...MENOS A LUÍZA E O RENÉ THOMAS, QUE ESTÃO NO CANADÁ!
Música e outras coisas

...MENOS A LUÍZA E O RENÉ THOMAS, QUE ESTÃO NO CANADÁ!





Os óculos de aros grossos davam a René Thomas um aspecto grave e austero. Quem o via pela primeira vez podia imaginá-lo como um rigoroso professor de física ou um compenetrado gerente de banco. Nada mais falso, pois além de ser uma figura bem-humorada e até irreverente, Thomas era “um poeta da guitarra, cujo temperamento, por vezes, chegava a ser deliciosamente errático”, como bem definiu o crítico francês Alain Tercinet.

Esse guitarrista belga nasceu em Liége, no dia 25 de fevereiro de 1926 (embora exista alguma controvérsia acerca do ano, havendo alguns historiadores que afirmam que ele nasceu em 1927). De qualquer forma, 1926 foi um ano maravilhoso para o jazz, pois foi quando vieram ao mundo expoentes como John Coltrane, Bud Shank, Miles Davis e outro grande nome do jazz belga, o saxofonista Bobby Jaspar, que futuramente seria um grande amigo de Thomas e seu parceiro em incontáveis aventuras musicais.

Suas primeiras lições de guitarra foram recebidas quando ele tinha dez anos, pelas mãos de um amigo italiano de sua irmã mais velha, Juliette. Em pouco tempo, influenciado por Django Reinhardt, descobre o jazz e apaixona-se perdidamente pelo estilo. Com apenas treze anos René já acompanhava a cantora Maria Drom e o saxofonista Raoul Faisant. Em 1943 ele entra em um estúdio pela primeira vez, em Bruxelas, quando integrava a orquestra do acordeonista belga Hubert Simplisse.

Com a chegada das tropas norte-americanas à Europa, durante a II Guerra Mundial, houve uma intensa troca de informações musicais e a juventude de países como França, Inglaterra e Bélgica mergulhou de cabeça no jazz. Sempre que possível, esses jovens fãs ouviam os famosos V-discs, com gravações feitas por alguns dos maiores jazzistas da época e que eram distribuídos no front europeu, a fim de entreter os soldados nos intervalos entre os combates.

Quando ainda era um adolescente, Thomas teve a oportunidade de tocar em uma gig com o ídolo Reinhardt. O veterano guitarrista ficou tão impressionado com o talento do rapaz que lhe deu de presente uma foto autografada, com a seguinte dedicatória: “Para o futuro Django”. Ao mesmo tempo, o guitarrista ia apurando a sua técnica em jams com outros jovens músicos belgas como os saxofonistas Bobby Jaspar e Jacques Pelzer (os três formariam o primeiro grupo belga inteiramente voltado para o idioma do bebop, os “Bop Shots”), o baixista Benoît Quersin, o vibrafonista Sadi Lallemand e o pianista Francy Boland (que nasceu na Suíça, mas se mudou para a Bélgica com a família logo após a II Guerra Mundial).

Em 1950, René, Jaspar e Pelzer descobrem o cool jazz, identificando-se, imediatamente, com as intrincadas harmonias criadas por Lennie Tristano e seus seguidores, como os saxofonistas Lee Konitz e Warne Marsh e o guitarrista Billy Bauer. Em 1952, com a morte do pai, René passa a trabalhar na empresa da família, uma pequena fábrica de sacos de aniagem, mas as perspectivas de uma vida burocrática o deixam bastante desconfortável.

O espírito aventureiro e o amor pelo jazz impelem Thomas a se mudar, no ano seguinte, para Paris, então considerada a capital européia do jazz. Ali, o guitarrista iria se sentir em casa, pois muitos dos seus amigos belgas, como Bobby Jaspar e Benoît Quersin, também estavam residindo na capital francesa e ele não demorou a se adaptar ao movimentado cenário jazzístico local, tornando-se um dos mais assíduos freqüentadores das jams que rolavam nos clubes do bairro boêmio de St. Germain-des-Pres.

René tocou com músicos franceses, como os pianistas Martial Solal, Henri Renaud e René Urtreger, os saxofonistas Guy Laffite, Serge Monville e André Ross, os baixistas Jean Marie Ingrand e Pierre Michelot, os bateristas Daniel Humair, Jean-Louis Viale e Pierre Lemarchand e o guitarrista Sacha Distel. Também teve a oportunidade de acompanhar vários músicos norte-americanos estabelecidos ou em visita à França, como Kenny Clarke, Chet Baker e o também guitarrista Jimmy Gourley, que o apresentou ao trabalho de Jimmy Raney.  

O impacto das gravações de Raney, especialmente aquelas feitas com Stan Getz, foi fundamental para que Thomas depurasse seu estilo e adotasse uma nova abordagem. Seu fraseado passou a ser ainda mais fluido e límpido, deixando um pouco de lado a influência de Django em sua forma de tocar. Em abril de 1954 René grava o seu primeiro álbum como líder, para a Barclay. Para a mesma companhia, gravaria o seu segundo LP, em março de 1956. Quase 50 anos depois, os dois discos seriam relançados na série “Jazz in Paris”, da Gitanes, reunidos em um único CD, “The Real Cat”, com uma impecável qualidade sonora.

Embora esses discos tenham despertado a atenção da crítica, nenhum dos dois obteve vendagens expressivas, o que deixou Thomas bastante frustrado. Além disso, seu grande amigo Bobby Jaspar havia se mudado para os Estados Unidos e se fixado em Nova Iorque, fato que o encorajou a tentar a vida na América do Norte. Seu destino seria, primeiramente, o Canadá, onde sua irmã estava morando há algum tempo. Em abril de 1956 ele tomou um navio rumo a Montreal, mas quando a embarcação parou em Nova Iorque, para fazer alguns reparos técnicos, Thomas decidiu permanecer na Meca do Jazz.

O belga causou sensação nos clubes da cidade e se apresentou ao lado de alguns dos mais importantes músicos do período, como Stan Getz, Miles Davis, J. R. Monterose, Jim Hall, Toshiko Akiyoshi, Zoot Sims, Al Cohn, Tal Farlow, Jackie McLean, Jimmy Raney, Cecil Payne, Al Haig e Sonny Rollins, com quem chegou a gravar e a excursionar pelos Estados Unidos. Rollins ficou tão impressionado com a habilidade de Thomas que declarou à época: “René é o maior guitarrista europeu em atividade e eu creio que mesmo nos Estados Unidos seja quase impossível encontrar alguém tão talentoso”.

Somente em 1958 é que Thomas aporta no Canadá, dividindo-se entre Montreal e Quebec. Pesou nessa decisão a possibilidade de se comunicar na língua francesa e também a proximidade com os Estados Unidos, o que lhe permitia se apresentar com freqüência no país vizinho. Em pouquíssimo tempo estava realizando concertos na Sociedade de Jazz de Montreal, à frente de um trio formado pelo baixista Neil Michaud e pelo baterista Jose Bourguignon.

René cumpriu uma extensa agenda de shows no território canadense, além de ter feito diversos trabalhos para o rádio e a TV. Em dezembro daquele ano foi contratado para ser atração fixa do Little Vienna, em Montreal, e na qualidade de anfitrião costumava receber no palco do clube uma infinidade de músicos importantes em turnê pelo Canadá, como Jimmy Giuffre, Jim Hall, J. R. Monterose, Jackie McLean, Duke Jordan e o compatriota Toots Thielemans.

Geralmente trabalhando no formato de trio, Thomas teve a seu lado alguns dos principais nomes do jazz canadense, como os baixistas Stan Zadak, Bob Rudd e Fred McHugh e os bateristas Pierre Beluse, Billy Osborn e Billy Barwick. Em abril de 1960, o guitarrista volta a se reunir com o amigo Bobby Jaspar, para gravar a trilha sonora do filme “La Femme Image”, dirigido pelo cineasta e fotógrafo belga Guy Borremans, que na época também morava no Canadá. O filme é considerado a primeira produção canadense independente e junto com Thomas e Jaspar estão Freddie McHugh (contrabaixo) e George Braxton (bateria).

O ano de 1960 marca, também, a gravação de “Guitar Groove”, o primeiro – e, infelizmente, único – disco de Thomas nos Estados Unidos. Para a ocasião, ele se cercou de músicos extremamente talentosos, como o jovem pianista Hod O'Brien, o contrabaixista Teddy Kotick, o saxofonista J. R. Monterose e o baterista Albert “Tootie” Heath. O álbum foi gravado em duas sessões distintas, realizadas nos dias 07 e 08 de setembro, para a Jazzland, com produção de Orrin Keepnews.

A exuberante “Spontaneous Effort”, de autoria de Monterose, abre o disco e desde a sua introdução, a cargo de um encapetado Heath, o ouvinte percebe que está diante de um tema da melhor linhagem bop. O fraseado elegante de Thomas pontua o tema o tempo inteiro e seus solos são dinâmicos e envolventes, com direito a uma bem-humorada citação ao hit “El Manisero”. Monterose é um saxofonista hábil e de grandes recursos técnicos, e O’Brien, com pouco mais de 23 anos, já se mostra um improvisador criativo e fluente.

“Ruby, My Dear” talvez seja a mais pungente composição de Thelonious Monk e o arranjo elaborado pelo quinteto é ousado, chegando a tomar algumas liberdades harmônicas, mas que não a descaracterizam, Ao contrário, apenas realçam a beleza e o lirismo do tema. A abordagem aveludada de Monterose, tributária da escola de Lester Young, e o dedilhado hipnótico do líder tornam a versão uma das mais arrebatadoras já concebidas.

Monterose não participa de “Like Someone in Love”, composta por Johnny Burke e James Van-Heusen. O quarteto executa a canção com arrojo, desenvoltura, e uma levada em tempo médio irresistível. Os solos de Thomas não são rápidos ou explosivos, pois ele mais se assemelha um artesão de sons. Seus improvisos são sempre melodiosos, como se as notas fossem sendo esculpidas com parcimônia e delicadeza. Kotick e Heath possuem uma abordagem mais inflamada e não hesitam em despejar sobre o tema quantidades astronômicas de histamina.

“MTC” é a segunda composição de Monterose incluída no disco e também se notabiliza pelo andamento rápido, pela exuberância rítmica e pelos improvisos desafiadores, especialmente por parte do saxofonista e do líder da sessão, cuja sonoridade cristalina se impõe mesmo nos tempos mais acelerados. A seção rítmica tem uma atuação incisiva e pulsante, providenciando o alicerce sonoro ideal para os diálogos fulgurantes entre saxofone e guitarra.

Miles Davis comparece com a inebriante “Milestones”, cujo arranjo se notabiliza pelas harmonias imprevisíveis e por uma atuação devastadora de Heath. O baterista é vibrante, energético e contagia os demais companheiros com seu entusiasmo. O sempre afiado Thomas engendra improvisos complexos, esteticamente impecáveis, sem jamais perder de vista a linha melódica, enquanto Monterose mantém uma abordagem solidamente lastreada no melhor da tradição bop.

Na única balada do disco, “How Long Has This Been Going On?”, dos irmãos Gershwin, Thomas se apresenta secundado apenas pelo baixista e pelo baterista. A bordo do trio, sua habilidade nos temas lentos se evidencia com enorme autoridade. Seus arpejos são delicados e suas investigações da melodia, minuciosamente trabalhadas, são repletas de texturas e sutilezas. O lirismo da execução se completa com a sobriedade de Kotick e Heath, que aqui utiliza as escovas com preciosa discrição.

Com uma introdução levemente temperada com um sabor oriental, “Green Street Scene” é mais um petardo da lavra de Monterose. Novamente em formação de quinteto, Thomas expõe suas qualidades de grande criador de harmonias, de forma bastante fiel ao estilo cool que ele tanto preza. Descrito por seus pares como um excepcional guitarrista, seu trabalho ainda permanece em relativa obscuridade, embora esse álbum tenha predicados para figurar, com louvor, entre os mais encantadores da década de 60. O crítico Scott Yanow, além de atribuir nota máxima ao disco, não poupou elogios. Para ele, o líder “está em ótima forma, criando uma sonoridade requintada, por vezes econômica, e um sofisticado fluxo de tons. ‘Guitar Groove’ é, sem dúvida, o mais consistente trabalho de Thomas como líder”.

Em março do ano seguinte, René recebe o “Jazz At Its Best Award”, na categoria de melhor guitarrista, em um concurso promovido pela rádio CBC, de Montreal. Em julho ele volta pela primeira vez à Europa, e não perde tempo. Monta o International Jazz Quintet com os antigos parceiros Bobby Jaspar no sax tenor e na flauta, René Urtreger no piano, Benoit Quersin no contrabaixo e Daniel Humair na bateria. O grupo excursiona pela França e Bélgica, sempre com ótima receptividade por parte do público.

Em agosto, Thomas volta a Montreal e tem a honra de abrir o famoso festival de jazz daquela cidade, juntamente com seu trio formado pelo baixista Freddie Mac Hugh e o baterista Pierre Beluse. Apesar da carreira consolidada no Canadá, ele decide retornar, em definitivo, à Europa, dividindo-se entre a França e a Bélgica. Na terra natal, organiza um novo grupo com Jaspar, desta feita completado por Maurice Vander (piano), Michel Gaudry (contrabaixo) e Jean-Louis Viale (bateria). Face à incompatibilidade de agendas de seus integrantes, a banda foi desfeita no final daquele mesmo ano, após uma bem-sucedida temporada de três meses no clube Blue Note de Bruxelas.

No início de janeiro de 1962, Thomas se reúne novamente a Jaspar, Quersin e Humair, formando o International Jazz Quartet, que com essa formação viaja para a Itália, a fim de realizar alguns shows naquele país.  Mal os quatro aterrissaram em Roma e foram logo convidados a acompanhar o astro Chet Baker em uma gravação. Realizada no dia 05 de janeiro para a RCA, a sessão resultou no disco “Chet Is Back”, que marca o retorno do trompetista ao circuito jazzístico, após ter passado quase um ano preso, em decorrência do consumo e porte de entorpecentes. Contando com a adição do pianista italiano Amedeo Tommasi, o álbum é considerado uma verdadeira obra-prima na discografia de Baker e o sexteto atinge um grau de entrosamento quase telepático.

O guitarrista aproveitou a ocasião para participar da trilha sonora do filme “Una Storia Milanese”, de Eriprando Visconti (sobrinho do renomado Luchino Visconti), composta e executada por John Lewis e gravada no dia 17 de janeiro. O álbum foi lançado pela Atlantic com seu título em inglês, “A Milanese Story”, e também conta com as participações de Bobby Jaspar, Buster Smith e Giovanni Tommaso.

Após a temporada italiana, o International Jazz Quartet segue para a Inglterra, onde se apresenta no célebre Ronnie Scott's Club durante duas semanas. Em março, Thomas e Jaspar voltam à Itália, para uma excursão com Chet Baker, em uma banda que contava com Amedeo Tommasi no piano, Franco Mondini na bateria e Giovanni Tommaso no contrabaixo. Com essa formação, o grupo se apresentou em cidades como Livorno e Lucca.

Thomas permaneceu na Itália por algum tempo tocando em festivais como os de Bolonha e Modena. No primeiro, como acompanhante do pianista Kenny Drew, cujo trio contava com o baixista Giovanni Tommaso e o baterista Larry Ritchie. No segundo, René voltou a se apresentar com Chet Baker, tendo como companheiros de banda Bobby Jaspar (sax tenor), Jacques Pelzer (sax alto), Amedeo Tommasi (piano), Giovanni Tommaso (baixo) e Franco Mondini (bateria).

De volta à França, o guitarrista marcou presença no Antibes Jazz Festival, agora a bordo de um trio com o organista Jimmy Smith e o baterista Donald Bailey. Em outro festival realizado no território francês, o de Comblain, ele se apresenta com o saxofonista Jacques Pelzer, o organista Lou Bennett e o baterista Kenny Clarke. A parceria com Bennett seria uma das mais prolíficas e nos próximos anos os dois trabalhariam juntos em incontáveis ocasiões, inclusive no álbum “Meeting Mr. Thomas”, gravado para a Barclay em março de 1963 e também disponível em CD na série “Jazz in Paris”.

Nas notas desse disco, Bennett fala um pouco do parceiro: “Eu adoro o seu estilo. Ele tem algo de Django, mas assimilou uma porção de coisas novas durante a sua temporada na América. Eu gosto muito da sua sonoridade, que parece vir de um instrumento não eletrificado. Você pode ouvir as cordas quando ele toca. Ele realmente sabe fazer a sua guitarra cantar, parece que está tocando com um arco e não com uma palheta. René sabe criar nuances sonoras e é, de fato, um músico muito especial”.

Em julho de 1968, Thomas cumpre novamente o roteiro dos festivais de jazz italianos. O primeiro deles foi o Palermo Pop Festival, que teve como atrações não apenas astros do jazz, como as orquestras de Duke Ellington e Kenny Clarke-Francy Bolland, mas também da música pop, como Aretha Franklin e os Rolling Stones. Como curiosidade, a brasileira Elza Soares participou daquela edição do festival. Em seguida, René se apresentou no festival de Pescara, desta feita como convidado do pianista Georges Arvanitas.

Até o final da década, Thomas trabalharia exaustivamente, apresentando-se pela Europa como líder de seus próprios grupos ou acompanhando gente do gabarito de Sonny Criss, Jacques Pelzer, Ingfried Hoffmann, Rein De Graaff, Lee Konitz, Charlie Rouse, Frank Dunlop, Kenny Drew, Paul Gonsalves e Lucky Thompson. Concertos e festivais em países como Inglaterra, França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Espanha e Suécia eram uma constante na vida do guitarrista.

De meados de 1969 ao final de 1970, manteve um trio de grande sucesso em Paris, juntamente com o organista Eddy Louiss e o baterista Kenny Clarke (logo substituído por Bernard Lubat). De passagem por Paris, Stan Getz assistiu a uma apresentação do grupo no Appolo Club e ficou chapado com o que viu e ouviu, não hesitando em contratá-los. Chamou seu novo grupo de “European Band” e com essa formação gravou, em março de 1971, o álbum ao vivo “Dynasty” (Polydor), durante uma temporada no clube Ronnie Scott’s, em Londres. A produção ficou a cargo de George Martin, famoso por haver produzido vários álbuns dos Beatles.

Ainda naquele ano, Getz e seus comandados se apresentam no Mexico Jazz Festival, na Cidade do México. Após a apresentação, foram todos jantar na casa de João Gilberto, que naquele período desfrutava de um confortável exílio mexicano. Durante o restante do ano, Getz excursiona pela Europa, permanentemente acompanhado por Thomas, fazendo apresentações no Reino Unido, França, Bélgica, Portugal, Holanda e Alemanha.

Em 1972, Getz desfez a “European Band” e Thomas seguiu seu caminho, sempre trabalhando bastante. Tocou nos festivais de Utrecht, na Holanda, e Altena, na Alemanha, juntamente com o antigo parceiro Jacques Pelzer. Ainda acompanhado de Pelzer, René voltou em grande estilo à cidade natal, para se apresentar na primeira edição do Liege Jazz Festival. Durante o festival de Laren, na Holanda, reencontrou-se com o ex-patrão Sonny Rollins e os dois tocaram juntos, após um hiato de quase quinze anos.

René ainda tentou reeditar o trio com Eddy Louiss e Bernard Lubat, em 1973, mas após uma breve temporada na Riviera Francesa, os três decidiram se separar. O guitarrista voltou para Paris, montando um novo grupo, agora com o pianista Raymond Le Senechal. No ano seguinte, reuniu-se mais uma vez ao organista Lou Bennett, tendo Al Jones na bateria. Quando os três excursionavam pela Espanha, Thomas sofreu um infarto fulminante, no dia 03 de janeiro de 1975, na cidade de Santander. Tinha apenas 48 anos.

Ao saber da morte do amigo, Jacques Pelzer teria comentado: “René era o ouvido, o fogo, técnica, a idéia, a musicalidade. Um guitarrista excepcional, com quem tive a honra de conviver e trabalhar por quase 30 anos. Quantas recordações maravilhosas! Adeus, René Thomas, meu eterno amigo”. Embora não tenha obtido em vida o reconhecimento à altura do seu talento, sua influência permanece viva, de alguma maneira, no trabalho de nomes como Larry Coryell, Joe Diorio, John McLaughlin e Philip Catherine, todos seus fãs assumidos.

Toots Thielemans não foi menos econômico nos elogios. Para ele, René “foi um músico inesquecível. Nós tocamos juntos poucas vezes, apenas em jam sessions. Ele era capaz de criar um som encantador, misturando técnica e emoção. Eu jamais esquecerei uma noite, no final dos anos 50, em que ele, que na época morava no Canadá, pegou sua Gibson, ligou em um velho amplificador e, por mais de meia hora tocou versões arrebatadoras de “Star Eyes” e “I’ll Remember April”. Seu toque é uma referência compulsória para qualquer guitarrista. Obrigado por tudo, René”.

Mas talvez o depoimento mais comovente tenha sido de Sacha Distel, ele próprio um excelente guitarrista de jazz. Arrasado com a notícia da morte de Thomas, ele revelou todo o seu carinho e sua admiração em poucas palavras: “René, meu grande amigo! Meu amigo genial! Vida, música e guitarra. Obrigado pelo fantástico concerto que você nos deu. Você certamente está fazendo uma grande festa no céu com Wes e Django!”


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PS.: Infelizmente, este álbum magistral se encontra fora de catálogo. Todavia, quem estiver no Rio de Janeiro pode facilmente encontrá-lo na Reco Records, a melhor loja de cds da Cidade Maravilhosa, afetuosamente administrada pelo querido Sérgio Sônico, personagem do recente livro "Rio Bossa Nova", do Ruy Castro. Basta ir ao calçadão do Leblon, na altura do Posto 12, e encomendar o seu exemplar - e de centenas de outras raridades do jazz e da bossa nova que ele tem em seu acervo. Milan e seu triciclo mágico estão lá todo domingo, a partir das 11:00 e além de ser um profundo conhecedor do jazz e da música em geral, ele também é um tremendo boa praça. Difícil vai ser comprar só um cd!

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