CONEXÃO JAMAICANA
Música e outras coisas

CONEXÃO JAMAICANA





Wynton Kelly é um nome bastante conhecido e admirado dentro dos círculos jazzísticos. Jamaicano de nascimento e criado em Nova Iorque, ele foi um dos mais requisitados pianistas dos anos 50 e 60 e fez parte do grupo de Miles Davis entre 1959 e 1963, tendo participado das gravações de “Kind Of Blue”, dividindo o teclado com o genial Bill Evans, seu antecessor na banda de Miles.


Não obstante, ele pertence àquela espécie de músico que é sempre lembrado como um excepcional acompanhante, mas cuja carreira solo não fez o sucesso merecido. É claro que se está falando do ponto de vista da popularidade, já que seus discos como líder, para selos como Riverside, Milestone, Vee Jay, Blue Note, Verve, Xanadu e Delmark, entre outros, primam pela qualidade excepcional e merecem figurar, com louvor, em qualquer discoteca.


Wynton nasceu em Kingston, Jamaica, no dia 02 de dezembro de 1931. Em 1935, sua família imigrou para os Estados Unidos, em busca de melhores condições de vida, fixando-se no bairro do Brooklin, em Nova Iorque. Ali, o garoto começou os estudos de piano clássico, logo passando a se dedicar ao jazz, por conta da influência das orquestras de Count Basie e Duke Ellington, que ouvia no rádio. Além disso, fazia parte de um grupo de garotos que, em um futuro breve, iria se tornar a nata do jazz novaiorquino: Randy Weston (seu primo), Sonny Rollins, Max Roach, Cecil Payne, Ahmed Abdul-Malik, Jackie McLean, Art Taylor e Duke Jordan.


Com apenas 12 anos, em 1943, começou a tocar semiprofissionalmente em bandas de baile do próprio bairro. O primeiro emprego fixo foi na orquestra de Ray Abrams, saxofonista ligado ao R&B, em 1947. Em seguida, viriam trabalhos nas bandas de Hot Lips Page, Eddie "Cleanhead" Vinson, Eddie “Lockjaw” Davis, Hal Singer e Johnny Moore. Em 1949, Wynton foi contratado pelo cantor Babs Gonzales, em cuja big band pontuavam, entre outros, os fabulosos J. J. Johnson, Roy Haynes e Sonny Rollins.


Com a reputação crescendo no meio musical, Kelly começou a década de 50 tocando com gente do gabarito de Dizzy Gillespie, Dinah Washington e Lester Young. Em 1951, com apenas 20 anos, fez suas primeiras gravações como líder para a Blue Note, ao lado do baterista Lee Abrams e do baixista Fred Skeete. Seu ídolo e maior influência era, então, o grande Nat King Cole, um dos maiores pianistas dos anos 40 e que acabaria abandonando a carreira de pianista para se tornar um dos mais bem-sucedidos cantores da época.


De 1952 a 1954, o pianista serviu às forças armadas e foi obrigado a fazer uma pausa na carreira. Findo o período no exército, o pianista voltou à ativa com enorme disposição. Novamente se juntou à banda de Dinah Washington, em 1955, e voltou a trabalhar com Dizzy Gillespie, em 1957, desta feita integrando a big band do trompetista. Também foi membro do grupo de Charles Mingus, entre 1956 e 1957, mas não chegou a participar de nenhum álbum do contrabaixista.


Em compensação, Kelly registrou trabalhos, como sideman, em álbuns de luminares como J.J. Johnson, Sonny Rollins, Johnny Griffin, Hank Mobley, Billie Holiday, Coleman Hawkins, Paul Gonsalves, Stan Getz, Art Farmer, Jimmy Cleveland, Paul Quinichette, Frank Wess, Clark Terry, Pepper Adams, Lee Morgan, Abbey Lincoln, Steve Lacy, Benny Golson, Betty Carter, Donald Byrd, Milt Jackson, Blue Mitchell, Curtis Fuller, Chet Baker, Cannonball Adderley, Sonny Criss, Wes Montgomery, Freddie Hubbard, George Coleman, Philly Joe Jones, Wayne Shorter, Art Pepper, Dizzy Reece, Art Taylor, James Clay, Sam Jones, Mark Murphy, Roland Kirk, King Curtis, Dexter Gordon, David “Fathead” Newman e incontáveis outros.


Em 1958 gravou para a Riverside o ótimo “Piano”, liderando um quarteto integrado por Kenny Burrell, Paul Chambers e Philly Joe Jones. Em 1959, seria a vez de “Kelly Great”, desta feita para a Vee Jay, novamente com um time de peso a acompanhá-lo: Lee Morgan no trompete, Wayne Shorter no sax tenor, Paul Chambers no contrabaixo e Philly Joe Jones na bateria.


Sua habilidade e sua técnica ao piano levaram o guitarrista holandês Joop Visser, seu fã declarado, a escrever: “Wynton Kelly foi um talento altamente subestimado. Era tanto um elegante solista com um acompanhante ritmicamente infeccioso, com um estilo que mesclava as linhas harmônicas do bebop com uma grande influência do blues. Dotado de uma afinação perfeita e altamente individual, dominava como poucos o estilo de acordes em bloco. Seu trabalho foi sempre muito melódico, especialmente quando interpretava baladas, enquanto um irresistível sentido de swing caracterizava as suas performances nos tempos médios e rápidos”.


Ainda em 1959, foi convidado por Miles Davis para substituir Bill Evans em seu sexteto. Kelly esteve presente nas gravações do mítico “Kind Of Blue” (na faixa “Freddie Freeloader”) e participou de vários álbuns importantes na discografia de Davis, como “In Person: Friday Night At the Blackhawk”, “In Person: Saturday Night At the Blackhawk”, “Sketches Of Spain” e “Someday My Prince Will Come”.


Durante seu período com o trompetista, estreitou os laços de amizade com John Coltrane, então tenorista da banda, e participou de discos antológicos do saxofonista, como “Giant Steps” (de 1959, no qual divide o piano com o grande Tommy Flanagan) e “Coltrane Jazz” (de 1960), ambos para a Atlantic. Outro colega da banda de Davis que contou com os bons préstimos do pianista em seus próprios discos foi o altoísta Cannonball Adderley. Kelly brilha nos álbuns “Cannonball Adderley Quintet In Chicago” (Verve) e “Cannonball Takes Charge” (Capitol), ambos gravados em 1959 (embora o segundo só tenha sido lançado em 1963).


Ao mesmo tempo, Wynton também liderava seu próprio trio, complementado pelo baterista Jimmy Cobb e pelo baixista Paul Chambers, seus colegas na banda de Miles. Eventualmente, Chambers era substituído pelo talentoso Ron McLure, mais conhecido por seu trabalho no quarteto de Charles Lloyd.


Em 1965, Wynton dividiu com o genial guitarrista Wes Montgomery a liderança do excepcional “Smokin’ At The Half Note”. Gravado entre junho e setembro daquele ano, para a Verve, o álbum conta com as presenças ensolaradas de Paul Chambers no baixo e de Jimmy Cobb na bateria, com produção de Creed Taylor e engenharia de som de Rudy Van Gelder.


Montgomery e Kelly já haviam trabalhado juntos em várias outras ocasiões, sempre sob a liderança do guitarrista, como nos álbuns “Bags Meets Wes: Milt Jackson & Wes Montgomery”, de 1961, “Fullhouse”, de 1962, e “The Alternative Wes Montgomery”, de 1963. A dupla também fez uma apresentação consagradora no festival de Newport de 1965.


Neste álbum, os dois interagem de forma siamesa, como se jamais tivessem tocado com outros parceiros. Logo de cara, o ouvinte é convidado para uma viagem alucinante, na estupenda versão de “No Blues”, de Miles Davis. São quase treze minutos de improvisações que ensandecidas, onde os quatro trafegam pelos meandros do blues e do bebop com intensidade e paixão.


Os solos de Montgomery e Kelly são antológicos, como se os dois músicos buscassem estender as possibilidades sonoras dos respectivos instrumentos até os limites do imponderável. O aparato rítmico criado por Chambers e Cobb é dos mais sólidos e permite que os vôos dos líderes alcancem alturas estratosféricas.


Em seguida, o quarteto emenda uma comovente interpretação de “If You Could See Me Now”, provavelmente a composição mais conhecida e gravada de Tadd Dameron. A execução de Kelly percorre com graça e sutileza o arcabouço melódico do tema, revelando um intérprete sensível e de enorme refinamento. Mostrando que também consegue trafegar pelo terreno das baladas com emotividade e delicadeza, Montgomery elabora improvisos bastante complexos.


A temperatura se eleva quando os quatro músicos apresentam a sua versão de “Unit 7”, clássico do baixista Sam Jones. Hard bop e blues caminham de mãos dadas e a energia que transborda das caixas de som é quase palpável. O pianista tem uma atuação exuberante, atacando as teclas com extrema perícia e uma fúria criativa de arrepiar. O histamínico Wes cria riffs poderosos e sua abordagem é feroz, instintiva, vital, urgente. A performance de Cobb, volátil, explosiva e vigorosa, dá profundidade rítmica ao tema e sua percussão se reinventa contínua e surpreendentemente.


Com a adrenalina a mil, é a vez de “Four On Six”, tema de autoria do guitarrista e uma espécie de assinatura musical. Os solos de Wes são devastadores, coesos, espontâneos – não é à toa que o guitarrista Pat Metheny considera esse disco o melhor álbum de guitarra jazzística de todos os tempos. Fazendo a necessária simetria com a catarse sonora arquitetada por Montgomery, Kelly constrói um discurso melódico e harmônico de igual magnitude, imprimindo em seu toque um elevado grau de impetuosidade e combustão. O breve solo de Chambers, com o arco, é outro ponto a destacar.


A última faixa é “What’s New”, balada romântica gravada por virtualmente todos os grandes nomes do jazz. Tanto Wes quanto Kelly deixam as suas respectivas impressões digitais no tema e conseguem dar a ele personalidade e frescor. O piano é fugidio, evasivo, quase fantasmagórico. A guitarra, lamentosa e melódica. Cobb e Chambers, discretos e eficientes, dão um suporte rítmico caracterizado pela enorme sutileza.


Um disco é simplesmente fabuloso, que mereceu do crítico Jim Smith, do site Allmusic, nada menos que cinco estrelas e a seguinte análise: “é audição obrigatória para qualquer um que queira saber porque as dinâmicas performances ao vivo de Montgomery são consideradas o ápice de sua brilhante e incrivelmente influente carreira”. Basta dizer que a atuação de Kelly – provocativa, engenhosa e sofisticada – se encontra no mesmíssimo patamar de excelência


Kelly, que sofria de epilepsia desde a adolescência, se manteve em intensa atividade, tocando e gravando com assombrosa freqüência, até o dia 12 de abril de 1971, quando sofreu um ataque cardíaco, após uma séria crise epilética. Ele tinha 39 anos e estava em Toronto, no Canadá, em uma turnê com seu trio. Jamais deixou que a doença interferisse em seus compromissos profissionais e lutou contra ela, bravamente, o fim dos seus dias. Sua filha, Tracy Matisak, é hoje uma conhecida apresentadora de TV nos Estados Unidos.


O baixista Marcus Miller, músico bastante lembrado por sua associação com Miles Davis, é outro primo de Kelly que se dedicou à música. A influência do pianista no meio jazzístico era tão grande que o também pianista Ellis Marsalis resolveu prestar-lhe uma homenagem, dando a seu primogênito o nome de Wynton, que cresceu e se tornou o mais badalado trompetista da atualidade.


Segundo o crítico Sylvio Lago, “do ponto de vista técnico, Wynton Kelly sempre revelou domínio do teclado. Apresentando completa independência do movimento das mãos, conferindo importância aos blocos de acordes e expressando contornos melódicos no seu estilo simples, direto e sempre swingante”.



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O segundo desafio Jazz + Bossa foi encerrado com muito sucesso. Foram mais de 100 comentários e a participação expressiva dos amigos na festa. O vencedor do desafio foi o nosso Capitão John Lester, alcaide da Barra do Jucu, que acertou três das cinco questões propostas. Todavia, ele gentilmente abriu mão do prêmio, que foi ganho pelo nosso amigo Fabrício, que acertou as duas perguntas restantes. O cd já está a caminho de Sampa e até o fim da próxima semana deverá estar rolando no player do Fabrício. Muito obrigado a todos os que participaram e quue mantenham a caixa de comentários sempre cheia. Um abração a todos os amigos do jazzbarzinho!




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