NOME: ART BLAKEY. PROFISSÃO: REITOR DA UNIVERSIDADE DO JAZZ
Música e outras coisas

NOME: ART BLAKEY. PROFISSÃO: REITOR DA UNIVERSIDADE DO JAZZ


O professor entra na sala de aula, ajeita os óculos sobre o nariz e olha ao redor. Dá um sorriso discreto para si mesmo, abre a lista de freqüência e começa a chamada:


- Horace Silver? Presente!


- Clifford Brown? Presente!


- Lou Donaldson? Presente!


- Curley Russell? Presente!


- Kenny Dorham? Presente!


- Hank Mobley? Presente!


- Doug Watkins? Presente!


- Jackie McLean? Presente!


- John Gilmore? Presente!


- Benny Golson? Presente!


- Barney Willen? Presente!


- Johnny Griffin? Presente!


- Wayne Shorter? Presente!


- Donald Byrd? Presente!


- Lee Morgan? Presente!


- Freddie Hubbard? Presente!


- Bill Hardman? Presente!


- Chuck Maggione? Presente!


- Wynton Marsalis? Presente!


- Bobby Timmons? Presente!


- Cedar Walton? Presente!


- Lucky Thompson? Presente!


- John Hicks? Presente!


- Keith Jarrett? Presente!


- Valery Ponomarev? Presente!


- Curtis Fuller? Presente!


- Reggie Workman? Presente!


- James Williams? Presente!


- Wallace Rooney? Presente!


- Terence Blanchard? Presente!


- Mulgrew Miller? Presente!


- Peter Washington? Presente!


- Lonnie Plaxico? Presente!


- George Cables? Presente!


Bom, a aula já poderia começar e o seu título bem que poderia ser: “como montar a maior usina de talentos da história do jazz e permanecer na crista da onda por quase 35 anos?”. Nenhum outro ser humano poderia responder a essa pergunta com mais propriedade que o professor Arthur Blakey. Não, não... não apenas professor! Se há um título que Mr. Blakey merece é o de reitor. Reitor da Universidade do Jazz. Conheçamos um pouco de sua trajetória!


A vida de Art Blakey tinha tudo para dar errado. O pai abandonou a mãe, grávida, poucos momentos depois do casamento (logo após a cerimônia, o cafajeste saiu para comprar charutos e nunca mais deu as caras). Como se não bastasse, a mãe morreu quando o garoto, nascido no dia 11 de outubro de 1919, em Pittsburgh, tinha apenas cinco meses. O pequeno Art foi, então, criado por uma amiga da família, em cuja casa havia um velho piano.


O primeiro contato com a música foi, de fato, com o piano, que ele aprendeu tocar na igreja adventista freqüentada pela família adotiva e que praticava em casa. Com apenas 11 anos, foi trabalhar em uma mina de carvão, a fim de ajudar nas despesas do lar. Aos 14 anos, casou-se e aos 15 já tinha um filho para criar (ao todo, seriam oito rebentos). Embora a rotina de trabalho fosse exaustiva, o jovem Art, não abandonou a escola e nem o piano.


No início da década de 30, com a dificuldade decorrente da Crise de 1929, Art se viu obrigado a arrumar mais um emprego, para dar conta das despesas domésticas. Juntou-se à orquestra que animava as noites de clubes como o Ritz e o Democratic, mantendo, ao mesmo tempo, a extenuante atividade nas minas de carvão. Essa rotina perdurou por cerca de dois anos, até que os proprietários do Democratic Club resolveram montar ali um musical que haviam visto em Nova Iorque.


Trouxeram as partituras e distribuíram entre os músicos. Blakey, que não sabia ler partitura, estava em apuros. Pediu um tempo para aprender, de ouvido, as músicas do score mas, para seu azar (e para a sorte do jazz, como veremos mais adiante) havia um outro pianista de Pittsburgh disputando o mesmo posto e que, embora também não tivesse conhecimento de teoria musical, sabia de cor todas as músicas do show. Seu nome: Erroll Garner que, é claro, ficou com o emprego.


Indignado, Blakey pediu uma chance aos patrões, alegando que tinha família para sustentar e que havia passado um bom tempo na orquestra. Do alto de sua sensibilidade, um dos donos da boate – um gângster conhecido no submundo local, que andava o tempo inteiro com um vistoso revólver na cintura – lhe disse: “Quer ficar na banda? Então assuma a bateria”. Sem muita alternativa, Blakey obedeceu e, até o resto da vida, a bateria foi a sua companheira mais constante. A bordo dela, percorreu o país acompanhando a pianista Mary Lou Williams.


Após tantas peripécias, Art se mudou para Nova Iorque no início dos anos 40. O primeiro emprego foi na orquestra do lendário Fletcher Henderson. Com ela, durante uma excursão pelo sul dos Estados Unidos, Blakey pôde conhecer a face mais cruel e estúpida do racismo: após uma discussão banal com um policial, na Geórgia, o baterista foi preso e covardemente espancado. A violência foi tanta que ele precisou ser submetido a uma cirurgia, para implantação de uma placa de metal no crânio.


Observava e aprendia com os grandes bateristas das orquestras de swing, especialmente Chick Webb e Big Sid Catlett, vindo a se tornar amigo de ambos. Em 1944 já, na orquestra de Billy Eckstine, Blakey conheceu Charlie Parker e Dizzy Gillespie, que também pontuavam ali. O contato com aqueles jovens e revolucionários músicos foi fundamental para que Blakey começasse a modernizar a sua forma de tocar, tornando-se, em pouco tempo, um dos três bateristas mais importantes do bebop, ao lado de Kenny Clarke e Max Roach.


Também com a orquestra de Eckstine, Blakey descobriu ser possível confrontar o racismo e não se submeter às suas ignominiosas regras. Parker, Dizzy e companhia possuíam uma atitude arrogante e insubmissa, completamente diferente dos músicos das gerações anteriores. O bebop nada mais era que uma manifestação musical dessa atitude.


Em 1947, já completamente à vontade com o novo idioma proposto por Bird e Dizzy, Blakey começou a tocar com o arredio Thelonious Monk, firmando uma amizade que duraria pelo resto de suas vidas. Nesse mesmo ano, fez a sua primeira gravação como líder, à frente de uma orquestra que contava com Fats Navarro e Miles Davis. No final da década de 40, passou uma longa temporada na África, onde se encantou com a riqueza da sonoridade local e travou contato com a filosofia e as religiões orientais. Voltou de lá convertido ao islamismo e adotou o nome Abdullah Ibn Buhaina.


Nos anos 50, Blakey já era um dos mais reputados bateristas de Nova Iorque, tocando regularmente com Miles Davis, Clifford Brown, Buddy DeFranco (com quem permaneceu entre 1951 e 1953), Zoot Sims, Milt Jackson, Stan Getz, J. J. Johnson, Bud Powell, Paul Bley, Sonny Rollins, Cannonball Adderley e muitos mais.


Participou ativamente da criação do hard bop, uma releitura harmonicamente menos complexa, mas extremamente energética, do bebop. O novo estilo, que temperava as harmonias do bebop com fartas doses do velho swing, de blues e de gospel, deu as cartas naquela década e ganhou adeptos como John Coltrane, Miles Davis, Sonny Rollins e outros luminares.


Em 1954 formou o “Art Blakey Quintet” e em 1955, co-liderou o “Horace Silver And The Jazz Messengers”. No primeiro combo, tocavam Lou Donaldson, Clifford Brown e Horace Silver. No segundo, além dos líderes, atuavam o trompetista Kenny Dorham e o saxofonista Hank Mobley. Ambas as embrionárias experiências foram decisivas para a efetiva criação do futuro Art Blakey And Jazz Messengers, em 1956, e as duas formações deixaram registros antológicos: “A Night At Birdland, Vols. 1 & 2” (1954) e “At The Café Bohemia, Vols. 1 & 2” (1955), ambos lançados pela Blue Note.


A partir de 1956, Blakey conduziu os Messengers (cujo primeiro álbum, denominado “The Jazz Messengers” foi lançado pela Columbia naquele ano e que viria a ser um dos combos mais populares e bem sucedidos da história do jazz) pelos 35 anos seguintes. “Moanin’”, composta por Bobby Timmons e lançada em 1958, no álbum homônimo, é até hoje um dos temas mais conhecidos da história do jazz


O incansável baterista ainda encontrava tempo para atuar como um requisitado acompanhante e manter a carreira solo, onde se destacam álbuns como “A Jazz Message” (que apesar do nome nada tem a ver com a banda – aqui Blakey está secundado por Sonny Stitt, Art Davis e McCoy Tyner) e “Holiday For Skins” (um tour-de-force percussivo, com a participação dos bateristas Philly Joe Jones e Art Taylor e de percussionistas como Sabu Martinez e Ray Barretto).


Uma das formações mais interessantes e duradouras dos Messengers incluía, além do líder, o saxofonista Wayne Shorter, o trompetista Freddie Hubbard, o pianista Cedar Walton, o baixista Reggie Workman e o trombonista Curtis Fuller. E foi esse sexteto que, no dia 16 de junho de 1963, anunciado pela estridente voz de Pee Wee Marquette, subiu ao palco do Birdland para um show memorável.


Para a felicidade dos jazzófilos, o concerto foi gravado e lançado em disco pela Riverside, com produção de Orrin Keepnews. E quem esteve no clube naquela noite certamente jamais esqueceu a performance do grupo, que abriu a sessão com “One By One”, belíssimo tema de Shorter, que então se firmava como uma espécie de co-lider e principal compositor dos Messengers. Trata-se de um blues com pitadas de funk, com uma seqüência quase psicodélica de solos do autor, de Hubbard e de Fuller.


“Ugetsu”, palavra japonesa que significa fantasia, é uma verdadeira fábula musical de autoria de Walton, com uma deliciosa combinação de melodia assobiável com solos incandescentes, especialmente o de Hubbard e o de Shorter. Blakey não poupa as baquetas e cabe a Workman, o ancoradouro, segurar o tsunami sonoro que emana de dos outros cinco instrumentos. Ao longo de toda a execução, que faz uma discreta citação a “It Never Entered My Mind”, pode-se ouvir a manifestação entusiasmada da platéia, ao final de cada solo.


Fuller contribui com a tórrida “Time Off”, epítome do hard bop nervoso, na qual Hubbard e Blakey, explosivo como nunca, roubam a cena. Outro tema vigoroso, “Ping-Pong”, é uma das quatro composições de Shorter presentes no álbum e possui um swing oblíquo, repleto de modulações, com riffs que se estendem ao infinito, com evocações à música latina. A fabulosa atuação do líder, impetuosa e dinâmica, merece ser destacada.


Não poderia faltar um standard nesta auspiciosa apresentação e a escolhida foi a sofisticada “I Didn't Know What Time It Was”, de Richard Rodgers e Lorenz Hart. Belas intervenções de Walton, cuja introdução é soberba, e de Blakey, tocando com chamosa discrição. Mas o destaque absoluto é o saxofone de Shorter, indomável e harmonicamente imprevisível, mesmo em uma balada intimista como esta.


“On The Ginza” é outra referência ao Japão e homenageia o bairro de Tókio famoso por suas lojas e shoppings de luxo. É mais um tema de Shorter, bastante complexo e desafiador, na medida exata para os seus solos inebriantes. Complexidade que também está presente nas exuberantes performances de Walton, Hubbard e Fuller.


A assinatura de Shorter também está presente na hipnótica “Eva”, uma balada de contornos impressionistas e altamente reflexiva. O clima volta a esquentar com “The High Priest”, outro petardo de Fuller, com direito a metais em uníssono, solos cativantes e uma devastadora atuação do autor do tema. Blakey destroça a bateria, com sensacionais viradas e um trabalho com o bumbo que honra o apelido de “Thunder” (Trovão).


Encerrando o disco, “The Theme” é uma pequena vinheta de autoria não creditada, com pouco mais de um minuto, na qual os músicos se esbaldam, após uma exaustiva, mas muito proveitosa, noite de trabalho. Um disco memorável, à altura dos melhores que o combo produziu para a Blue Note (essa mesma formação é responsável por pérolas preciosíssimas como “Free For All” e “Mosaic”, no qual Workman dá lugar a Jymmie Merrit) e que dignifica qualquer discoteca.


Os Messengers foram uma das primeiras bandas de jazz a excursionar no Japão, onde foram recebidos como pop stars. Blakey, incansável, sempre desempenhou com muita galhardia o papel de embaixador do jazz. Apesar do seu intenso envolvimento com a heroína, que lhe trouxe sérios problemas nas décadas de 50 e 60, conseguiu manter a carreira nos trilhos e, até o fim da vida, foi um dos mais ardorosos defensores da causa do jazz.


Durante a edição de 1964 do Festival de Newport, Blakey protagonizou, ao lado de Max Roach, Elvin Jones e Buddy Rich um eletrizante duelo de bateristas. Em 1971, ele excursionou com os Giants of Jazz, grupo de all-stars que incluía Dizzy Gillespie, Thelonious Monk, Kai Winding, Sonny Stitt e Al McKibbon. Em 1976, o baterista foi indicado para o Newport Jazz Festival Hall of Fame. No final da década de 1970, Art recebeu em seu grupo um trompetista sério e com jeitão de intelectual, filho de um conhecido pianista de New Orleans. Seu nome: Wynton Marsalis, o homem que resgatou do limbo a tradição jazzística, então sufocada por toneladas de sintetizadores, batas indianas e baixos elétricos.


Em 1981 foi a vez de Blakey ser indicado para o Down Beat Jazz Hall of Fame. As homenagens e honrarias foram uma constante na década de 80, incluindo-se o prêmio Grammy de melhor performance instrumental de jazz, para o álbum “New York Scenes”, em 1984, e o título de Doutor Honoris Causae concedido pelo Berklee College of Music, em 1987.


Os anos de estrada, contudo, começaram a cobrar o seu preço. Blakey foi perdendo, progressivamente, a audição – embora continuasse a tocar praticamente até o fim da vida. No dia 06 de outubro de 1990, ele finalmente perdeu a luta contra o câncer de pulmão, que travava já há alguns anos. Mas as homenagens não cessariam com a morte: em 2005 ele receberia, postumamente, o Grammy Award For Lifetime Achievement.


Os músicos relacionados no início desta resenha possuem duas coisas em comum: todos foram agraciados com um enorme talento musical (que em alguns deles chega à genialidade) e todos passaram pelos Art Blakey’s Jazz Messengers (ou por seus embriões Art Blakey Quintet e Horace Silver’s Jazz Messengers). Nenhum deles deixou de reconhecer o quanto Blakey foi importante em suas vidas e em suas carreiras.


O baterista, uma das mais importantes e influentes figuras da história do jazz, pode se orgulhar da extensa linhagem de grandes músicos que acolheu em seu grupo e de talentos que ajudou a descobrir. Se o jazz é uma grande escola, os Messengers só podem ser considerados uma universidade e Blakey, o seu animadíssimo reitor. E, se você quiser continuar a chamada, a lista é quase infinita. Duvida?


- Jymmie Merrit? Presente!


- Sam Dockery? Presente!


- Reggie Workman? Presente!


- Joanne Brackeen? Presente!


- Bobby Watson? Presente!


- Bill Pierce? Presente!


- David Schnitter? Presente!


- Charles Fambrough? Presente!


- Dennis Irwin? Presente!


- Brandford Marsalis? Presente!


- Donald Harrison? Presente!


- Kenny Garrett? Presente!


- Bill Hardman? Presente...





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