ESTRELANDO: “LONG TALL DEX”
Música e outras coisas

ESTRELANDO: “LONG TALL DEX”



O melancólico saxofonista Dale Turner emocionou platéias do mundo inteiro. O retrato sensível – e por vezes patético – do velho jazzista exilado em Paris, baseado na vida de Bud Powell (mas com alguns elementos de Charlie Parker e Lester Young), foi um dos maiores sucessos do cinema europeu dos anos 80. Dirigido por Bertrand Tavernier, “Round Midnight” se tornou cult e revelou ao mundo o talento de Dexter Gordon à frente das câmeras, além de resgatar da obscuridade a carreira de um dos mais talentosos saxofonistas do bebop.


O gigantesco saxofonista de quase dois metros de altura (daí o apelido “Long Tall Dex”) interpreta com tamanha candura e sensibilidade que foi indicado ao Oscar de melhor ator. Mas essa não foi a sua primeira experiência com as artes cênicas. Nos anos sessenta já tinha interpretado um importante papel na peça “The Connection”, de Jack Gelber, que retrata o cotidiano de viciados em heroína e de pequenos delinqüentes, à margem do sonho americano. Além disso, muitas das situações vividas por Dale Turner não eram propriamente desconhecidas de Gordon, que nos anos 50 teve sérios problemas com drogas, daí porque não deve ter tido maiores dificuldades para criar o personagem.


Dexter Keith Gordon nasceu em Los Angeles, no dia 27 de Fevereiro de 1923, filho do médico Frank Gordon, que tinha como pacientes Lionel Hampton e Duke Ellington. Aos 13 anos inicia os estudos do clarinete, passando aos 15 para o sax alto, até decidir-se pelo sax tenor, aos 17 anos. Teve como companheiros, nas diversas bandas escolares em que tocou, futuros astros do jazz, como o baterista Chico Hamilton e o saxofonista Buddy Collette.


De 1940 a 1943, integrou a orquestra de Lionel Hampton e também tocou algum tempo com Fletcher Henderson, Nat Cole e Harry Edison. Em 1944 toca por um breve período com Louis Armstrong. No mesmo ano, é convidado por Billy Eckstine para compor a sua orquestra, viajando com esta até Nova Iorque, onde tem a oportunidade de tocar com Charlie Parker e Dizzy Gillespie. Até esse período, seu estilo melodioso e lírico era bastante semelhante ao fraseado de Lester Young, seu primeiro ídolo e maior influência.


O contato com os revolucionários Parker e Gillespie, além de outros pais do bebop, como Fats Navarro, Bud Powell, Max Roach e Tad Dameron, alterou sensivelmente as concepções harmônicas de Gordon e abriu-lhe sobremaneira os horizontes musicais. As incontáveis jams nos clubes da lendária Rua 52 fizeram de Gordon, até então um músico competente mas ainda em formação, um improvisador altamente imaginativo, capaz de adaptar para o sax tenor todos os elementos do bebop, transformando-o no mais importante tenorista do estilo. Sua abordagem era absolutamente original para a época, com uma sonoridade espessa, agressiva e bastante rápida, embora fosse também um exímio intérprete de baladas.


Em 1945 fez as primeiras gravações como líder, para a Savoy. Em 1947, já de volta a Los Angeles, um dos passatempos prediletos de Gordon eram as famosas batalhas de saxofonistas, onde enfrentava os grandes amigos Teddy Edwards e Wardell Gray. Esses duelos eletrizavam as platéias que lotavam as casas noturnas de Los Angeles, como o lendário Elks Club, e mobilizavam grandes nomes do West Coast Jazz, como os pianistas Jimmy Rowles e Hampton Hawes, os baixistas Red Callender e Leroy Gray, os bateristas Roy Porter e Chuck Thompson, além de convidados ilustres como o saxofonista Sonny Criss, o trompetista Howard McGhee e o guitarrista Barney Kessell.


Os anos 50 reservaram a Gordon poucas alegrias e muitos problemas, sobretudo por conta da heroína, que lhe rendeu um período na prisão em 1952. Embora tenha feito algumas gravações para a Bethelehem e Boplicity, Dexter viveu um hiato criativo de quase cinco anos, com poucos concertos e apresentações esparsas. Somente saiu da inatividade em 1960, com o excelente “The Resurgence Of Dexter Gordon”, produzido por Cannonball Adderley para a Jazzland (lançado em cd pela OJC).


A partir de 1961 iniciou um retorno aos palcos e estúdios em grande estilo. Foi contratado pela Blue Note, graças à intervenção de Ike Quebec, gravando uma seqüência de discos estupendos, dentre eles os incensados “Doin’ Allright”, “Go”, “A Swingin’ Affair”, “One Flight Up” e “Our Man In Paris”, este ao lado de Bud Powell. Em 1962 mudou-se para a Europa, passando a residir em Copenhagen, onde era uma das atrações mais constantes do célebre clube Montmartre. Retorna com certa freqüência ao país de origem, sobretudo para gravar seus discos para a Blue Note, mas no velho continente lança diversos discos pela cultuada Steeplechase.


Numa dessas ocasiões, Gordon se reuniu ao trompetista Fredddie Hubbard, ao pianista Barry Harris, ao baixista Bob Cranshaw (substituído em uma faixa por Ben Tucker) e ao baterista Billy Higgins para produzir o fabuloso “Clubhouse”, gravado em sessão única no dia 27 de maio de 1965. Trata-se do álbum mais hard bopper do saxofonista, que assina três das seis faixas do disco.


A primeira delas é “Hanky Panky”, que também abre o disco, com sua levada bluesy, mas com um andamento quase marcial. A tórrida “Clubhouse” é a segunda composição do líder, que elabora alguns dos mais memoráveis solos do disco. A integração dos integrantes da sessão rítmica é assombrosa – Higgins, Cranshaw e Harris tocaram juntos no excelente “The Sidewinder”, ao lado de Lee Morgan – e Hubbard intervém com a habitual maestria, construindo um solo complexo e arrebatador.


“Jodi”, originalmente uma balada feita em homenagem à esposa do líder, recebe uma leitura mais acelerada e vigorosa que aquela gravada no “The Resurgence Of Dexter Gordon”. Aqui é o piano de Harris que se destaca, mas a dobradinha Higgins e Cranshaw, que faz um trabalho excepcional, também merece todos os encômios. O quinteto perpetra uma soberba versão de “I’m A Fool To Want You”, de Sinatra, que evoca madrugadas insones e noites à base de cigarros e bourbon, com uma interpretação pungente do saxofonista, que certamente transportou para os seus solos as agruras e as dolorosas experiências que vivera na década anterior. O solo de Hubbard, lírico e altamente emotivo, é outro destaque dessa faixa.


Outra balada, “Lady Iris B.” é interpretada de forma bastante intimista, com direito a um maravilhoso solo de Harris. O sopro de Gordon, nesta faixa, é bastante comedido, com uma sonoridade que, em algumas passagens, assemelha-se à do ídolo Lester Young. O delicado trabalho de Higgins com as escovinhas também chama a atenção. Ben Tucker assume o contrabaixo, para a interpretação de sua composição “Devilette”, um had bop puxado ao blues, com uma levada contagiante a cargo de Harris e um diálogo incandescente entre Dex e Hubbard. Um álbum para ser ouvido sempre e sempre, indispensável nas prateleiras de qualquer fã de Dexter Gordon.


O carismático Dexter Gordon retornou aos Estados Unidos em 1976, ocasião em que foi recebido com entusiasmo pela crítica e pelo público. Na ocasião gravou o célebre “Homecoming”, já pela Columbia, ao vivo no mítico Village Vanguard, ao lado de Ronnie Mathews, Stafford James, Louis Hayes e Woody Shaw. Nos anos 80, teve sérios problemas com o álcool voltou a desaparecer da cena musical, retornando triunfalmente em 86, graças à sua comovente interpretação em “Round Midnight”.


Ele morreu no dia 26 de abril de 1990, mas a sua importância para o desenvolvimento da sintaxe do bebop estende-se até os dias de hoje. Virtualmente todos os tenoristas que lhe sucederam – incluindo-se aí os geniais Booker Ervin, Sonny Rollins e John Coltrane – sofreram sua colossal influência, que pode ser percebida até mesmo em saxofonistas contemporâneos, como Joe Lovano, Kenny Garrett e Joshua Redman.



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