Considerado um dos maiores contrabaixistas em atividade, Rufus Reid nasceu no dia 10 de fevereiro de 1944, na cidade de Atlanta, Geórgia. Ainda na infância, mudou-se com a família para Sacramento, na Califórnia, iniciando ali seus estudos musicais. O primeiro instrumento a que se dedicou foi o trompete, tendo participado de várias orquestras na Sacramento High School. Com a conclusão do ensino médio, ingressou na Força Aérea, sendo destacado para o serviço militar na base Maxwell Field, em Montgomery, no Alabama.
Durante seus momentos de folga na corporação, começou se dedicar seriamente ao estudo do contrabaixo, seguindo o método de Bob Haggart, mais conhecido por seu trabalho na “The World’s Greatest Jazz Band”, grupo “all stars” que se apresentou seguidamente a partir de 1974 no “Festival de Nice”. Seu primeiro trabalho como baixista profissional, tocando contrabaixo elétrico, foi na banda de Al Stringer, que se apresentava em clubes da região, com um repertório basicamente voltado para o “rhythm and blues” e os sucessos da época. Pouco depois, o diretor musical da orquestra da Força Aérea o arregimentou para tocar o contrabaixo acústico.
Ainda durante o serviço militar, ele foi designado para uma base no Japão, onde, por acaso, ouviu uma gravação de Ray Brown e ficou completamente apaixonado pela sonoridade do lendário contrabaixista. Quando Ray Brown foi ao oriente, em uma excursão, Reid teve a honra de ciceroneá-lo e durante duas semanas pôde conviver de maneira bastante próxima com o ídolo.
Dispensado do serviço militar em 1966, Rufus retornou a Sacramento, onde passou a tocar com Buddy Montgomery, irmão do grande Wes Montgomery. Após essa experiência, ele foi morar com um irmão em Seattle, onde estudou com James Harnett, integrante da orquestra sinfônica daquela cidade. Em 1969 se muda novamente, desta feita para Chicago, e inicia os estudos na Northwestern University, em Evanston, Illinois. Dentre seus professores, estavam Warren Benfield e Joseph Guastefeste, ambos pertencentes à Chicago Symphony. Concluiu o curso de bacharel em música em 1971, obtendo a qualificação de “Performance Major on the Double Bass”.
Trabalhando intensamente em Chicago, Rufus foi contratado pelo empresário Joe Segal para trabalhar como integrante da banda do “The Jazz Showcase”, clube localizado no “North Park Hotel”, por onde passaram nomes como Ira Sullivan, Frank Morgan, Larry Coryell, McCoy Tyner, Dexter Gordon e muitos outros. O clube foi palco das gravações do álbum “Chicago Revisited”, do formidável pianista Ahmad Jamal, em 1992. Ali Reid teve a oportunidade de tocar com diversos expoentes do jazz, como Gene Ammons, Dexter Gordon, Kenny Burrell, Lee Konitz, James Moody, Harold Land, Bobby Hutcherson, Roy Haynes, Philly Joe Jones e outros.
Em 1970 o clube sediou uma série de concertos em homenagem a Charlie Parker, e o baixista fez parte de uma banda que contava com os talentos de Red Rodney, Kenny Dorham, Ray Nance e Howard McGhee. Naquele mesmo ano, Rufus fez as suas primeiras gravações como “sideman”. Pouco depois, acompanharia figuras do gabarito de Eddie Harris, Harold Land e Bobby Hutcherson em suas temporadas européias.
Na primeira metade dos anos 70 Reid passou a se dedicar ao ensino, não apenas para escapar da rotina de viagens e concertos, mas também como forma de juntar economias e obter uma maior estabilidade financeira. Durante uma visita a Nova Iorque, conheceu o grande contrabaixista Richard Davis e, inspirando-se em suas múltiplas atividades, resolveu fazer o mesmo – passou a lecionar e também a atuar em orquestras da Broadway, sem esquecer o trabalho como sideman. Nessa qualidade, participa de álbuns de Eddie Harris, agrega-se à Thad Jones / Mel Lewis Orchestra (na qual permanece alguns anos) e faz parte da seção rítmica de Nancy Wilson.
Já bastante envolvido com a educação musical, Rufus lança pela “Columbia Pictures Publications”, em 1974, o método “The Evolving Bassist”, considerado um dos mais completos livros didáticos sobre o contrabaixo jazzístico. Em 2003 o livro foi relançado, acompanhado de um DVD que, além das aulas práticas, apresenta o baixista em um concerto ao lado dos ótimos Mulgrew Miller e Lewis Nash. Outro livro de sua autoria é “Evolving Upward – Bass Book II”, publicado em 1977.
Entre 1977 e 1978, Rufus assume o contrabaixo da banda de Dexter Gordon, realizando diversas temporadas com o saxofonista e participando de gravações, com destaque para o álbum “Sophisticated Giant”. Gravou também, em 1979, o álbum “Love Song”, sob a liderança do pianista George Cables. Em 1980 Reid inicia uma longa associação com o “William Paterson College”, de Nova Jérsei, onde dirigiu o “Jazz Studies and Performance Program”. Ainda naquele ano, faz a sua primeira gravação como líder (“Perpetual Stroll”, para o selo Sunnyside, secundado pelo pianista Kirk Lightsey e pelo baterista Eddie Gladden).
A partir de 1984 Rufus monta um trio com Terri Lyne Carrington e Jim McNeely. Outro projeto de grande relevo foi o grupo Tana-Reid, um quinteto nos moldes dos Jazz Messengers, co-liderado pelo baterista Akira Tana. A banda se manteve em atividade de 1990 a 2001 e gravou cinco álbuns: “Yours and Mine” e “Passing Thoughts”, para a Concord Records e “Blue Motion”, “Looking Forward” “Back To Front”, para o selo Evidence Music.
Reid tem sido uma figura constante nos palcos e estúdios de gravação ao longo dos últimos 40 anos, com surpreendente ecletismo de parceiros e de estilos. Como sideman, emprestou seu talento para gente como Kenny Dorham, Eddie Harris, Thad Jones, Muhal Richard Abrams, Andrew Hill, Dexter Gordon, J. J. Johnson, Gene Ammons, Lee Konitz, Henry Threadgill, Art Farmer, Ran Blake, Tommy Flanagan, Eddie Daniels, Hamiet Bluiett, Helen Merrill, Kenny Burrell, Jim Hall, Jimmy Heath, John Stubblefield, Jack DeJohnette, Frank Foster, Frank Wess, James Williams, Nancy Wilson, Bob Mintzer, George Cables, Billy Hart, Sonny Stitt, Don Byas, Bill Evans, Bobby Hutcherson, Etta Jones, Mel Tormé, Kenny Barron, Cláudio Roditi, Tete Montoliu, Benny Golson, Joe Henderson, Jane Ira Bloom, Conrad Herwig, Nick Brignola e uma infinidade de outros.
Em seus álbuns como líder, lançados por selos como Double Time Records, Wave Records, Concord, Sunnyside e Motéma Records, ele sempre fez questão de se cercar de alguns dos mais brilhantes músicos da atualidade, como Bobby Watson, Harold Danko, Tom Harrell, Rob Schneiderman, Jesse Davis, Kenny Burrell, Ralph Moore, Gene Bertoncini e Kevin Eubanks, além dos brasileiros Toninho Horta e Duduka da Fonseca. Gravou álbuns em dueto com os baixistas Michael Moore (“Intimacy of the Bass”, 1999, Double-Time Records) e Peter Ind (“Alone Together, 2000, Wave Records).
Considerado um dos melhores álbuns de sua relativamente curta discografia como líder, “The Gait Keeper” traz algumas das melhores performances de Rufus e revela um pouco do seu talento composicional. O disco, gravado entre os dias 31 de julho e 1º de agosto de 2002, foi lançado pela Sunnyside e reúne peças compostas por Reid para a Cornell University Jazz Ensemble, big band formada por alunos e professores daquela renomada universidade. Apenas duas das oito faixas não foram compostas pelo baixista, que está acompanhado por músicos pouco conhecidos mas extremamente competentes: o saxofonista Rich Perry, o trompetista Fred Hendrix, o pianista canadense John Stetch e o baterista Montez Coleman.
O disco abre com “The Meddler”, cuja estrutura fragmentária e evasiva remete ao Coltrane da segunda metade dos anos 60. O contrabaixo, incansável, não apenas faz o aporte rítmico, mas também sublinha as frases dos demais solistas, em um trabalho de pura ourivesaria sonora. Reid elabora riffs infecciosos e seu solo é pujante, robusto e sumamente criativo. A sonoridade de Stetch se mostra fluida e bastante articulada, enquanto trompete e saxofone executam um diálogo repleto de dissonâncias.
A serpenteante “Ode to Ray” é uma homenagem de Reid ao ídolo Ray Brown e nela o quinteto flerta discretamente com a música oriental, com uma belíssima performance de Coleman. O líder constrói frases extremamente eloqüentes e seu sentido harmônico é estupendo, com direito ainda a um majestoso solo, usando o arco com extrema maestria. Destaque também para Perry, oriundo da orquestra de Maria Schneider e da banda do pianista Fred Hersch, e sua abordagem imprevisível, à Joe Henderson.
“Whims of the Blebird” é um mergulho nas águas do bop contemporâneo, com um trabalho notável do pianista Stetch, bastante seguro do ponto de vista rítmico e extremamente inventivo no que tange à capacidade de improvisar. Hendrix, usando a surdina, possui um apurado senso melódico e sua abordagem, repleta de texturas, mesmo usando poucas notas, lembra o minimalismo de Miles Davis. A integração entre contrabaixo e bateria também merece uma audição bastante atenta.
“Falling in Love” é um tema de autoria do vibrafonista e pianista Victor Feldman. Hipnótica e pouco ortodoxa, é uma balada sombria, na qual os instrumentos parecem flutuar. Hendrix é o maior destaque individual, desta feita usando o flugelhorn de maneira deveras convincente. “The Gait Keeper”, faixa que dá nome ao disco, começa com uma primorosa intervenção de Coleman. Pouco a pouco, os outros instrumentos vão sendo agregados e constroem uma melodia cheia de alternâncias harmônicas. Post-bop em sua essência, remete aos discos de Wayne Shorter para a Blue Note na década de 60, associação que fica ainda mais evidente ao se ouvir o formidável trabalho de Perry.
A contagiante “You Make Me Smile” é temperada com ritmos afro-caribenhos, com direito a participações entusiásticas de Perry e Hendrix. “Celestial Dance” é outro tema complexo, elaborado sobre bases harmônicas quebradiças e melodia labiríntica. O som volumoso de Reid conduz a harmonia com inquestionável autoridade, intercalando momentos reflexivos com andamentos mais velozes. O piano de Stetch soa como uma inebriante cascata de acordes, enquanto o trompete de Hendrix pontua as frases mais dramáticas com furiosa veemência.
A faixa de encerramento, “Seven Minds”, é uma composição do grande Sam Jones. A longa introdução mostra uma das especialidades de Reid, que é o trabalho com o arco. Tocando sem nenhum acompanhamento, ele, em seguida, começa a usar a técnica de pizzicato, quando só então os demais instrumentos se apresentam. Hard bop vibrante e matizado, o tema serve como veículo para exibições empolgantes de Perry, Stetch e Hendrix.
O sempre atento Pedro “Apóstolo” Cardoso, assevera, com grande propriedade, que Rufus “é um solista da nova geração, com muitas imaginação e velocidade, sempre mantendo a característica de igualdade de som em todos os registros. Sua grande facilidade e soltura rítmica permitem a construção de linhas de baixo, combinando elementos harmônicos convencionais e mudanças imprevisíveis de tessitura. Quando utiliza o arco Rufus inspira-se claramente nos músicos clássicos, com sonoridade que beira o suspense”.
Reid é um emérito colecionador de prêmios e homenagens. Recebeu o “Humanitarian Award”, em 1997, concedido pela “International Association Of Jazz Educators”. Foi nomeado “Jazz Educator Achievement Award” em 1998, pela “Bass Player Magazine”. Em 1999 ganhou o título de “Outstanding Educator”, novamente pela “Internacional Association Of Jazz Educators” e em 2001 recebeu o “The Distinguished Achievement Award”, dado pela “International Society Of Bassists”.
Seu trabalho como compositor também tem sido objeto de inúmeras premiações. Em julho de 2000, sua composição “Skies Over Emilia” foi a vencedora do “Charlie Parker Jazz Composition Award”, concedido pela BMI Foundation, em uma competição cujos jurados eram o crítico Dan Morgenstern, o trombonista Slide Hampton e o saxofonista Lee Konitz. O prêmio de três mil dólares foi entregue durante o BMI Jazz Composers Workshop, realizado no Merkin Concert Hall, em Nova Iorque.
Em 2005 Rufus foi agraciado com o “Mellon Jazz Living Legacy Award”, concedido pela Mid-Atlantic Arts Foundation, por sua contribuição ao jazz e à educação musical, sendo considerado pela fundação outorgante como um “tesouro musical norte-americano”. No ano seguinte, o New Jersey State Council on the Arts concedeu-lhe o título de “Fellowship”. Em 2008 foi a vez da John Simon Guggenheim Memorial Foundation nomeá-lo “Guggenheim Fellow”.
O contrabaixista também envereda pela seara erudita com bastante desenvoltura, tendo participado de um concerto ao lado do pianista Andre Previn, da cantora lírica Kathleen Battle e da St. Lukes Chamber Orchestra, em 1992. Em 2003 Reid compôs “Linear Surroundings”, cuja execução ficou a cargo da The Chamber Music America, ligada à Doris Duke Charitable Foundation. Em 2006 compôs, a convite da “Sackler Composition Commission Prize”, uma suíte inspirada nas esculturas de Elizabeth Catlett. Dividida em quatro movimentos, a peça recebeu o nome de “Quiet Pride” e foi apresentada nas universidades de Connecticut, Storrs e Stanford.
Respeitado como intérprete, educador, compositor e arranjador, Rufus Reid é um dos mais requisitados músicos da atualidade e sua agenda é das mais concorridas. São concertos, gravações, oficinas e aulas em instituições como Rosa Parks Fine Arts High School, The Jamey Aebersold Summer Jazz Camps, The Steans Institute for Young Artists, The Stanford University Jazz Workshop, Lake Placid Institute e The Richard Davis Foundation for Young Bassists. Ele ainda encontra tempo para exercer a função de Diretor Musical do projeto “Jazz For Teens”, mantido pelo New Jersey Performing Arts Center, em Newark.
Para Benny Golson, o contrabaixista “não tem medo de correr riscos. Seu som é excelente e se mantém sempre em altíssimo nível. Como intérprete, ele é capaz de tocar em qualquer contexto. Rufus faz as coisas acontecerem da maneira mais eficaz possível, enriquecendo cada situação com extrema competência”. Fazendo eco às palavras do saxofonista, Ron Carter vaticina: “Rufus Reid é um dos baixistas mais honestos que eu conheço. Ele toca com conhecimento e respeito”.
O baixista vive com a esposa em Teaneck, Nova Jérsei. Aposentado como Professor Emérito do “William Paterson College”, onde lecionou por vinte e três anos, Reid costuma passar horas praticando com o seu contrabaixo alemão, fabricado por Josef Reiger em 1805. Em uma entrevista recente, declarou: “Eu me orgulho de conseguir tocar sem ter conhecimento prévio da situação musical que vou encontrar. Não saber como a música vai se desdobrar é sumamente excitante. Para mim, isto é o verdadeiro significado do jazz. Eu vivo para o desconhecido!”
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