É que padeço de três fomes,
Se de ti fiz alguma espécie de sonho,
E ouvia o estalar das águas do rio que atravessa a aldeia,
Agora desperto aterrado por mais uma madrugada estéril,
Se te desejo no acalanto dos dias imberbes,
É que ainda me vergo às dores de amores,
Se os anos me devassam e continuo a remoer a indiferença,
É que o teu holograma ainda me incomoda as retinas
Cerrei os olhos, mas continuei perceber a tua ausência
E tudo deu lugar ao silêncio vívido.
Os dias assépticos vêm e se vão
Enquanto a valsa de chumbo ecoa pelo corredor deserto
Eu renego o itinerário das sentimentalidades
E me aferro à eloqüência do desterro.
Sinto o cardume de traças a corroer-me a alma vazia,
Inquieta-me apenas o espectro do teu sorriso
Apagado, morto, quase esquecido,
Ainda assim, um sorriso
Um sorriso de angústia ou medo,
Mas ainda um sorriso
Que agora se apaga lentamente...
Tu, ao lado de quem eu construiria os meus castelos,
Tu, que és somente indiferença e arrependimento,
Tu, cujo nome ainda escrevo pelas paredes da cidade enclausurada,
Tu, a quem estes versos haverão de dizer nada...
Rabisco as poucas sílabas do meu devaneio
Mas as palavras não recompõem teu rosto
Desenho o rumor do teu vestígio
E ele é sépia como a cor do abandono
Mas sei que tu nem passas por aqui.
Disseram que alguém andou a escrever pelos muros da cidade,
Palavras insensatas sobre o amor.
Continuo a buscar-te no entremeio das horas,
Qual um centauro ensandecido,
Percorrendo a fímbria demencial das madrugadas,
E o grito surdo ainda congela em minha traquéia.
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O nome do tenorista Charlie Rouse, nascido a 06 de abril de 1924, em Washington, será sempre associado ao de Thelonious Monk, com quem tocou de 1959 a 1970, numa das associações mais prolíficas e criativas da história do jazz. Seu primeiro instrumento foi a clarineta, trocada pelo sax tenor ainda na adolescência. Nos anos 40 iniciou sua carreira profissional, tocando nas orquestras de Billy Eckstine, Dizzy Gillespie, Count Basie e do conterrâneo Duke Ellington. Nos anos 50, já fixado em Nova Iorque, tocou com Clifford Brown, Herbie Mann, Oscar Pettiford, Art Farmer, Julius Watkins e Buddy Rich.
Mesmo integrando o quarteto de Monk, Rouse gravou alguns álbuns como líder nos anos 60, para selos como a Riverside, Blue Note e Columbia e acompanhou músicos como Miles Davis, Nat Adderley, Benny Carter e Sonny Clark. O interesse pela música latina e pela bossa nova levou-o a gravar o bem sucedido “Bossa Nova Bachanal”, ao lado de Kenny Burrell, McCoy Tyner e Patato Valdes. Nos anos 70, já como freelancer, acompanhou Carmen McRae, Howard McGhee e Duke Jordan. Nos anos 80 tocou com Wynton Marsalis e integrou o projeto Sphere, dedicado a reinterpretar a obra de Thelonious Monk. Morreu no dia 30 de novembro de 1988, vitimado por um câncer no pulmão.
Embora não seja considerado um grande inovador, Rouse é um músico confiável e bastante habilidoso, possuindo um amplo domínio do idioma bop e uma formação eclética, que inclui passagens por orquestras de swing e R&B. Seus solos são muito bem concebidos e geralmente apresentam um alto grau de complexidade técnica. Uma excelente oportunidade de conhecer melhor o seu trabalho é o álbum “Takin’ Care Of Business”, gravado para a Prestige em 11 de maio de 1960, com produção de Orrin Keepnews.
Além de Rouse, integram o quinteto Blue Mitchell (trompete), Walter Bishop, Jr. (piano), Earl May (baixo) e Art Taylor (bateria). Duas músicas de Randy Weston, as belíssimas “204” e “Pretty Strange”, demonstram o quanto Rouse, habituado às sinuosidades do patrão Monk, é um saxofonista versátil e criativo. A acelerada “Wierdo”, de Kenny Drew, é o ponto alto do disco, exigindo dos músicos, em especial de Rouse e Mitchell uma alta dose de vitalidade, com destaque também para o solo extraordinário de Bishop. A presença do talentoso Mitchell, um trompetista de grandes recursos e autor do ótimo blues “Blue Farouq”, é bastante estimulante.
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