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Música e outras coisas

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Richard Kamuka foi um dos mais talentosos e versáteis músicos ligados ao West Coast Jazz. Dominava como poucos o sax tenor, além de tocar com maestria sax alto, clarinete, flauta, oboé e trompa. Ele nasceu na Filadélfia, estado da Pensilvânia, no dia 23 de julho de 1930. Na adolescência, iniciou os estudos musicais na “Mastbaum School”, ao mesmo tempo em que ouvia, incessantemente, os álbuns da banda de Count Basie, por causa do seu ídolo Lester Young.


Após a conclusão do curso, o saxofonista começou a atuar profissionalmente, sobretudo em gigs na cidade natal. Sua habilidade chamou a atenção de ninguém menos que Stan Kenton, que o contratou em agosto de 1951. Kamuca integrou uma das mais poderosas formações da big band de Kenton, onde marcavam presença talentos superlativos como Maynard Ferguson, Conte Candoli, Frank Rosolino, Bill Russo, Lee Konitz, Bill Holman, Sal Salvador, Stan Levey e incontáveis outros. Como curiosidade, saliente-se que Konitz foi contratado no mesmo dia que Kamuca e os dois se tornariam grandes amigos.


Ele permaneceu na orquestra do pianista e bandleader até 1953. Mesmo sendo bastante jovem e ladeado por alguns dos maiores nomes do jazz, o saxofonista conseguiu um grande destaque como solista. Com efeito, sua participação em temas como “Portrait Of A Count”, “Prologue”, “Young Blood”, “Frank Speaking” e “Swinghouse” chamaram a atenção do público e da crítica para o seu trabalho e em pouco tempo seu nome figurava entre os mais populares músicos estabelecidos na Califórnia. Kamuca também se destacou nas gravações de “New Concepts Of Artistry In Rhythm”, certamente um dos discos mais importantes de Kenton.


Entre 1954 e 1955, o saxofonista fez parte da famosa “The Third Herd”, denominação dada àquela formação da orquestra de Woody Herman. A seu lado, figuras exponenciais como Al Cohn, Victor Feldman, Bill Perkins, Med Flory, Cy Touff, Arno Marsh, Chuck Flores, Nat Pierce, Monty Budwig, Vince Guaraldi e Phil Urso, entre outros mais.


Após a saída da orquestra de Herman, Kamuca tocou nas bandas de Chet Baker, Maynard Ferguson e Shelly Manne. Em 1957 integrou a mítica “Lighthouse All Stars”, liderada pelo contrabaixista Howard Rumsey, onde atuou ao lado dos extraordinários Charlie Mariano, Scott La Faro, Billy Higgins e Victor Feldman. A participação na banda de Rumsey, embora breve, consolidou o prestígio do saxofonista perante a comunidade musical californiana, o público e a crítica. Por causa do sucesso, em 1959 participou do filme “Kings Go Forth” (no Brasil, “Só Ficou a Saudade”), estrelado por Frank Sinatra, Natalie Wood e Tony Curtis.


No mesmo ano, gravou ao lado de Lee Konitz o clássico de Lester Young “Tickle Toe”, com direito a uma belíssima troca de “choruses” entre os dois saxofonistas. Nas incontáveis “gigs” de que participou, Kamuca registra atuações ao lado de gente como Howard Rumsey, Frank Rosolino, Charlie Mariano, Shelly Manne, Shorty Rogers, Stu Williamson, Russ Freeman, Al Cohn, Jimmy Giuffre, Victor Feldman, Monty Budwig, Stan Levey, Bob Enevoldsen, Pete Jolly, Leroy Vinnegar, Bill Perkins, Art Pepper, Jimmy Rowles e Cy Touff.


Entre 1960 e 1961 foi um dos integrantes da banda de Shelly Manne, atuando como músico fixo no clube “Shelly Manne’s Hole”. Com o grupo de Manne, o Kamuca excursionou pela Europa, em 1960. No ano seguinte, mudou-se para Nova Iorque, a fim de se integrar à “Concert Jazz Band”, criada e liderada por Gerry Mulligan. A orquestra permaneceu em atividade por 04 anos, alternando momentos de grande sucesso e outros de relativo ostracismo. Durante a temporada na Grande Maçã, o tenorista tocava com habitualidade no clube “Half Note”.


Kamuca gravou com Zoot Sims, Al Cohn e Jimmy Rushing, até ser contratado por Gary McFarland. Algum tempo depois, em 1966, o saxofonista formou um quinteto ao lado do trompetista Roy Eldridge. A parceria obteve um grande sucesso de público e de crítica e os dois permaneceram juntos até 1971. Embora bem sucedido em sua empreitada com Eldridge, Richie não abandonou as atividades de freelancer e se manteve em atividade, sendo bastante requisitado nos estúdios.


Em 1972, de volta a Los Angeles, foi contratado para tocar na banda do programa “The Merv Griffin TV Show”. Também tocou na orquestra do trompetista Bill Berry, uma espécie de resposta californiana à bem-sucedida Thad Jones & Mel Lewis Orchestra e com formação semelhante. O saxofonista também mantinha seus próprios grupos, por onde passaram feras do naipe de Blue Mitchell, Jimmy Rowles, Donald Bailey, Mundell Lowe, Monty Budwig e Nick Ceroli, entre outros.


Em 1975, nova mudança e, outra vez, para Nova Iorque. Ali, juntou-se ao grupo do altoísta Lee Konitz, com quem fez diversas apresentações. Gravou, ainda, alguns discos para a Concord, os quais, infelizmente, se encontram fora de catálogo. Um dos pontos culminantes de sua pequena (do ponto de vista quantitativo, é claro) discografia é “Richie Kamuca Quartet”, gravado em junho de 1957 para a extinta gravadora MOD (em cd, o álbum foi lançado pela VSOP). Aqui, o saxofonista lidera um poderoso quarteto, integrado pelo pianista Carl Perkins, pelo baixista Leroy Vinnegar e pelo baterista Stan Levey.


“Just Friends” ganha um arranjo veloz e contagiante. A introdução, a cargo do piano sacolejante de Perkins, dá bem a medida do swing imposto pelo quarteto. O líder improvisa com bastante graça e personalidade, e seu fraseado é vibrante e alegre. Em seguida, “Rain Drain”, de autoria do próprio Kamuca, faz uma releitura do blues, sem perder a referência à dicção do bebop. O quarteto acelera o tema sendo que a execução de Perkins é memorável. Grandes atuações também de Vinnegar e Levey, que garantem o sustentáculo rítmico com competência.


Em “What's New?”, de Burke e Haggart, podemos constatar a força de Lester Young na formação de Kamuca. O arranjo é sóbrio, melodioso e de grande intensidade emocional. “Early Bird” é uma homenagem de Perkins a Charlie Parker. Sua estrutura é sofisticada, remetendo a “I’m Begginning To See The Light”, de Duke Ellington, Johnny Hodges e Harrry James, e o balanço da dupla Levey-Vinnegar é sincopado e vivaz. O líder, como de hábito, constrói solos de grande riqueza harmônica e de complexidade técnica invulgar.


A esplêndida “Nevertheless (I'm in Love with You)”, de Bert Kalmar e Harry Ruby, é uma balada em tempo média, executada com fluidez e classe pelo quarteto, com destaque para as intervenções cheias de groove do pianista, que tempera o tema com discretas pitadas de blues, e para o elegante fraseado de Kamuca. Merece atenção, também, o primoroso solo de Vinnegar.


Em “My One And Only Love”, composta por Guy Wood e Robert Mellin, o saxofonista imprime uma sonoridade sofrida, lamentosa, criando uma atmosfera de abandono de que contrasta com a letra otimista e que traz versos como “Só de pensar em você / Meu coração começa a cantar / Como uma brisa de abril/ Nas asas da primavera”. O lirismo de Perkins, discreto em suas intervenções mas absolutamente preciso, também merece aplausos.


“Fire One” é um blues irreverente, de autoria de Perkins, cuja performance é sublime. O breve solo de Vinnegar também chama a atenção, embora o destaque absoluto fique por conta de Kamuca, cuja maestria se revela em uma execução límpida e sem arestas. “Cherokee”, de Ray Noble, é a mais acelerada das faixas, na qual o quarteto alcança uma velocidade supersônica. Exibindo a influência parkeriana, Kamuca é implacável, conjugando um fraseado bop de primeira linha com o frescor e a vibração típicos da West Coast. Um disco bastante representativo da arte e do talento desse grande tenorista e que, para sorte dos jazzófilos, ainda está em catálogo.


Outro disco bastante recomendado, e quem também pode ser encontrado nas melhores lojas virtuais, é o fantástico “West Coast Jazz In Hi-Fi”, gravado em 1959 para a Contemporary, no qual Kamuca divide a liderança com o não menos talentoso Bill Holman, que além do sax barítono se encarrega dos arranjos. A dupla se faz acompanhar por um verdadeiro “Estado-Maior” do West Coast Jazz: Conte Candoli e Ed Leddy nos trompetes, Frank Rosolino no trombone, Vince Guaraldi no piano, Monty Budwig no contrabaixo e Stan Levey na bateria.


Em fevereiro de 1977 o saxofonista descobriu que tinha câncer. Pouco depois, foi organizado um concerto beneficente para angariar fundos para o tratamento, já que Richie era bastante querido no meio artístico. Entre os amigos que participaram do evento, destacam-se Tony Bennett, Doc Severinsen, Milt Jackson e Steve Allen. Abatido pela doença, Kamuca ficou praticamente sem atuar, vindo a falecer no dia 22 de julho daquele mesmo ano, ou seja, apenas um dia antes de completar 47 anos. Em 1978, Lee Konitz dedicou-lhe o disco “Tenorlee”, onde trocou o habitual sax alto pelo tenor, homenageando, dessa forma, o falecido amigo.


Para encerrar, sempre é bom recorrer ao Mestre Pedro “Apóstolo” Cardoso que, a respeito da técnica e do estilo de Kamuca, leciona: “Pela influência inicial do “Pres” e sendo músico formado na escola do “bebop”, seu fraseado marca a exata confluência dessas duas vertentes, com a melodia rica, fina, provida de intensa e grande variedade rítmica, com espantosa habilidade para construir frases de bela e apenas aparente simplicidade, que pode levar a uma sonoridade “dura” se a emoção assim o encaminha”.



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