Música e outras coisas
MEMÓRIAS DO FSTUDIO - 12- FRADE E FRED
Ele era baixinho, careca e meio gordinho. Idade, por volta dos 80 anos.
Estava parado num ponto de ônibus defronte à Praça de Casa Forte.
Eu tinha acabado de sair de casa e ia fazer uma caminhada até o centro da cidade, para o estúdio.
Começou a chover e fui me abrigar na marquise do ponto de ônibus.
O Frade, vim saber depois, era apelido. Seu nome era José. Um cara muito engraçado e de fala e sorriso fáceis.
Começou uma conversa. Contou que estava meio perdido. Tinha ido a uma consulta num posto de saúde próximo,
teve vontade de andar e vinha meio sem saber onde estava, até começar a chuva. Aí, ficou naquela parada esperando
o primeiro ônibus que fosse para o centro da cidade.
- Eu vou pro centro e pego um ônibus para o bairro de San Martin. Na hora que chegar chego bem, porque minha velha fica até feliz quando eu estou fora de casa. Ela diz que eu perturbo muito.Eu já achei o velhinho simpático e sorri do seu bom humor. Era cego de um olho (hoje a gente tem que chamar deficiente visual, que saco!)
Mas estava feliz como um menino levado e começou a cantar baixinho uma marchinha. Em certo ponto, parou. Aí voltou com a carga toda:
- Tá ouvindo essa música? Eu comecei a fazer. A letra eu sei todinha, mas a música mesmo eu não sei como termino. Só tem esse pedaço.Interessei-me na conversa.
- E o senhor é compositor?- Nada. E eu sei lá o que é isso ? Eu faço umas coisas e invento umas poesias. às vezes eu termino, às vezes não.E eu:
- E por que o senhor não grava, pra não esquecer ?- Ah, meu filho, e eu lá tenho dinheiro pra isso?- Mas eu tenho um estúdio de gravação. Se quiser gravar, terei o maior prazer. Gostei muito da sua marchinha.O velhinho acendeu o olhar.
- Tá brincando comigo ? - Nada.. e eu sou de brincadeira. Se quiser gravar, vamos lá no Estúdio e gravamos. Depois eu dou um acabamento e o senhor não esquece mais sua música.- De graça?- De graça, claro. Não sou eu que estou oferecendo o estúdio?- Ave Maria, meu fio ! De graça até injeção na testa. Agora é que eu vou virar artista mesmo.Chega o ônibus. Entramos. Eu pela porte de trás, porque naquele tempo ainda não era idoso (tinha 55 anos), ele pela porta da frente, com a carteira de identidade na mão, feliz da vida.
Nos encontramos novamente no corredor.
Traçamos os planos. Ele cantaria a parte que sabia da sua música, eu completaria o que faltava de melodia para o restante da letra e faria os arranjos.
Já no Estúdio, Frade soltou a voz e cantou. Eu peguei o violão, compus na hora o restante da melodia, na intuição mesmo, em cima do que ele já tinha feito. Passamos o resto da manhã fazendo as bases com a sanfona (teclado) e o ritmo (zabumba, triangulo, reco-reco e agogô). Na hora de cantar o Frade rejeitou a parada. Não tinha jeito de afinar. Tentamos muitas vezes, mas cadê ritmo e afinação ? Não deu...
- Deixa comigo, Frade, eu canto.De tanto repetir, eu já tinha decorado melodia e letra e mandei ver.
Mas eu queria gravar a voz do novo amigo. Afinal, o tempo todo ele falava:
- Minha velha não vai acreditar que eu agora sou artista e gravei minha música ! Eu quero ver a cara do pessoal lá da rua, quando ouvir essa música no Rádio. O senhor conhece alguém de Rádio pra tocar minha música ?- Conheço, Frade... Fique tranquilo. Vou levar seu disco para a Jovem Cap e para a Rádio Universitária, no programa de Ivan Ferraz. Agora você é um artista de verdade !E inventei um diálogo que gravamos e depois mixamos, com os solos no meio e no final da faixa. Tudo improvisado também. Afinal, o que eu queria era ver o velhinho feliz.
E está aí o nosso trabalho. A voz dele fica meio ininteligível, no diálogo, mas parece muito com a do personagem "Coronel Ludugero" de saudosa memória. Matutão desenrolado, o Frade ainda passou várias vezes lá pelo Estúdio. Conversamos e rimos muito da sua aventura musical. Levei, efetivamente, o Frade e seu disco para a Jovem Cap e o apresentei a Carminha Pereira, proprietária da emissora e animadora de diversos programas. Ela adorou a figura. Ivan Ferraz também. Enfim, o Frade tocou bastante naquele São João e nos que se seguiram. Faz tempo que não o vejo, e espero que ele esteja bem.
Como ele próprio diz, no final da música, com toda a alegria de quem está de bem com a vida, apesar de tudo :
- É, Compadre Fred. Agora vai... vai e vai bonitinho !!!
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