HOJE NÃO TEM CACILDA BECKER
Música e outras coisas

HOJE NÃO TEM CACILDA BECKER


Relutei bastante para publicar este post e peço aos amigos que compreendam as minhas razões. De fato, o JAZZ + BOSSA é um espaço democrático e plural, que reúne uma verdadeira confraria de amigos e que tem me dado muitas alegrias. De maneira alguma este é um blog político. É um blog dedicado à música, à celebração da alegria que essa forma de arte, tão universal e tão íntima de cada um de nós, proporciona.

Mas a própria existência humana é calcada na política. Ainda que não queiramos, ainda que tentemos dela escapar, a política está presente em cada momento de nossas vidas. Quando meu filho Guilherme me pede para jogar no computador e eu condiciono o atendimento desse pedido a boas notas e bom comportamento - e apenas nos fins de semana ou feriados - estamos, pai e filho, travando um debate político. A máxima aristotélica de que o homem é um animal essencialmente político é mais que verdadeira.

Daí porque sentir a intensa necessidade de mudar o foco do blog, pelo menos uma vez, para a importância do momento político que vivemos. As eleições se aproximam e entendo que é minha obrigação como cidadão expor os motivos que me fizeram decidir por uma candidatura, mais especificamente, da ex-ministra Dilma Rousseff. Estão em jogo duas alternativas para o país e que, nos últimos dezesseis anos, pautaram as discussões políticas aqui travadas.

Ambas são distintas em seus propósitos. Uma, francamente alinhada com o pensamento neoliberal e que não responde aos anseios e necessidades da sociedade brasileira, eis que excludente e privatista. A outra, que tem conseguido enormes avanços no campo do desenvolvimento econômico-social, com ganho real do salário mínimo da ordem de 67% acima da inflação, capitalização recorde da Petrobras, acúmulo de reservas em um patamar próximo de 300 bilhões de dólares, papel incisivo na política externa e tantas outras conquistas.

É no eixo da disputa entre esses dois modelos que entendo ser mais que pertinente externar a minha posição. Afinal de contas, desejo muito que o potencial de crescimento econômico - conjugado com o necessário desenvolvimento social - seja explorado em toda a sua magnitude. Espero que meus filhos cresçam em um país que não lhes sonegue oportunidades. Espero que meus filhos cresçam em um país socialmente justo e capaz de oferecer a todos as mesmas chances. O modelo representado pela candidatura da oposição não corresponde a estes anseios. Embora o seu candidato seja um homem com uma belíssima trajetória de combate ao arbítrio, de luta contra a ditadura que se instalou no país em 1964, atualmente ele se encontra em um campo distinto e defende idéias contrárias àquelas que o ex-presidente da UNE, com o ardor de sua juventude, defendia nos anos 60.

O Brasil tem mudado bastante. Nos últimos tempos, tive a oportunidade de ver com meus próprios olhos - de norte a sul, de leste a oeste - como uma administração desenvolvimentista e nacionalista (jamais xenofóbica, que fique bem claro) pode estimular o crescimento e fomentar a índole criativa do povo brasileiro. Políticas públicas de fomento à atividade industrial - da qual o renascimento da indústria naval é o exemplo mais emblemático - barateamento do crédito habitacional, investimento em obras de infraestrutura, enfim, o país parece ter entrado em uma nova era, bastante auspiciosa.

Há ainda muito por fazer e muitas são as críticas que podem ser feitas ao atual governo Lula - figura por quem, diga-se de passagem, tenho a maior admiração, como ser humano capaz de vencer a miséria e a desigualdade social e como político capaz de aglutinar em torno de um novo projeto de nação quase 80% da população nacional - mas não vejo na candidatura oposicionista nem estatura moral e nem arrojo político para corrigir os (poucos) pontos negativos do atual governo e aprofundar os (muitos) pontos positivos da administração petista.

Tomo a liberdade de reproduzir abaixo dois textos, extraídos de dois blogs que admiro muito. Um apela para o coração e ao final de sua leitura lágrimas escorreram da minha face. O segundo apela à racionalidade. A autora do primeiro deles é a Conceição Oliveira, historiadora, educadora, autora de coleções didáticas, ativista da educação para igualdade étnico-racial e feminista, que comanda o ótimo blog Maria Frô ( www.mariafro.com.br ). O segundo texto foi escrito pelo sociólogo Celso Rocha de Barros, que comanda o blog NPTO – Na Prática a Teoria É Outra, um dos mais lúcidos e instigantes da blogsfera brasileira ( http://napraticaateoriaeoutra.org
) e é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, na Inglaterra. Espero que os amigos leiam, reflitam, discordem, manifestem-se. Mas, como é a característica do blog desde seu nascedouro, que tudo seja feito de maneira respeitosa e que as eventuais divergências se mantenham apenas no campo das idéias.


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Mídia que vota em Serra tenta de tudo para levar eleição ao segundo turno. Você vai deixar?

O PT foi fundado em fevereiro de 1980. Lembro-me como se fosse hoje do debate que tomou a militância petista para escolha de candidatos para as primeiras eleições ao governo do estado de São Paulo em 1982, após a lei da Anistia e a volta das eleições nos estados (as eleições diretas para presidente só retornariam em 1989, pois perdemos a luta em 1984, no movimento Diretas- Já).

Em 1982 a disputa era entre o metalúrgico Lula e o jurista Hélio Bicudo. Venceu Lula ao menos nas disputas internas para a escolha do candidato a disputar o pleito para governo do estado.

Houve um comício em Cubatão, na praça Princesa Isabel, lugar pequenino onde foi posto um caminhão pequeno e o comício se desenrolou sobre ele com megafones. À época eu ainda não tinha idade para me filiar, talvez tenha sido por isso que acabei não formalizando minha filiação até hoje. Eu estava lá, em cima do caminhão, meio assustada no meio de lideranças que eu já admirava: além de Lula lembro da presença de Suplicy que antes da marola verde do PV já nos acompanhava em Cubatão em várias ocasiões na luta contra a poluição e as péssimas condições de vida e trabalho na cidade.

Fazíamos reuniões nas igrejas, éramos vigiados e intimidados pela polícia ainda fortemente repressiva, forjada num período de censura, torturas da Ditadura Militar. Debatíamos com a população em geral, os trabalhadores das indústrias cubatenses, as mães desesperadas com a saúde frágil de seus filhos. Denunciávamos a escandalosa poluição daquela cidade que chegou a ser conhecida na imprensa internacional como Vale da Morte.

Em Cubatão, em princípio da década de 1980, trabalhadores do pólo siderúrgico e petroquímico morriam de câncer no pulmão, de pele, envenenados por enxofre e outros produtos químicos, morriam ou ficam inutilizados para o trabalho devido aos acidentes de trabalho. Todas as indústrias tinham uma placa com uma espécie de contador que vivia zerando, informando a quantos dias não havia acidentes de trabalho. Morriam devido a uma saúde debilitada por uma jornada desumana em turnos sem fim.

Lembro-me que ainda estava no colegial e participei como auxiliar de pesquisa de uma grande estudo levado a cabo pela Faculdade de Medicina da USP, pelo grupo da professor Marcília da saúde pública e medicina preventiva.

Durante o projeto, apliquei vários questionários aos trabalhadores do pólo petroquímico e siderúrgico. De um deles jamais vou me esquecer: realizei a primeira bateria de questionários e ele foi selecionado para a segunda fase e quando retornei para fazer as perguntas ele havia falecido. Saí e sentei na calçada na frente de sua casa e comecei a chorar. Para uma adolescente com razoável consciência do que acontecia ao meu redor, que vivia naquele inferno de cidade esquecida por todos, este era um nível de violência que beirava o insuportável.

Também sentei e chorei, anos depois quando já estava na USP e minha mãe ligou para informar que a cidade foi tomada por um incêndio de proporções inimagináveis e que depois de ser aplacado, os cubatenses se deram conta de que um bairro inteiro, o mais pobre e mais abandonado da cidade, tinha sumido do mapa e com ele muitos amigos queridos que eu havia feito quando perambulava pela Vila Socó (como era chamada a favela que oficialmente tinha o nome de Vila São José) passando o filme “O homem que virou suco” e discutindo política pura de resistência.

Para uma adolescente que ainda estava no Ensino Médio, viver em uma cidade que se morria pelas péssimas condições de trabalho e pela intensa poluição para gerar riquezas que não ficavam na cidade (sequer no país) são experiências que modelam nossa vida. Os poluentes jogados no ar e nas águas da cidade eram tão danosos que em Cubatão nasciam crianças anencefálicas, peixes deformados. Para chamar a atenção do mundo para as nossas péssimas condições de vida fizemos uma exposição com fotos dos peixes monstruosos que encontrávamos no Rio Pilões.

Minhas experiências na luta pela qualidade de vida, contra a poluição e a morte das pessoas provocadas pela poluição e pelas péssimas condições de trabalho e ambientais forjou a pessoa que sou hoje.

O PT da década de 1980 nasceu e se fortaleceu na cidade de Cubatão sem dissociar a qualidade de vida das pessoas das questões ambientais e da super-exploração a que estavam expostos os trabalhadores. Talvez seja por isso que até hoje eu não entenda um Partido Verde que fala de manutenção das florestas, mas que não faz a crítica a um Tietê poluído ou ao córrego do meu bairro onde nas proximidades eu topo com ratos mortos como mostrei aqui.

Naquele comício junto ao Lula e ao Suplicy, na praça Princesa Isabel, eu fiz mais do que falar pelas mulheres e o nosso papel no sistema capitalista, eu eduquei os meus pais operários para a luta contra a exploração.

Vivíamos no contexto das greves no ABC que ajudaram a derrubar a ditadura militar. Na minha fala assustada ao lado de Lula, eu buscava estimular as mulheres a serem companheiras de seus companheiros na luta contra a exploração. Eu falava com propriedade sobre a minha própria condição feminina de adolescente trabalhadora, pois desde os 14 anos eu já trabalhava oito horas por dia.

Sabia muito bem do que falava. Passei a estudar à noite quando entrei no primeiro ano do Ensino Médio. Enfrentei os primeiros surtos de uma educação deteriorada com professores amedrontados, muitas greves e faltas. Se não fosse uma ótima aluna jamais teria saído do Afonso Schmidt e teria entrado na USP. Muitas vezes saí da escola porque não havia aparecido nenhum professor e ia para a Vila Socó fazer política. Meus pais ficavam aterrorizados de eu chegar de madrugada em casa, mesmo que eu viesse acompanhada pelo seu Manuel, estivador, quase um segundo pai, que pegava a sua bicicleta e me acompanhava até em casa.

Minha mãe ficava possessa e um dia quis me bater. Meu tio Gerson, metalúrgico da Mercedes, amigo do Lula, estava em casa e me salvou da surra. Ele disse a minha mãe e ao meu pai que eles deveriam se orgulhar de mim. Eu, só disse que se meus pais quisessem saber o que eu fazia quando não estava na escola que fossem às 15 horas na Praça Princesa Isabel.

Estava lá no Comício, num sábado calorento do clima abafado de Cubatão, argumentado sobre a função da mulher operária no sistema capitalista. A metáfora que usei foi a do elástico: a mulher operária tinha de esticar o salário e segurar o marido para não ir às greves. De repente, no meio da pequena multidão, vejo o meu pai, me ouvindo atentamente.

Meu pai votava em Jânio Quadros, na direita mais conservadora do país. Ele foi um motorista e a vida toda abaixou a cabeça para os seus patrões. A partir dali, diversificamos o tema de nossas conversas para além do Timão. Meu pai passou a ler, a ficar mais atento à política partidária.

No comício eu ganhei um abraço do Lula, era a mascote daquela turma de craques. Ele me deu um pequeno livro e fez uma dedicatória que me lembro até hoje: “Se todos os jovens fossem como você as mudanças viriam mais cedo, com um abraço, Lula“. Procurei o livro para scanear e não o encontrei, mas ele continua a ser tão valioso quanto era quando o ganhei há quase 30 anos.

Olho o meu Brasil e a Cubatão de hoje, também governada por uma administração petista e feminina e tenho um orgulho tamanho do que de algum modo, exercendo a minha cidadania diária, eu ajudei a construir.

O Brasil de hoje apesar dos problemas que ainda tem deu um salto qualitativo sem precedentes e não é apenas em sua economia que faz com que o presidente Lula seja aclamado internacionalmente e que equipe da Al Jazeera inglesa se desloque até o interior de Pernambuco para conhecer um progama modelo para o mundo de combate a fome. O salto qualitativo passa pela consciência de muitos brasileiros que aprenderam que a política é um bem de todos e que uma boa política pode salvar vidas e uma má política pode nos levar a morte.

O Brasil de hoje dá muito mais chances ao jovens de periferia como as que eu não tive.

Diego Casaes é só um exemplo do Brasil de hoje: um jovem negro que saiu da periferia de Salvador, falando inglês com fluência foi para Copenhague cobrir a COP15. Diego além de trabalhar com cultura digital é colaborador do Global Voices e toca um projeto com as dimensões do Eleitor 2010. Ele é só um dos meninos que conheço que não teve seu talento e todas as suas potencialidades assassinadas pela falta de oportunidade de um Brasil que, anterior ao governo Lula, era só exclusão. Diego Casaes foi aluno do Prouni, o mesmo programa que o DEM, partido da coligação do PSDB, quer acabar e para isso entrou com ação de inconstitucionalidade no STF.

O Brasil de hoje do PROUNI está formando mais de 400 médicos filhos de faxineira, empregadas domésticas e uma infinidade de outros trabalhadores braçais que nunca sonharam em ter seus filhos na universidade.

O Brasil de hoje é um Brasil que nos faz ter orgulho de ser brasileiros, apesar de toda a tentativa perversa de uma mídia monopolizada e partidária desmoralizar o presidente mais popular da história do país.

O Brasil de hoje fez a maior capitalização da história mundial de uma empresa, a Petrobras, que cada dia é mais brasileira e que garantiu as riquezas do pré-sal para o povo brasileiro.

O Brasil de hoje tem a chance de eleger em primeiro turno uma mulher com uma história de vida e uma história pública de decência, voltada para a luta contra a ditadura militar e que foi presa e torturada por isso.

Por isso e por todas as realizações do governo Lula – as quais Dilma representa a manutenção e a ampliação dos avanços deste governo transformador – que a cada e-mail perverso que recebo contra Dilma, a cada manchete vergonhosa que leio na mídia que vota em Serra, a cada site fascista, proselitista, reacionário onde leio postagens mentirosas, a cada mensagem estúpida e detratora que leio no twitter, apesar de fazer o meu estômago revirar (nem nos meus piores pesadelos acharia que os adversários pudessem fazer uma campanha tão baixa), aumenta a minha gana para sair às ruas, conversar com as pessoas, discutir política, ouvi-las e dizer porque minha candidata é Dilma Rousseff.

Meu pai e minha mãe estavam de viagem marcada para Salvador para o final de setembro e adiaram-na para o dia 04/10. Eles votarão em Dilma Rousseff. A Ana, mensalista aqui de casa, vai se deslocar até a sua cidade pra votar em Dilma Rousseff.

Quanto a mim, mantenho viva aquela adolescente do comício da praça Princesa Isabel, a mesma adolescente que lutou por melhores condições de vida e trabalho, que ia para Vila Socó discutir política com os trabalhadores, que se indignou e brigou para que Cubatão deixasse de ser o Vale da Morte. Por isso, nos próximos cinco dias até a eleição vou continuar ligando e conversando com todos os que conheço, convidando-os a refletir sobre a importância de suas escolhas para o futuro do nosso país.

A mídia que vota em Serra e que durante oito anos fez oposição ferrenha ao presidente Lula, chamando-o até de estuprador (sem sofrer qualquer tipo de censura por parte do presidente) está fazendo seu trabalho. Está defendendo seu projeto neoliberal, privatizador, excludente, porque a vitória de Serra assegura seus interesses econômicos. Esta mídia não mediu e não medirá esforços pra conseguir seu objetivo. Ela não tem ética alguma, publica notícias e documentos falsos, como a Folha de São Paulo fez quando publicou, em primeira página, a ficha falsa de Dilma produzida por um blog de extrema-direita.

Resta-nos, portanto, a mim e a todos os brasileiros que fazem oposição a este projeto conservador e reacionário, com nosso trabalho de formiguinha, resistir, ir à luta e garantir a vitória de um Brasil mais inclusivo e cidadão. À luta, companheiras e companheiros e até a vitória sempre.

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Porque votarei em Dilma Rousseff


Os três principais candidatos nessa eleição presidencial são muito bons. A terceira colocada deve ser Marina Silva, e Marina Silva seria melhor presidente que 90% dos presidentes do mundo. Levando em conta só os competitivos, nos últimos dezesseis anos só Garotinho (que a The Economist traduzia como “Little Kid”) avacalhou nosso currículo, onde, na minha modesta opinião, devemos ter orgulho de ostentar Lula e FHC.

Mas é preciso escolher, e, no que se segue, argumentarei que a melhor opção para o Brasil no momento é uma ex-guerrilheira nerd.

1. Um bom governo, na minha opinião, deve (a) ser democrático, (b) não avacalhar a estabilidade econômica, e (c) combater a pobreza e a desigualdade. Por esses critérios, o governo Lula foi indiscutivelmente bom.

O governo Lula, tanto quanto o governo FHC, foi um governo democrático. Quem lê jornal no Brasil não apenas percebe que é permitido falar mal do governo, mas pode mesmo ser desculpado por suspeitar que falar mal do governo é obrigatório por lei. Os partidos de oposição atuam com plena liberdade, os movimentos sociais, idem, e, aliás, eu também. O Olavo de Carvalho se mandou para os Estados Unidos, dizem que com medo de ser perseguido politicamente, mas, se tiver sido por isso, foi só frescura. De qualquer modo, nunca antes nesse país exportamos tantos Olavos de Carvalho.

A economia foi muito bem gerida durante a Era Lula, a despeito do que falam muitos petistas (talvez preocupados com a falta de oposição competente). Companheiros, deixemos de falar besteira: a política econômica foi um sucesso. Mantivemos o bom sistema de metas de inflação implantado por Armínio Fraga no (bom) segundo governo FHC, e acrescentamos a isso: uma preocupação quase obsessiva por acumular reservas internacionais, a excelente ideia de comprar de volta nossa dívida em dólar, e medidas de incentivo fiscal quando foi necessário. A dívida como proporção do PIB caiu consideravelmente, e só voltou a subir quando foi necessário combater a crise. Certamente voltará a cair já agora.

Por essas e outras, fomos os últimos a entrar e os primeiros a sair da maior crise econômica desde 1929. Os tucanos se consideravam uma espécie de Keynes coletivo por terem sobrevivido à crise do México. Com muito menos custo, sobrevivemos à crise dos EUA. E isso se deu porque a economia durante a Era Lula foi muito mais bem administrada do que durante o primeiro governo FHC. No segundo governo FHC, aí sim, a economia foi bem gerida, e Lula fez muito bem em copiar seus métodos de gestão.

E, na área social, o Lula realmente se destaca na história brasileira, e na conjuntura econômica mundial. FHC não merece nada além de parabéns por ter copiado o Bolsa-Escola do governo petista do Distrito Federal (cujo governador havia idealizado o programa ainda na década de 80), e o PT merece críticas por ter atrasado sua adoção insistindo no confuso “Fome Zero” por tempo demais; mas, uma vez re-estabelecida a sanidade, o programa foi implementado com imenso sucesso, e, associado à política de recuperação do salário mínimo, e à boa gestão da economia, geraram resultados que não estavam nas projeções do mais otimista dos petistas em 2002. Para ser honesto, eu sempre votei no Lula, mas nunca achei que fosse dar tão certo.

A pobreza caiu algo como 43%. Vou dizer com palavras, para não dizerem que sou cabeça-de-planilha: a pobreza no Brasil caiu quase pela metade. Rodrigo Maia, escreva essa frase no quadro cem vezes. Mais de 30 milhões de pessoas (meia França, não muito menos que uma Argentina inteira) subiram às classes ABC. Cortamos a pobreza extrema pela metade (mas ainda é, claro, vergonhoso que tenhamos pobreza extrema). A desigualdade de renda caiu consideravelmente: a renda dos 10% mais ricos cresceu à taxa de 3 e poucos % na Era Lula, enquanto a renda dos mais pobres cresceu mais ou menos 10% ao ano, as famosas taxas chinesas. E tem uns manés que acham que os pobres votam no Lula porque são ignorantes ou mais tolerantes com a corrupção. Dê essas taxas à nossa elite e o Leblon inteiro tatua a cara do Zé Dirceu.

Não é à toa que o economista Marcelo Neri, um dos mais respeitados estudiosos da pobreza no Brasil, fala no período de 2003-2010 como “A Pequena Grande Década”. Tanto quanto sei, Neri não é petista.

Por outro lado, há algumas semanas, o sociólogo Demétrio Magnoli escreveu um balanço crítico do governo Lula, que considera um desastre. O artigo praticamente não tem nenhum número. I rest my case.

2. Seria idiota dizer que isso não é, em nenhum grau, motivo para votar na Dilma. Dilma participou ativamente disso tudo, e, no mínimo, apoiou isso tudo. Marina Silva, é verdade, apoiou quase tudo isso. José Serra não o fez, e muitos de seus simpatizantes continuam convictos de que os últimos oito anos, em que a renda dos brasileiros mais pobres cresceu no ritmo da economia chinesa, foi uma era das trevas da qual a nossa elite bem pensante (hehehe) acordará em breve, chorando de felicidade porque era só um pesadelo.

Mas, até aí, eu considero que a Era FHC também foi boa para o país, por outros motivos, e mesmo assim foi bom que Lula fosse eleito em 2002 (como irrefutavelmente provado acima). Por que não seria esse o caso, agora?

Em primeiro lugar, porque não acho que será bom para o Brasil se o governo Lula tiver sido só um intervalo. Se Serra ganhar a eleição, eis o que se tornará a versão oficial sobre esse período: uns caras com diploma governavam muito bem o Brasil por muitas décadas, aí surgiu um paraíba muito carismático que acabou % ganhando a eleição, mas não fez nada demais, por isso eventualmente a turma do diploma retomou o controle da coisa toda. Coloquei um sinal de porcentagem no meio da frase para que ela tivesse pelo menos um erro que não fosse também papo furado.

É importante compreender que os novos atores que compõem o PT vieram para ficar, pois são sócios-fundadores de nossa democracia, e que, de agora em diante, o Brasil é um país com uma esquerda que sabe ser governo. Isso quer dizer que agora a direita, para vencer eleições, precisa apresentar boas candidaturas (de preferência sem roubar nossos sociólogos, ou economistas heterodoxos) e, o mais crucial de tudo, apresentar propostas para os mais pobres, que acabam de descobrir que podem melhorar imensamente suas vidas com o voto. A direita brasileira ainda não fez esse trabalho: continua pensando como se fosse um direito natural seu governar o país, e esperando que algum movimento legitimista re-estabeleça a ordem nesta budega.

Enquanto a justiça eleitoral não fizer o voto do Reinaldo Azevedo ter peso 50 milhões, a estratégia de fingir que o governo Lula não desmoralizou os anteriores, diminuindo a pobreza sem desestabilizar a economia, não vai ganhar eleição. Enquanto não tiver um projeto para o país (o que, diga-se, o Plano Real foi), a oposição não merece voltar ao governo. Como o PT dos anos 90, por exemplo, não merecia ganhar a presidência, pois seu programa era o que, no jargão sociológico, era conhecido como “nhenhenhém”. O PT venceu quando reconheceu que o papo agora era outro, e era preciso partir das conquistas já alcançadas. Não há sinal que consciência semelhante exista na oposição como bloco político, embora, sem dúvida, o candidato Serra o tenha compreendido.

3. Mas esse tampouco é o melhor motivo para se votar na Dilma. O melhor motivo para se votar na Dilma é a Dilma.

Dilma tem uma trajetória política muito singular, como, aliás, tinham FHC e Lula. Quem tiver lido seu perfil recente na revista Piauí pode notar que há tantos fatos interessantes na sua vida que o jornalista mal teve espaço para falar dela, como pessoa. Dilma foi guerrilheira, foi torturada, e, durante a democratização, entrou para o PDT. Quando visitou, recentemente, o túmulo de Tancredo, a turma de sempre reclamou que o PT não o havia apoiado no Colégio Eleitoral. Bem, Dilma, como o PDT, apoiou Tancredo. Eventualmente, foi parar no PT, onde cresceu fulminantemente, e foi beneficiada pela decisão da oposição de queimar um por um dos quadros petistas mais famosos, algo pelo que, suspeito, já começam agora a se arrepender. Estariam pior agora se o candidato do Lula fosse, digamos, o Dirceu?

Tem gente que, com temor ou esperança, acha que Dilma mudará o rumo da economia. Eu posso estar errado, mas, baseado no que vi até agora, acho o seguinte: Dilma está singularmente posicionada para fazer com que, sob essa mesma política econômica, e com o mesmo compromisso com a justiça social, o país comece a crescer bem mais rápido do que cresceu nos últimos dezesseis anos.

Eu gosto de dizer o seguinte sobre política econômica: é verdade, o Banco Central desacelera o crescimento quando mantém os juros altos (e segura a inflação). Mas, a essa altura, o crescimento econômico já levou uma surra; antes de chegar no Banco Central, o carro do crescimento já tomou batidas da nossa falta de política de inovação, da baixíssima capacidade de investimento do Estado, da pobreza (que diminuiu, mas, para nossa vergonha, ainda está aí), do nosso abissal nível de qualificação educacional, dos entraves inacreditáveis para se abrir ou fechar um negócio, dos problemas gravíssimos da nossa urbanização. Essa desacelerada que o Banco Central dá é porque, depois de tomar tanta batida, ou nosso carro desacelera ou ele desmonta na pista.

Nossa visão deve ser a seguinte: queremos ter produção tecnológica como a Índia, mas com muito mais preocupação com a justiça social, e queremos ter o crescimento da China, mas com a mais absoluta democracia e com as garantias ambientais necessárias. Se esses limites nos atrasarem um pouco, paciência, somos, em nossos melhores momentos, um país que leva essas coisas a sério. O que não é admissível é que qualquer coisa que não nossos princípios atrase nosso progresso.

Muita gente diz que Lula entregou a candidatura à Dilma de mão-beijada, mas, aproveito para advertir, muita calma nessa hora, meu povo. Lula também lhe entregou uma roubada incrível, que foi também um teste. Quando Dilma foi colocada na direção do PAC, experimentou em primeira mão o quão ineficiente é nosso Estado como indutor do investimento: uma legião de entraves burocráticos, pressões políticas e uma história de más prioridades tornaram nosso Estado incapaz de investir e de oferecer infra-estrutura (tanto física quanto legal quanto humana) para o investimento privado.

A beleza da coisa é que Dilma é uma c.d.f. obcecada por políticas públicas. Quem leu sua entrevista no livro organizado pelo Marco Aurélio Garcia e pelo Emir Sader não pode ter deixado de se divertir com a diferença entre as coisas que os entrevistadores querem perguntar e as coisas que ela quer responder: os caras lá falando do liberalismo, de não sei o que mais, e ela animadona com um jeito de furar poço de petróleo, com um jeito qualquer de administrar hospital. Respeito muito o Marco Aurélio, que foi meu professor, mas a Dilma sai da entrevista muito melhor que ele e o Sader.

Me anima especialmente que, em vários momentos, tenha visto Dilma puxando o assunto das políticas de inovação. O Brasil não vai dar um salto qualitativo em termos de desenvolvimento enquanto não produzir tecnologia. Tecnologia é o tipo de coisa que depende de bons arranjos entre governo e setor privado, e, a crer nos relatos até agora a respeito de sua passagem pelo ministério de Minas e Energia, Dilma tem uma postura pragmática saudável nessas questões.

Lula deu ao capitalismo brasileiro milhões de novos consumidores, e essa descendência política exigirá de Dilma compromisso forte com a inclusão social. Mas agora é hora de dar ao capitalismo brasileiro a competitividade necessária para que ele gere os empregos de que precisam os novos ex-miseráveis, os formandos do ProUni, ou das novas Universidades Federais, inclusive; é hora de montar um Estado que entregue aos cidadãos as cidades necessárias à boa fruição da vida moderna, e montar um sistema de inovação tecnológica que tire da direita o monopólio do discurso moderno.

Por conhecer melhor do que ninguém o tamanho desse déficit, e pelo que se depreende de sua postura até agora diante desses problemas, Dilma Rousseff é a melhor opção para a presidência do Brasil nos próximos oito anos.

Até porque, contará com um recurso que só o PT tem: uma imprensa tão hostil que o sujeito realmente, realmente tem que prestar atenção para não fazer besteira. Superego é uma coisa útil, senão você trava.

4. Certo, mas deve ter gente pensando, ah, mas ela é só uma tecnocrata, vai ser engolida pelos políticos (o bom é que essa mesma turma dizia que o Lula, por não ser um tecnocrata, ia ser engolido pelos políticos). Deve ter gente, à direita e à esquerda, com esperança de manipular a Dilma. A Dilma, no caso, é aquela menina que, aos vinte e poucos anos, inspirava respeito até nos caras do Doi-Codi, como se depreende dos documentos da época. Se quiser ir tentar manipular essa dona aí, rapaz, boa sorte, vai lá. Depois você conta pra gente como é que foi.





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