ACAMPAMENTO FRUSTRADO
Música e outras coisas

ACAMPAMENTO FRUSTRADO


Trailer Turiscar Briliant
Quando estudava em Baturité, no Ceará, participei ativamente de caminhadas longas pela Serra, no grupo de escotismo improvisado na Escola, e tomei gosto pelas atividades ligadas à Natureza, coisa que até hoje me fascina e que pautou toda a minha vida, nisso incluído haver viajado por todo o Brasil, com meus filhos, praticamente sem ocupar um quarto de hotel, somente acampando, quer em campings organizados, quer em áreas de praias e montanhas, quer usando um trailer ou barracas simples de lona e nylon.
Conheci assim os principais pontos turísticos e as atrações naturais dos Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Goiás e Distrito Federal.
Aos demais, minhas viagens foram feitas por avião, dadas as distâncias enormes que nos separam deles.
Esse amor pela terra brasileira está bem solidificado em toda a minha família e cada vez me sinto mais apaixonado por esta pátria tão cheia de contrastes e ao mesmo tempo tão farta de beleza, de sol, de música e alegria.
Nas férias de 57, quando voltei do Ceará, após um semestre afastado de casa, resolvi acampar no fundo do quintal, embaixo de uma frondosa mangueira.
Passei uma corda do seu tronco para um cano grosso de ferro das pilastras que sustentavam o telhado lateral da casa, deixando-a bem esticada e por sobre ela lancei um cobertor de lã axadrezado, de casal, que "tomei emprestado" do varal onde secava.
Era de tardinha, por volta das 5, o sol já querendo se recolher, e o pessoal estava todo lá pela frente, de forma que "trabalhei" muito tranquilo na execução dos meus planos para armar minha tenda.
Esses planos incluíam uma ação meio nefasta, qual seja: armado de umas seis estacas de madeira, com cerca de um palmo cada, afiadas com faca de cozinha e originárias de um cabo de vassoura quebrado, passei a enfiá-las no cobertor, fixando-o no chão de terra do quintal e furando um buraco de bom tamanho, a cada estaca que batia.
Isso posto, com a minha cabana triangular perfeitamente esticada e fixada ao chão, providenciei um piso muito confortável: uma esteira de piri-piri, de propriedade de minha madrinha Dedé que, também desconhecendo a minha expropriação, ajudava Mãezinha com os pequenos, lá na frente da casa.
E prosseguia minha "trela"... fui ao quarto e, de cima da minha "cama patente" Faixa Azul, arrastei o colchão de palha seca, revestido de um tecido rústico de algodão listrado de azul, vermelho e branco, numas tonalidades meio desbotadas, creio que pela economia de tintura na fábrica de tecidos que o distribuía.
Colchão de palha..ô tempo bom ! 
Colchão em cima da esteira, fechei as abas da barraca com duas toalhas de banho e, calado, fui pra sala jantar.
Como já estava escuro e ninguém mais achou de ir até o fundo do quintal, naquela hora, meu "acampamento" ficou lá, camuflado pelas sombras da noite.
Terminada a ceia, anunciei meu segredo: iria acampar no fundo do quintal e, solenemente, pedi a Paizinho a permissão.
Ele, não contendo o riso, a concedeu e acrescentou:
-Vá, meu filho..mas se o medo apertar de noite, pode bater na porta que eu abro a casa pra você.
Fiquei feliz pelo voto de confiança e, muito ancho, recolhi-me ao meu acampamento particular. Por via das dúvidas, levei uma lanterna de pilhas, que naquele tempo a gente chamava de "flash-light" e era de metal cromado, da marca "Eveready".
lanterna eveready das antigas 
Valentemente fiquei lendo alguma coisa à luz da lanterna, até o sono chegar, enquanto escutava os risos dos irmãos, som que aos poucos foi sendo substituído pelo chiado dos grilos e miados de gatos da vizinhança; mais tarde, apenas um ou outro latido de cachorro e - distante- o assovio agudo e tranquilizante do apito do guarda-noturno.
Não sei se cheguei a dormir... acho que cochilava quando, de repente, um piado de coruja ou bacurau me fez arrepiar todo e saí em disparada pelo quintal, batendo várias vezes na janela do quarto dos meus pais.
Paizinho, que estava acordado, esperando mesmo este momento, abriu a porta da casa e me ajudou a botar o colchão pra dentro.
Chato foi ter que aguentar as gozações do dia seguinte, acompanhadas do jogral da irmanzada:
- "Escoteiro de marca fobó, que mija na cama e diz que é suor"....
E eu, que havia até pensado numa desculpa bem conveniente para a desistência, esqueci meu imaginário "gato-do-mato quase do tamanho de uma onça", que seria meu álibi para a corrida de volta ao sossego das quatro paredes de um quarto, sorri amarelo, disfarcei e entrei no coro.

(do meu livro de crônicas "Caçador de Lagartixas")






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