Música e outras coisas
O banquete de Cyro Baptista
Foi no álbum “Aquarela do Brasil/Brazilian Watercolour” (99), do Ivo Perelman, que me atentei pela primeira vez ao trabalho de Cyro Baptista. Logo descobri seus encontros com John Zorn (“Film Works”, “Cobra”), depois os impressionantes duos com Derek Bailey (“Cyro” e “Derek”). Mas, importante frisar: o percussionista, nascido em São Paulo em 1950, não é uma figura centrada na free music: suas investidas múltiplas o levaram a dividir palcos e estúdios com nomes do jazz (Herbie Hancock, Cassandra Wilson), do erudito (Daniel Barenboim, Kathleen Battle), do pop (David Byrne, Paul Simon)... Some-se à lista Geri Allen, Gato Barbieri, Arto Lindsay, Yo-Yo Ma e por aí segue...
Cyro Baptista desembarcou em São Paulo neste fim de semana para duas apresentações no Sesc (Pompéia e Araraquara) e veio com seu novo grupo, o “Banquet of the Spirits”. Trouxeram na mala o recente álbum “Caym: Book of Angels Volume 17”, lançado pelo selo Tzadik, com temas escritos por John Zorn. Segue conversa que tive com Cyro Baptista, eleito neste ano ‘melhor percussionista’ pela 59th Annual DownBeat Critics Poll.
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FF - Há quanto tempo não tocava em sua cidade natal? Como é retornar para se apresentar em São Paulo?
"Olha…dá pra contar em uma mão a quantidade de vezes que toquei em Sampa, talvez essa é a razão porque tudo fique mais excitante, sinto que só tenho uma cajadada para matar muitos coelhos. Sem dúvida é bem diferente vir para o Brasil sem ser turista ou visitar a família."
FF - Sua discografia traz trabalhos realizados com figuras bastante diferenciadas, passando por diversos gêneros, jazz, pop, MPB, erudito... Como entender sua música?
"Eu classifico minha música como sendo o produto do meio ambiente musical que eu experimentei durante a minha vida. É como se eu pusesse todas essas influências dentro do liquidificador e o suco final num momento tem gosto de uma fruta, noutro tem gosto de azeitona na sua empada. A música tem uma natureza essencial que vive em uma estratosfera e é impossível de explicar porque ela mexe com a gente de uma maneira tão profunda."
FF - A cena free também cruzou sua trajetória, com os diferentes projetos que realizou com John Zorn e as gravações com o guitarrista britânico Derek Bailey. Como se deram essas parcerias?
"O Lower East Side é uma área de NY que nos anos 80 era bem favelística, e os músicos que não participavam dos padrões da cena musical daquela época acabaram se mudando para lá, onde os aluguéis eram mais baratos e foi onde e quando se formou esse movimento de música improv chamado "Downtown Music", encabeçado por John Zorn, Marc Ribot, Laurie Anderson e outros, inclusive eu. Para mim foi uma porta nova que se abriu, e eu, como percussionista brasileiro, não tinha a obrigação de botar um abacaxi e bananas na cabeça toda vez que subia no palco. Derek Bailey sem dúvida foi um dos pais desse movimento e com ele fiz a minha primeira gravação nos Estados Unidos, o cd CYRO."
FF - Você tocará peças do John Zorn nos shows do Sesc? Qual vai ser o repertório das apresentações e a formação do grupo?
"Agora estou completando 30 anos de colaborações com John Zorn e ele me presenteou com 10 composições inéditas do Book of Angels, com as quais gravei o cd CAYM que acabou de ser lançado, e a gente espera tocar algumas dessas composições no Sesc Pompeia e em Araraquara."
FF - Você acaba de ser eleito “melhor percussionista” pela Down Beat. Como é ver seu trabalho reconhecido dessa forma?
"Durante os anos eu já fui de "pior" para "melhor" e vice-versa muitas vezes. Isso é como, quando você está olhando um lado da moeda, não pode ver o outro."
FF - Como é sentir sua obra mais prestigiada nos EUA do que no Brasil? Há previsão de lançamento de seu último disco por aqui?
"Eu não me considero o "rei do prestigio" em lugar nenhum, mas obviamente os Estados Unidos, a Europa em geral e Japão são os usuais suspeitos que têm mais interesse no nosso trabalho. Quanto ao Brasil, sinto que a coisa está mudando e já não preciso dar tantas explicações, existe um certo contingente, especialmente em São Paulo, que tem mais interesse num tipo de música mais alterada e alternada."
FF - Você está radicado nos EUA desde a década de 1980. Alguma chance de voltar a viver no Brasil?
"Nesses 31 anos que estou morando pelo mundo nunca um dia se passou sem que, por um momento, eu sonhasse em voltar para o Brasil."
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“CYRO BAPTISTA & THE BANQUET OF THE SPIRITS”
Quando: 15/9 (quinta); às 21h
Onde: Sesc Pompeia
Quanto: R$ 16 (inteira)
Quando: 16/9 (sexta); às 20h
Onde: Sesc Araraquara
Quanto: grátis
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Photo: Niqui Seuntjens
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