Agora podemos atestar, de fato, a sensação deixada em meados de 2010, quando de sua estreia: o duo FLAC não se trata apenas de um lampejo sonoro, e seu primeiro álbum, fruto de uma sessão inspirada. Agora, que chegam aos ouvintes os Volumes 2 e 3 da série “Improvisações”, protagonizada pelo FLAC, não restam dúvidas em relação ao que esses caras têm a oferecer.
Foi em 2010 que o baterista Flávio Lazzarin se juntou ao saxofonista André Calixto para explorar esse que é um formato clássico por excelência do free jazz. Essa história começa em 22 de fevereiro de 1967, quando John Coltrane e Rashied Ali gestaram o seminal ‘Interstellar Space’, abrindo as portas para uma sequência de memoráveis duos sax-bateria nessas décadas todas. Apenas para lembrarmos de exemplos obrigatórios em tempos recentes: Virginia Genta e David Vanzan; Paul Flaherty e Chris Corsano; Ken Vandermark e Paal Nilssen-Love; Daniel Carter e Andrew Barker. E agora, Lazzarin e Calixto.
Quem já havia se atentado e sido seduzido pela pegada do disco de estréia do FLAC encontrará nos dois novos rebentos continuidade e aprofundamento dos rumos até então testados.
O Vol. 2 funciona como uma face B do "Vol. 1" (ao lado, já apresentado por aqui), com Flávio explorando, além da bateria, o vibrafone e eletrônicos. A terceira e quarta faixas do disco são exemplos interessantes desses rumos, com Calixto solando sobre uma sutil base de pinçados efeitos eletrônicos. Já o Vol. 3 mostra o duo mais centrado, direto, com Lazzarin focado apenas na bateria. Calixto segue suas divagações pelos saxes tenor, alto e soprano, somados a uma variedade de pequenas intervenções de outros sopros (flauta, clarinete, shinobue, bansuri), intercalando passagens de quase-silêncio oriental com extensas cascatas explosivas e intensos ataques guturais. Calixto abre o Vol. 3 ao tenor, em rouquidão crescente, com a percussão de Flávio chegando aos poucos, sem cortar a linha traçada pelo sopro, em crescendo. O segundo tema já começa acelerado, com o sax em uivos e guinchos, enquanto as baquetas aceleram o percurso, em toques contínuos e secas quebras nos pratos. Já na faixa cinco, quem dita o comando nos (quase) primeiros dois minutos é a bateria, que canta sozinha até a entrada ácida e estridente do sax. Esse é o mais expressivo trabalho do FLAC e tem de ser descoberto aqui e lá fora –Europa, EUA, Japão: não faltarão ouvidos interessados: improvisação livre de fina estampa.
Se a dupla fosse de jovens apenas interessados em destilar energy music poderíamos correr o risco de termos um processo de circulares fórmulas de repetição e ataque, que se desnudariam desgastadas logo à terceira ou quarta audições. Mas não se trata disso. Calixto e Lazzarin são músicos sólidos, amadurecidos em tempos árduos de estudos e intervenções em diversos contextos/grupos nesses anos todos. Na semana passada, pude ver Lazzarin ao vivo (com o Otis Trio) e não restam dúvidas de que o baterista está entre os mais inventivos e intensos da cena local. Explorando o kit-base no limite, adicionando pratos soltos sobre a pele da caixa, tirando ruídos até da armação do instrumento, o baterista exibe amplo domínio de seu meio de expressão, que explora com riqueza timbrística, rítmica e criatividade de sobra –dados essenciais para compor um improvisador com força própria. Ouvir o FLAC é ter a oportunidade de apreciar não apenas o que de melhor tem sido feito localmente, mas nas redondezas sonoras mundo afora.
----------------------------------------- Ps: os discos estão à venda, em capa estilo vinil, papel 170g, por R$ 8 cada. Em http://zumbidor.wordpress.com/
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