O maestro, arranjador, compositor e multiinstrumentista Paulo Moura nasceu no dia 15 de julho de 1932,
A intensa musicalidade da família Moura fez com que todos os filhos aprendessem algum instrumento musical, embora apenas alguns, como os trompetistas José e Alberico e o trombonista Valdemar seguissem a carreira de músico profissional. Segundo Paulo: “Poderíamos ter formado um grupo musical, apenas a família Moura, com 2 trompetes (José e Alberico), 1 trombone (Waldemar), 3 saxofones (Pedro, meu pai, Pedro Jr., e eu), 1 bateria (Francisco, Chico para os amigos) e 1 piano (Filomena ou Nena, como é conhecida em família), se não tivessem meus irmãos mais velhos se mudado para o Rio de Janeiro, ainda na década de
Aos nove anos de idade, ganhou do pai a primeira clarineta e começou os estudos de piano, logo abandonados em prol dos instrumentos de sopro. Na adolescência já atuava em bailes, com o conjunto do pai. Mudou-se com sua família para o Rio de Janeiro, a fim de cursar o antigo científico (hoje ensino médio), em 1945, tendo a família Moura se estabelecido na Tijuca. Em 1947 interrompeu os estudos formais para se dedicar exclusivamente à música, tendo recebido aulas de teoria musical e solfejo com o professor João Batista, saxofonista de enorme prestígio nos meios musicais da época.
Em 1949 retornou aos estudos e concluiu o ensino médio. No ano seguinte, foi admitido na Escola Nacional de Música, onde se graduou
Em 1951, foi contratado para tocar na orquestra de Oswaldo Borba, da Rádio Globo, tendo participado, naquele mesmo ano, de sua primeira gravação em estúdio, acompanhando a cantora Dalva de Oliveira. Uma experiência que o marcaria para sempre foi tocar com a orquestra que acompanhou o maestro Leonard Bernstein, em um concerto no Rio de Janeiro, onde foi apresentado à música de George Gershwin. Causou profunda impressão no jovem saxofonista o fato de um maestro e pianista erudito enveredar pela seara da música popular, utilizando elementos da música negra americana, especialmente o jazz e o boogie wooggie.
No final daquele ano, Paulo foi servir ao exército, tendo sido designado para a Cavalaria de Guarda de São Cristóvão, onde foi imediatamente incorporado à orquestra. Em 1952, integrou a orquestra de Ary Barroso em uma excursão ao México e, na volta, juntou-se à orquestra do Maestro Cipó, titular da Rádio Tupi. Porém, não deixou de atuar como músico de estúdio, gravando com Nelson Gonçalves, Dircinha Batista, Núbia Laffayete, Ângela Maria, Carlos Galhardo, Dick Farney e muitos outros. Naquele ano, iniciaria os estudos no Conservatório de Música de Niterói, onde sairia, no ano seguinte, habilitado como professor de clarinete.
No ano seguinte, faria a sua primeira incursão a Nova Iorque, ao lado do trompetista Júlio Barbosa. Fãs de Charlie Parker, os dois brasileiros não puderam realizar o sonho de ver o ídolo ao vivo, pois Bird estava excursionando fora da cidade. Mas conheceram Dizzy Gillespie, que os recebeu em sua casa,
Data daquela época a amizade com João Donato, que costumava visitar a casa da família Moura e participar das Jam sessions que rolavam aos sábados. Vários outros músicos iam bater o ponto ali, como Bebeto Castilho (que futuramente integraria o Tamba Trio), Everardo Magalhães Castro, Luiz Marinho, João Luis e muitos outros. Consta que Johnny Alf também costumava aparecer por lá e encantava a moçada, exibindo em primeira mão composições como “Rapaz de Bem”, e foi por intermédio de Alf que Paulo Moura ouviu falar em um jovem pianista e arranjador, de estilo moderno e arrojado, mas ainda pouco conhecido mesmo nos meios musicais: Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim.
Em 1954, integrou-se ao conjunto do maestro Guio de Moraes, com quem permaneceria até 1956, ano em que gravou o seu primeiro LP, um 78 rotações, para a CBS, com uma versão do “Moto perpetuo", de Paganini . Graças a esse disco, foi convidado para participar de programas televisivos bastante populares, como os de Flávio Cavalcanti e Silvio Santos, na TV Tupi. Por conta da ótima repercussão, Paulo montou a sua primeira orquestra, atração fixa da Rádio Jornal do Brasil.
Embora contasse com músicos talentosos, como o baterista Edson Machado e o guitarrista Durval Ferreira, fizesse algumas apresentações em clubes e boates e tivesse gravado um disco para a Sinter, chamado “Escolha e dance com Paulo Moura e sua Orquestra de Danças”, o mercado musical não era nada amistoso para empreendimentos dessa natureza – o rock and roll começava a dominar as paradas de sucesso aqui, como já havia feito nos Estados Unidos. Daí porque Paulo teve que desfazer a orquestra, indo trabalhar como músico da então prestigiosa Rádio Nacional.
A orquestra congregava alguns dos maiores músicos brasileiros em atividade e ali, Paulo pôde conviver com maestros e arranjadores da estatura de Alceu Bocchino, Lindolfo Gaya , Lírio Panicalli, Radamés Gnatalli, Leo Peracchi, Guerra Peixe e Moacir Santos, além de músicos como o violinista Fafá Lemos, o guitarrista Zé Menezes, o baterista Luciano Perrone, o acordeonista Chiquinho, o clarinetista Luís Americano e o bandolinista Jacó do Bandolim. Além disso, o ambiente era, literalmente, familiar, pois três de seus irmãos mais velhos já atuavam na orquestra: José, Albérico e Waldemar.
Em 1958, excursionou com um grupo de artistas brasileiros ao Leste Europeu (Dolores Duran, Nora Ney, Jorge Goulart, Maria Helena Raposo e o Conjunto Farroupilha) e foi o responsável pelos arranjos e pela direção musical. Era a época da Guerra Fria e uma simples viagem à Rússia poderia, futuramente, impedir que um músico obtivesse o visto de entrada nos Estados Unidos. Retornando ao Brasil, Peeulo gravou o seu primeiro LP pela RCA, chamado “Sweet Sax”, no qual interpreta, com levada jazzística, standards e sucessos da música pop da época, como “Nel blue de pinto di blue”, “Temptantion” e “Out of Nowhere”.
O saxofonista permaneceria na Rádio Nacional até 1959, quando já fazia alguns trabalhos como arranjador e orquestrador. Após deixar a rádio, foi integrado à Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal, como clarinetista, em 1959, onde participou de inúmeros concertos, óperas e balés, e tocou sob a regência de maestros da estatura de Eleazar de Carvalho, Isaac Karabtchevsky, Igor Stravisnky, Leonard Bernstein e muitos outros. No mesmo ano, gravou para a Continental o LP “Paulo Moura interpreta Radamés Gnattali”, no qual um dos destaques era o jovem violonista Baden Powell.
Naquele mesmo ano, juntou-se brevemente à Orquestra de Severino Araújo, tendo participado de uma excursão à Argentina. De volta ao país e influenciado pelos ares portenhos, gravou o LP “Tangos e boleros”, para a gravadora Chantecler, além de atuar regularmente na orquestra da TV Excelsior. Também participou de inúmeros shows no Golden Room do Hotel Copacabana Palace acompanhando cantores estrangeiros como Lena Horne, Cab Calloway, Nat King Cole, Ella Fitzgerald, Sammy Davis Jr., Marlene Dietrich e outros.
No Brasil, o Beco das Garrafas, em Copacabana, era a trincheira da música instrumental brasileira, cuja vertente mais cultuada era chamada de samba jazz. Em 1962, o pianista Sergio Mendes criou o “Samba Rio”, ao lado de Otavio Bailly, Paulo Moura, Durval Ferreira, Dom Um Romão e Pedro Paulo. O grupo excursionava pelos Estados Unidos, quando o produtor musical Nesuhi Ertegun, da Atlantic, sugeriu que o nome fosse mudado para “Bossa Rio” e foi assim que Paulo pôde estar presente no célebre Festival de Bossa Nova, realizado no Carnegie Hall,
Outra conseqüência direta da participação no show do Carnegie Hall foi o convite ao “Bossa Rio” para participar do álbum “Cannonball’s Bossa Nova”, do saxofonista Cannonball Adderley, gravado em dezembro de 1962. No ano seguinte, Paulo participou das gravações do álbum “Do The Bossa Nova”, do flautista americano Herbie Mann, juntamente com diversos músicos brasileiros de primeira linha, como Tom Jobim, Baden Powell, Oscar Castro Neves, Sérgio Mendes, Durval Ferreira, Otávio Bailly, Dom Um Romão e Luiz Carlos Vinhas.
Paulo Moura sempre soube escolher muito bem os seus músicos e pelos pequenos conjuntos que liderou ao longo da carreira, passaram alguns dos mais renomados músicos brasileiros, como Oberdan Magalhães, Márcio Montarroyos, Robertinho Silva, Luiz Alves, Pascoal Meireles e muitos outros. Além disso, foi o responsável pelos arranjos do elogiado álbum “Edison Machado é samba novo”, do baterista Edison Machado, de 1964.
Aliás, os anos 60 foram de intensa atividade para o saxofonista: escreveu arranjos para a estrela
Gravado para o pequeno selo Equipe, “Quarteto” é um dos momentos mais sublimes da discografia de Moura, que aqui está secundado pelo pianista Wagner Tiso, pelo contrabaixista Luiz Alves e pelo baterista Paschoal Meirelles. Esse disco foi lançado em cd em 2007, pela gravadora Atração Fonográfica, com um trabalho gráfico primoroso e uma remasterização de primeira. Esgrimindo o sax alto, Moura é a personificação da musicalidade brasileira, embora a sua linguagem seja universal.
O disco abre com uma versão reflexiva de “Lamento do morro” de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, onde Moura extrai do saxofone uma sonoridade impressionista, quase abstrata. Com um andamento mais lento que o habitual, a execução revela toda a riqueza harmônico-melódica do nosso maestro soberano, com destaque para o intimismo do piano de Tiso. Luiz Alves é, por certo, um dos maiores contrabaixistas brasileiros de todos os tempos e Meireles cria um clima de dramaticidade, com a sua percussão soturna.
Em seguida, o grande Johnny Alf merece a honra de ver a sua extraordinária “Eu e a brisa” interpretada de forma magistral. Sobriedade e ousadia se complementam nesse que é, certamente, um dos momentos mais sublimes do álbum. O arranjo, delicado e singelo, dá espaço para que o líder possa improvisar com extrema autoridade, resguardado pela competência de três dos nossos maiores instrumentistas. Impossível não se emocionar e não lembrar de quanta beleza o nosso querido Rapaz de Bem nos deixou.
A toada “Meu lugar”, de Luiz Fernando Werneck, Danilo Caymmi e Fernando Brant, mostra que o articulado Paulo Moura estava atento às novidades que aconteciam no cenário da música popular brasileira. O clássico “aos pés da santa cruz”, de Marino Pinto e Zé da Zilda, recebe um tratamento reverente. A simplicidade do arranjo é quase monástica, embora haja espaço para improvisos por parte de Moura e Tiso.
O ídolo Charlie Parker está presente na deliciosa versão de “Yardbird Suite”, onde o quarteto, de forma bastante arrojada, faz a ponte entre a Rua 52 e as gafieiras cariocas. Meireles introduz elementos de samba à sua batida, com uma dosa absurda de swing. Os solos de Moura são demolidores e revelam um afiadíssimo conhecedor da sintaxe do jazz e do samba. Emulando Bud Powell, Tiso demonstra o quanto o jazz está entranhado em sua formação musical. Bird foi à Gafieira Estudantina e adorou o que viu por lá!
O hit “Sá Marina”, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, também ganha uma ótima releitura. O solo viajantes de Tiso, a saborosa malemolência do líder e o baixo cheio de groove de Alves merecem ser ouvidos com especial atenção. A lindíssima balada “Retrato de Benny Carter”, de Wagner Tiso, é uma merecida homenagem a um dos maiores nomes do jazz e um dos seus mais líricos saxofonistas. Paulo Moura, certamente, ouviu e aprendeu bastante com o homenageado.
“Razão” é um samba dolente, com arranjo típico do Beco das Garrafas. Os quatro músicos interagem telepaticamente e Tiso constrói um dos solos mais ricos do álbum. A técnica superior de Paulo Moura explode em uma profusão de acordes complexos, intrincados, honrando a tradição improvisacional do jazz. Noel Rosa e Vadico também comparecem à festa como convidados de honra, em uma arrebatadora interpretação de “Feitio de oração” e aqui se extrai uma verdade absoluta: ninguém aprende samba no colégio.
O álbum fecha em grande estilo, com “Terra”. Trata-se de uma das composições menos conhecidas do então jovem compositor – e parceiro de longa data de Wagner Tiso – Milton Nascimento. Como de hábito na obra de Bituca, é uma canção cheia de complexidade, com variações rítmico-harmônicas, mudanças súbitas de andamento, completamente inclassificável. Tiso e Moura percorrem o cosmo, tangenciam o free jazz, desafiam as fronteiras musicais. É samba. Mas não é. É jazz. Mas não é. É toada. Mas não é. É música. Grande música. E ponto final.
Nos anos 70, continuou a trabalhar em ritmo acelerado. Foi o regente da orquestra que acompanhou Milton Nascimento no show “Milagre dos Peixes”, em 1971, e que viraria o disco homônimo. Gravou o premiadíssimo “Confusão urbana, suburbana e rural”, que o levou a fazer shows pelo mundo todo. Em 1977, lançou o álbum “O fino da música”, acompanhado pelos veteranos Canhoto e Raul de Barros. No mesmo ano, o disco “Choro na Praça”, muito bem recebido pelo publico e pela crítica, mostra Paulo ao lado de verdadeiras lendas do samba e do choro Waldir Azevedo, Zé da Velha, Abel Ferreira, Copinha e Joel Nascimento.
Durante a década de 1980, Moura apresentou-se no Lincoln Center,
Também vieram trabalhos ao lado de Ney Matogrosso, Marisa Monte, Clara Sverner, Turíbio Santos e Olívia Byington. No dia 13 de maio de 1988, durante as comemorações pelo centenário da abolição da escravatura, Moura regeu a Orquestra Sinfônica de Brasília, durante a apresentação do “Concerto da Abolição”, de sua autoria. O espetáculo viajou pelo país e o repertório era composto apenas por músicas de autoria de compositores brasileiros negros.
Nos anos noventa, vieram o disco tributo a Dorival Caymmi, além do incensado “Dois irmãos”, ao lado do virtuose Raphael Rabello (1992). No mesmo ano, recebeu o prêmio Sharp de Melhor Instrumentista Popular. Em 1991, gravou na Alemanha, para o selo Messidor, o disco “Rio Nocturne”, ao lado do contrabaixista Jorge Degas e do percussionista alemão Andréas Weiser, que lhe rendeu um convite para se apresentar no Festival de Jazz de Montreux. Também fez trabalhos ao lado de Nivaldo Ornelas, Wagner Tiso e com o pianista norte-americano Cliff Korman (a dupla mergulha nas composições de Duke Ellington e Pixinguinha, no disco “Mood Ingênuo”, de 1999).
Em 1997 fez uma ponta no filme “Navalha na Carne”, de Neville de interpretando um músico de rua. Em 1998 gravou o disco “Pixinguinha”, vencedor do Prêmio Sharp, nas categorias Melhor CD Instrumental e Melhor Grupo Instrumental, no ano seguinte, e do Grammy Latino, na categoria Melhor Disco de Música Regional, em 2000. Para completar, ainda presidiu, entre 1996 e
O século XXI encontrou Moura com a habitual disposição. Gravações antológicas com Yamandu Costa (no álbum “El negro del blanco”, de 2004, que valeu a Moura o Prêmio Tim de Melhor Solista Popular) e João Donato (“Dois panos para Manga”, de 2006, onde os velhos amigos revisitaram o repertório do Sinatra-Farney), apresentações ao lado de Marco Pereira, Mauricio Einhorn, Armandinho e Marcos Suzano, um disco dedicado à obra de George Gershwin e Tom Jobim (“Paulo Moura visita Gershwin & Jobim”, gravado ao vivo em 1998 mas lançado em cd apenas em 2001), releitura da obra do saxofonista K-Ximbinho (“K-Ximblues”, de 2001) e participação no premiado documentário Brasileirinho, do finlandês Mika Kaurismaki.
Em 2007, o álbum “Samba de Latada”, gravado ao lado do cantor e compositor Josildo Sá, fez um mergulho nas raízes africanas da música nordestina, especialmente o baião e o forró, merecendo rasgados elogios por parte da crítica. Em 2008, Paulo recebeu a Medalha de Honra ao Mérito Cultural, comenda da Presidência da República. Também empreendeu excursões pela América do Sul e pelo Oriente Médio, indo até a Tunísia e Israel . Desde
Para nossa felicidade, esse verdadeiro orgulho musical brasileiro continua em atividade, cada vez mais firme e mais forte. No jazz ou no choro, na liberdade do improviso ou no rigor da partitura, na música erudita ou na música popular, na gafieira ou no Teatro Municipal, no subúrbio carioca ou nos elegantes salões da elite paulistana, em qualquer tom ou ambiente, a música de Paulo Moura é perfeita para dançar, brindar, emocionar, refletir, celebrar. Como no poema de Drummond, ele faz música para “acordar os homens e adormecer as crianças”. E isso não é pouco.
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