UM GÊNIO À SOMBRA DE POWELL E MONK
Música e outras coisas

UM GÊNIO À SOMBRA DE POWELL E MONK


Ira Gitler, nas notas do álbum “Trio And Quintet” (Blue Note 11498), faz um relato dramático e emocionante sobre o funeral do pianista e compositor Elmo Hope. Enquanto os alto-falantes da casa funerária rendiam-lhe homenagens, tocando sua composição “Monique”, seu pai, avançado em anos, soluçava abraçado ao caixão e, em desespero, gritava:

- Meu filho! Meu filho!

Essa cena permaneceu viva na memória do renomado crítico por mais de 20 anos. Elmo contava com quarenta e três anos no dia de sua morte, 19 de maio de 1967, e a sua importância para o desenvolvimento do jazz ainda não foi devidamente aquilatada. Muito embora seja um dos compositores mais originais do bebop, com uma obra que em muitos aspectos lembra a de Thelonious Monk, e capaz de executar ao piano temas de elevada complexidade harmônica, dignas de Bud Powell, a sombra desses gigantes sempre eclipsou a produção de Elmo.

Por uma série de fatores, Hope tampouco pôde dar vazão ao seu vulcânico potencial criativo, tendo gravado relativamente poucos álbuns como líder. Sobre essa circunstância, que certamente contribuiu para manter seu nome na obscuridade, merecem atenção as palavras de outro crítico bastante respeitado, David H. Rosenthal:

“No momento em que Monk e Powell haviam perdido o seu fogo criativo, Elmo Hope parecia destinado a assumir um lugar entre os melhores pianistas de jazz da história. Entretanto, ele teve pouca chance de realizar todas as suas potencialidades. Ao invés disso, ele deixou apenas alguns vislumbres daquilo que nós podemos intuir como uma carreira segura e completa”.

O garoto nascido em 27 de junho de 1923, no Bronx, Nova Iorque, iniciou os estudos de piano aos sete anos. Elmo teve como vizinho e amigo de infância ninguém menos que Bud Powell. Os dois costumavam passar horas ouvindo jazz e Bach. Aos catorze anos o jovem Hope era um pianista respeitado, mas as oportunidades para um pianista negro nos anos 40 eram remotas no âmbito da música erudita. Por isso voltou-se para o jazz e sua primeira oportunidade profissional foram os clubes, casas noturnas e dancings. Também tocou em bandas de R&B, merecendo destaque o período em que esteve na orquestra de Joe Morris (entre 1948 e 1951), onde também pontuavam Johnny Griffin, Philly Joe Jones e Percy Heath.

Em meados dos anos 50, tocou com músicos da estatura de Clifford Brown, Sonny Rollins, Lou Donaldson, Frank Foster, Kenny Dorham, Art Blakey, John Coltrane, Donald Byrd, Hank Mobley e Jackie McLean. Nessa época, já bastante envolvido com as drogas, Hope chegou a faltar a diversas sessões de gravação, o que valeria a pecha de músico pouco confiável. Certa feita, teve que ser substituído às pressas por Duke Jordan porque simplesmente não apareceu em uma gravação que faria sob a liderança de Gene Ammons. Também perdeu a sua licença para tocar em clubes e casas noturnas, em virtude do uso de drogas.

Por conta desses fatos e de uma progressiva desilusão com a cena musical de Nova Iorque, em 1957 resolveu mudar-se para Los Angeles. Embora tenha tido um relativo sucesso na cena local, tocando com Chet Baker, Lionel Hampton, Curtis Counce e Harold Land (no ótimo “The Fox”), Hope jamais se adaptou completamente à Cidade dos Anjos e volta e meia expressava o desejo voltar à Big Apple. O saxofonista Harold Land, impressionado com a habilidade de Elmo e sua assombrosa capacidade para compor, chegou a comentar que ele criava melodias com a mesma facilidade que uma pessoa normal escrevia uma carta.

Na Califórnia, casou-se com a também pianista Bertha Hope, em 1960. Descontente com a escassez de trabalho na Costa Oeste, Hope retornou a Nova Iorque em 1961, gravando na cidade natal o maravilhoso “Homecoming”, ao lado de Blue Mitchell, Frank Foster, Jimmy Heath, Percy Heath e Philly Joe Jones. Mas esse disco não teve o reconhecimento esperado, sobretudo por parte do público e Hope teve pouquíssimas oportunidades de gravar como líder depois disso. Chegou a ser preso no mesmo ano, 1961, fato que certamente influenciou o título do seu próximo álbum, gravado em 1963 e chamado “Jazz From Riker’s Island”, nome de uma célebre prisão americana.

Se a temporada californiana não rendeu a Elmo o almejado reconhecimento, pelo menos deu-lhe a oportunidade de gravar um disco verdadeiramente notável, em 1959, para a Contemporary. Trata-se de “Elmo Hope Trio”, gravado no dia 08 de fevereiro de 1959. Acompanham Hope o baixista Jimmy Bond (tocou com Chet Baker, Gene Ammons, Charlie Parker, Ella Fitzgerald, Dizzy Gillespie, George Shearing e Paul Horn) e o baterista Frank Butler (acompanhou Harold Land, Dave Brubeck, Miles Davis, John Coltrane, Curtis Counce e Duke Ellington).

O trio interpreta sete composições do líder e um standard, “Like Someone In Love”. A atmosfera romântica da canção de Jimmy Van Heusen e Johnny Burke adquire contornos de incontida melancolia, graças à delicadeza do toque de Hope. Suas qualidades como compositor são evidentes e sua habilidade como executante é inacreditável. Para ilustrar, nada melhor que “B’s A-Plenty”. Trata-se de um bebop pouco convencional, assentado no blues e com uma estrutura fragmentária e nervosa.

Como sucede com a obra de Monk, pode-se vislumbrar uma ligação bastante estreita, quase orgânica, entre o compositor e o executante. Essa característica foi muito bem observada por Hampton Hawes, outro soberbo pianista, que conviveu de forma bastante próxima com Hope, em seu período californiano. Para Hawes, Elmo era essencialmente um compositor-pianista que, “como Duke Ellington, ele tocava em um estilo próprio, que derivava do que ele compunha e o que ele compunha era muito bom”.

A balada “Barfly”, altamente lírica, traz citações a “I Remember Clifford” e um magistral trabalho de Bond. Em outra balada de grande complexidade, a intrigante “Eejah”, observa-se com mais nitidez a influência de Monk. Na acelerada “Boa”, chama a atenção o diálogo entre Hope e Butler, que se revela um baterista excepcionalmente criativo. Em “Something for Kenny”, com suas tinturas latinas e improvisações desconcertantes, mais uma vez o destaque é Butler, que executa solos belíssimos.

A vibrante “Minor Bertha”, uma homenagem à futura esposa, e a reflexiva “Tranquility” encerram o set. Findos os 43min53s do disco, o silêncio que se segue convida o ouvinte a fazer a seguinte indagação: como é possível que um músico tão original e criativo, possa ser tão pouco conhecido? Alguns dos grandes pianistas que integraram a primeira geração do bebop, como George Wallington, Walter Bishop Jr., Herbie Nichols, Al Haig e Dodo Marmarosa, também padecem do mesmo esquecimento. Contudo, nenhum deles, exceto Nichols, possui uma obra, do ponto de vista composicional, tão desafiadora, intrincada e pessoal quanto a de Hope.

Em 1967, a saúde frágil e a vida errática renderam a Elmo uma grave pneumonia, que o manteve por semanas a fio hospitalizado. Quando já estava em processo de recuperação, sofreu um infarto fulminante. Apesar de não estar presente nas célebres sessões do Minton’s que engendraram a transição do swing para o bebop, eis que na época atuava como músico em clubes do Greenwich Village e Coney Island, ele teve uma contribuição bastante relevante para o desenvolvimento do estilo ao piano.
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Todavia, jamais mereceu uma fração do reconhecimento que seus contemporâneos Bud Powell e Thelonious Monk tiveram. Nas palavras do trombonista Roswell Rudd, Elmo era um pianista fabuloso e “permanece sendo um dos segredos mais bem guardados da América”. Espera-se que não por muito tempo.



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