete de presente e este, um pequeno empresário da indústria têxtil, prontamente atendeu o desejo do filho. Dois anos mais tarde, quando descobriu Lester Young, tornou-se fã do saxofonista e resolveu seguir os passos do novo ídolo. O pai, sempre ele, deu-lhe um saxofone tenor novinho em folha de presente e em poucos dias Al, que já dominava com ampla autoridade o clarinete, acrescentou mais um instrumento ao seu portfólio.

Os estudos musicais prosseguiam na escola, a Erasmus High School, onde fez parte de diversas orquestras, alternando-se entre o tenor e o clarinete. Aos 15 anos, o jovem instrumentista já era capaz de escrever arranjos com razoável desenvoltura e aos 17, após rápidas passagens pelas orquestras de Lee Castle e Joe Marsala, inicia a carreira de músico profissional, juntando-se à banda de Georgie Auld.

Estávamos no primeiro terço dos anos 40 e Charlie Parker e Dizzy Gillespie se preparavam para tomar de assalto o cenário jazzístico novaiorquino e mudar a cara do jazz de maneira inapelável. Cohn ouvia, além de Young, os veneráveis Coleman Hawkins e Ben Webster, mas guardava um generoso espaço em suas afeições para Ray Turner, um saxofonista obscuro, de quem era amigo pessoal e que foi muito importante em seus anos de formação.

Após cerca de três anos tocando com Auld, Cohn foi contratado pelo bandleader Boyd Raeburn, em 1946. A seguir, passaria pelas orquestras de Alvino Rey e Buddy Rich, em 1947, mas seu nome somente iria se tornar efetivamente conhecido no ano seguinte, quando substituiria Herbie Steward na orquestra de Woody Herman, conhecida como “Herman’s Second Heard”.

Steward fazia parte de um quarteto de saxofones conhecido como “The Four Brothers” e que incluía Stan Getz, Serge Chaloff e Zoot Sims. Cohn se integrou rapidamente à companhia dos três e desenvolveria uma afinidade musical e uma forte amizade com Sims ao longo daquele período. A orquestra foi desfeita em 1949 e Al, que já se consolidava como um confiável arranjador, juntou-se à big band do clarinetista Artie Shaw.

Era uma orquestra que possuía uma sonoridade moderna e, ao contrário da maioria das big bands da Era do Swing, não era nem um pouco refratária às modernas concepções harmônicas advindas do bebop. Além de pilotar o sax tenor, Cohn também se arriscava nos arranjos, mas os tempos não eram dos mais propícios para as orquestras de jazz em geral e Artie foi obrigado a desfazer a sua.

Desempregado, Cohn foi trabalhar na indústria têxtil da família, mas logo percebeu que não possuía a menor aptidão para a vida empresarial. Ele, então, decide tentar a sorte como freelancer e, para deleite dos fãs de jazz, em pouco tempo se torna um dos mais requisitados músicos de estúdio e arranjadores do cast da poderosa RCA. Na primeira metade daquela década, após uma curta passagem pela orquestra de Stan Kenton, seu parceiro mais constante foi o pianista e bandleader Elliot Lawrence, para quem costumava escrever praticamente todos os arranjos.

Como músico de apoio, Al pode ser ouvido em álbuns de figuras de proa do jazz, como Dizzy Gillespie, Stan Getz, Neal Hefti,Oscar Pettiford, Tony Bennett, Gerry Mulligan, Miles Davis, Chet Baker, Billy Taylor,  Milt Hinton, Bill Perkins, Urbie Green , Manny Albam, Maynard Ferguson, Jimmy Giuffre, Billie Holiday, Buddy DeFranco, Ella Fitzgerald, J. J. Johnson, Carmen McRae, Joe Pass, Betty Carter, Howard Roberts, Elliot Lawrence, Lena Horne, Kenny Burrell, Pete Jolly, Jimmy Raney, Terry Gibbs, Bobby Short, Dinah Washington, Count Basie, Oliver Nelson, Mark Murphy, Mundell Lowe e outros mais. Ele mesmo estima ter participado de mais de 400 gravações.

Em 1956, ele reencontra o antigo parceiro Zoot Sims e os dois montam um quinteto bastante reverenciado pelos fãs do jazz. A parceria renderia uma série de álbums muito bem recebidos por crítica e público, como “Jazz From A to Z” (RCA, 1956), “Al and Zoot” (Decca, 1957) e “You ‘n’ Me” (Mercury Records, 1960). Cohn e Sims podem ser ouvidos no álbum “Blues and Haikus” (EMI, 1958), do escritor Jack Kerouac, um apaixonado por jazz que gostava de recitar seus poemas acompanhado por uma trilha sonora jazzística.

Outro parceiro constante nos anos 50 foi o trombonista Bob Brookmeyer, com quem Al também dividiu a liderança em alguns discos. Dentre os grandes momentos da carreira fonográfica de Cohn, um dos momentos mais espetaculares é o soberbo “Tenor Conclave”, onde ele se junta a Hank Mobley (o líder da sessão) e John Coltrane para uma verdadeira aula de saxofone jazzístico. Gravado para a Prestige em 1957, o disco conta com os portentosos Red Garland no piano, Paul Chambers no contrabaixo e Art Taylor na bateria.

Pelos grupos do saxofonista passariam alguns jovens talentos em início de carreira, notadamente o baterista Paul Motian, futuro integrante do mítico trio de Bill Evans, e os pianistas Mose Allison e John Thomas Williams (tocou com Stan Getz, Charlie Mariano, Bob Brookmeyer, Zoot Sims e Cannonbal Adderley, entre outros). Esclareça-se que graças ao atento Predador, desfez-se uma pequena confusão com o homônimo John Towner Williams, também pianista de jazz mas que no futuro se tornaria um dos mais bem sucedidos autores de trilhas sonoras para Holywood, vencedor de diversos Oscars na categoria.

A partir dos anos 60, Cohn passa a priorizar o trabalho como arranjador e compositor. Diversos programas televisivos, como “The Andy Williams Show”, “The Anne Bancroft Show”, “The Pat Boone Show”, “The Steve Allen Show” e “The Sid Caesar’s Show of Shows”, contaram com composições ou arranjos de sua autoria. Al elaborou os arranjos para o concerto comemorativo de 50 da rede de TV CBS, além de ter escrito arranjos para diversas edições do Tony Awards, o mais importante do teatro norte-americano, e para os concursos de Miss Universo e Miss Estados Unidos.

Em junho de 1972, como integrante da orquestra de Joe Malin, o saxofonista acompanhou o Rei do Rock, Elvis Presley, em um concerto realizado no Madison Square Garden. Al gravou com outros astros da música pop, como Paul Anka, Buddy Greco e a cantora country Linda Rondstadt, de quem foi arranjador e diretor musical. Graças à influência do saxofonista, Rondstadt daria uma guinada na carreira, passando a gravar, a partir do início dos anos 80, alguns bons discos de jazz.

No rádio, ele trabalhou como arranjador do programa de Jack Sterling, transmitido pela WCBS. Cohn participou de diversos musicais da Broadway, seja na qualidade de instrumentista, seja na de arranjador. Dentre eles pode-se destacar “Music, Music, Music”, “Raisin’” e “Sophisticated Ladies”, este último baseado na obra de Duke Ellington. No cinema, o saxofonista atuou na trilha sonora do filme “Lenny” (1974), baseado na vida do comediante Lenny Bruce, dirigido por Bob Fosse e estrelado por Dustin Hoffman.

O saxofonista preferia escrever arranjos para orquestras, mas como instrumentista, gostava mesmo era de atuar em pequenos grupos: “Quando você toca com um grupo pequeno, não há a necessidade de ficar repetindo passagens chatas diversas vezes. Você não fica tão vinculado ao arranjo e tem maior liberdade para criar. Já escrever para uma orquestra é mais fácil, porque você tem um leque maior de opções e pode fazer diferentes combinações de instrumentos”.

Apesar da sua discografia, distribuída entre selos como RCA, Capri, Mercury, Prestige e Concord, não ser das mais extensas, seus álbuns como líder se caracterizam pela excelência dos arranjos, pelo bom gosto do repertório e pelos acompanhantes, invariavelmente recrutados entre alguns dos maiores músicos do jazz, como Oscar Pettiford, James Moody, Freddie Green, Donald Byrd, Philly Joe Jones, Teddy Kotick, Nick Stabulas, Sam Jones, Joe Newman, Osie Johnson, Billy Bauer, John Coltrane e outros.

Um dos melhores momentos de sua carreira fonográfica pode ser conferido no estupendo “Play It Now”. Gravado no dia 19 de junho de 1975, em Nova Iorque, para o selo Xanadu, o álbum foi produzido por Don Schlitten e apresenta o saxofonista acompanhado por uma seção rítmica de primeira linha: o pianista Barry Harris, o contrabaixista Larry Ridley e o baterista Alan Dawson.

A faixa escolhida para abrir o álbum foi “You’re My Everything”, de Harry Warren, Joe Young e Mort Dixon. Com um ritmo contagiante e um andamento em tempo médio que realça a beleza das linhas melódicas da canção, o quarteto faz uma interpretação relaxada, completamente imersa nos fundamentos do cool jazz. O longo solo de Ridley é um primor de técnica, complexidade e articulação. A sonoridade de Cohn está bem no meio do caminho entre a doçura de Stan Getz e a agressividade de Zoot Sims.

“Lover”, de Richard Rodgers e Lorenz Hart, vem em seguida. Após uma longa introdução, em tempo de balada, feita apenas por Cohn e Harris, baixo e bateria se agregam para mais uma interpretação . A presença de um pianista tão hábil quanto Harris, capaz de percorrer toda a extensão do teclado e de reinventar harmonias com indiscutível autoridade, é um estímulo para o inspirado Cohn. Dawson, um dos maiores nomes da bateria de todas as eras, faz um trabalho percussivo preciso, enriquecendo o som sem afrontá-lo com os excessos polirrítmicos.

O tema que dá nome ao disco é a única composição do saxofonista incluída no álbum. Com uma pegada vigorosa, muito bem assentada no bebop, a faixa é, sem dúvida, a mais explosiva do disco. Andamento vertiginoso, diálogos frenéticos, ancoragem rítmica segura, solos empolgantes, improvisações elaboradas com extrema perícia, tudo isso se soma para confirmar a eloqüência desse poderoso quarteto. Destaques para as atuações do líder, com seu sopro inflamável e fluido, e para o infalível Ridley.

“Irresistible You” é resultado da parceria entre Gene De Paul e Don Raye e, embora não seja um tema muito conhecido, tem todas as qualidades melódico-harmônicas que fazem a cabeça dos jazzistas. O quarteto revira pelo avesso a melodia e recria os paradigmas harmônicos com espontaneidade e vigor. Cohn é um improvisador criativo e fluente, um investigador de sonoridades que evita as repetições de frases, e possui em Harris um parceiro ideal para essa constante busca por novos caminhos.

Executada em duo por Al e Harris, “Georgia On My Mind”, pérola composta por Hoagy Carmichael e Stuart Gorrell, é um dos momentos mais arrebatadores do álbum. Com a emotividade à flor da pele, os dois mestres se desmancham em lirismo, numa interpretação comovente e apaixonada, destacando-se a sonoridade doce e aveludada, típica da escola lesteriana, de Cohn. A dupla nada ficam a dever a outros duetos de saxofone e piano famosos, como Stan Getz e Kenny Barron, Archie Shepp e Mal Waldron ou David Murray e George Arvanitas.

O álbum encerra com “It's Sand, Man!”, tema de autoria de Elliot Lewis. Cohn é um astuto conhecedor da sintaxe bop, mas sua abordagem, menos agressiva que a de outros contemporâneos, como o próprio Zoot Sims, se conserva elegante mesmo nos tempos mais frenéticos. Ele tampouco abusa dos efeitos, como Sonny Rollins ou Coltrane, mas seu fraseado é sempre lúcido e suas idéias são muito bem concatenadas. No apoio, o impávido Harris deixa fluir a verve de quem conhece, com inquestionável autoridade, todos os segredos do piano. Um grande disco, com músicos no auge da forma e a estupenda qualidade sonora dos discos da Xanadu.

Durante praticamente toda a década de 70, Al conciliava a exaustiva rotina de trabalho como músico de estúdio e arranjador com o seu trabalho em parceria com Zoot Sims. O quinteto liderado pelos dois era atração fixa do Half Note, em Nova Iorque. O clube era o preferido dos dois, que haviam gravado, no final dos anos 50, o sensacional álbum ao vivo “Jazz Alive! A Night at The Half Note” (United Artists, 1959). Nesse disco, junta-se à dupla de tenores o sax alto de Phill Woods e a seção rítmica inclui o baterista Paul Motian, o pianista Mose Allison e o baixista palestino Nabil “Knobby” Totah, em uma rara aparição em disco.

No início dos anos 80, Al assinou com a Concord e seu primeiro disco para a nova Gravadora, “Nonpareil”, gravado em abril de 1981, recebeu uma indicação ao prêmio Grammy. No álbum, o saxofonista está acompanhado pelo pianista Lou Levy, pelo baixista Monty Budwig e pelo baterista Jake Hanna. Naquela década, realizou várias turnês ao lado dos saxofonistas Flip Phillips, Bill Perkins e Sal Nistico, coincidentemente, três ex-integrantes da orquestra de Woody Herman.

Outro projeto em que esteve firmemente envolvido foi na Concord Big Band, com a qual participou de festivais como os de Montreux, Newport e Tóquio. A formação incluía luminares do gabarito dos saxofonistas Buddy Tate e Scott Hamilton, o guitarrista Cal Collins, o pianista Dave McKenna, o baterista Jake Hanna e o baixista Bob Maize.

Cohn morreu no dia 15 de fevereiro de 1988, na cidade de Stroudsburg, Pensilvânia, em decorrência de um câncer no fígado. Ele foi casado com a cantora Marilyn Moore e o filho dos dois, Joe Cohn, é atualmente um respeitado guitarrista de jazz, um ex-aluno da Berklee School of Music que já atuou ao lado de sumidades como Buddy DeFranco, Zoot Sims, Al Grey e Harry Allen. Dentre as inúmeras homenagens que Al recebeu ao longo da carreira, destacam-se a inclusão do seu nome no American Jazz Hall of Fame e na ASCAP Wall of Fame.

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