MANSIDÃO
Música e outras coisas

MANSIDÃO




 Ah, minha antiga juventude,

Quando me embriagava dos dias e das noites

E não me escondia da vida

Ouvia a silenciosa canção das flores

Sentia a vívida ancestralidade do seu perfume

Ainda não conhecia o sabor amargo das ervas obscuras

E trafegava pelos bares,

O templo alegre da oração líquida

A igreja mundana da comunhão mais verdadeira,

Mas os bares um dia fecharam as portas

E a cidade ficou deserta,

Os pátios viraram ruína

E as ruas eram um esboço inacabado

Desde então minha sede permanece intacta

A sede veemente e rouca

Que não amaina porque mesmo a pino

O sol é penumbra e horror

Perdeu-se a dança, perdeu-se o riso

Perdeu-se a solenidade irreverente

O fio da palavra não mais tece a linha do tempo

E os dias se apagam como uma fratura silenciosa

Não importa se é setembro ou fevereiro

As badaladas dos sinos alardeavam

O triunfo do tempo, o pesadelo nu

O tempo inclemente se insinua pelos desvãos de uma vida vazia

A vida que se esvai

Não com um rugido feroz,

Mas com um suspiro breve e quase mudo

O futuro vagaroso e sumário

Só traz a dor aguda

A agonia translúcida

Dos dias que passam despercebidos

Pela janela dos meus olhos

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Montgomery Bernard Alexander nasceu em Kingston, Jamaica, no dia 06 de junho de 1944. Com a inacreditável idade de quatro anos, já golpeava calipsos e boogies no piano de casa. Aos seis anos iniciou-se nos estudos de piano clássico e tudo indicava que ele se tornaria um respeitado concertista. Todavia, na adolescência ele assistiu, no Kingston's Carib Theater, a concertos de Louis Armstrong, Ray Charles e Nat “King” Cole e apaixonou-se pelo jazz, orientando sua carreira para esse estilo.

Com apenas 16 anos e já usando o nome artístico de Monty Alexander, ele formou no colégio sua primeira orquestra, chamada “Monty And The Cyclones”. Atuando em festas e bailes, o grupo chegou a gravar, usando então a denominação de “The Skatalites”. Nessa época, o pianista era um assíduo freqüentador dos clubes de jazz de Kingston e foi ali que conheceu o lendário guitarrista jamaicano Ernest Ranglin, considerado o inventor do ska.

Em 1961 mudou-se com a família para os Estados Unidos, estabelecendo-se em Miami. Atuando em clubes noturnos da cidade, não demorou a chamar a atenção do pianista Wynton Kelly, também nascido na Jamaica e de quem Monty se tornaria amigo. Kelly seria uma de suas principais influências, ao lado de Art Tatum, Oscar Peterson, Gene Harris e Ahmad Jamal. Outros grandes pianistas que Monty conheceu nesse período foram Bill Doggertt, George Shearing e Eddie Heywood. Em 1963 Alexander realizou uma temporada com a orquestra de Art Mooney em Las Vegas, chamando a atenção de ninguém menos que Frank Sinatra

Impressionado com o talento do rapaz, Sinatra recomendou-o a seu amigo Jilly Rizzo, proprietário do clube  “Jilly’s” de Nova Iorque. Monty decidiu se mudar para a Grande Maçã e se tornou atração fixa da casa. O próprio Sinatra chegou a se apresentar ali, sempre acompanhado por seu protegido. Durante o período no clube, o pianista conheceu os integrantes do “Modern Jazz Quartet”, tornando-se amigo particular do vibrafonista Milt Jackson, com quem gravaria inúmeros discos. Jackson o apresentou ao baixista Ray Brown, que também se converteria em um importante parceiro musical.

O pianista deixou o “Jilly’s” para se apresentar no “Playboy Club”, também em Nova Iorque, ao lado do guitarrista Les Spann, permanecendo no clube por cerca de dois anos. Em 1964, aos 20 anos, fez as suas primeiras gravações como líder, para a World Pacific Records: “Alexander The Great” e “Spunky”. Também atuou, por uma temporada, no “Playboy Club” de Los Angeles, liderando um trio formado por Victor Gaskin (contrabaixo) e Paul Humphrey (bateria).

Em agosto de 1969, gravou, juntamente com Ray Brown e Milt Jackson, um álbum ao vivo no “Shelly’s Manne Hole”, lendário clube californiano. O disco foi lançado pelo selo “Impulse” e conta com as presenças de Teddy Edwards no sax tenor e Dick Berg na bateria. No início dos anos 70 o produtor Don Schlitten, atendendo a uma recomendação de Oscar Peterson, contrata Monty para o cast do selo alemão MPS.

O experiente Schlitten, com uma excelente folha de serviços prestados à Prestige e à Muse Records, havia fundado anteriormente os selos “Signal Records” (vendido no final da década de 1950 para a “Savoy Records”), “Cobblestone Records” (gravou Sonny Stitt e as  apresentações do “Newport Festival” de 1972) e “Xanadu Records” (onde gravaram Barry Harris, Al Cohn, Charles McPherson e muitos outros).

Schlitten não se arrependeu de sua decisão. Os álbuns gravados por Alexander na MPS figuram entre os melhores da longa discografia do pianista. O primeiro deles é realmente sensacional: “We’ve Only Just Begun”. As gravações foram realizadas no dia 1º de dezembro de 1971, durante uma apresentação em Buffalo, estado de Nova Iorque, e para acompanhar o líder, dois músicos mais do que rodados, o contrabaixista Eugene Wright (egresso do quarteto de Dave Brubeck) e o baterista Bobby Durham (veterano do trio de Oscar Peterson).

A introdução fica a cargo de uma poderosa versão de “It Could Happen to You”, de Jimmy Van Heusen e Johnny Burke. Executada em um tempo surpreendentemente rápido, com direito a uma longa e furiosa citação de “Milestones”, de Miles Davis, a faixa mostra o domínio de Alexander sobre o idioma bop. Destaque-se, ainda, a exuberância rítmica de Durham, que ataca a bateria com a ferocidade de uma matilha de lobos.

“Theme from Summer of '42”, de Michel Legrand, ganha uma arranjo emocionante. A introdução, a cargo de Alexander e Durham, é de uma beleza sóbria e o desenvolvimento do tema é quase minimalista, com um excelente trabalho do baterista com as escovas. “Monticello” é uma composição do líder e flerta com o soul jazz. Com um groove irresistível, lembra a pegada vigorosa de Gene Harris, um dos pianistas mais influentes na carreira de Monty.

Sem medo de enveredar pela seara pop, o trio faz uma impactante versão de “We've Only Just Begun”, da dupla Roger Nichols e Paul Williams, que em nada lembra a açucarada interpretação dos Carpenters. A versão do disco passa longe da cafonice e da obviedade, incorporando ao tema elementos da música caribenha, tão caros ao pianista. A percussão irrequieta de Durham e o apoio impecável de Wright adicionam charme e colorido à interpretação.

Frank Loesser é o autor da balada “I've Never Been in Love Before”, que recebe um arranjo altamente subversivo. Após uma introdução lenta, o trio faz uma releitura arrasadora, em tempo rápido e com um pronunciado acento bop. Improvisando de forma lúcida e vibrante, Monty não esconde a influência de Oscar Peterson em sua formação e como o canadense, seu fraseado e seu timbre possuem uma enorme vitalidade. Contagiados pelo líder, Wright e Durham mostram um excelente entrosamento e preparam o formidável suporte rítmico para os vôos de Alexander.

O álbum encerra com uma insólita versão do hit “Theme from Love Story”, de Francis Lai e Henry Mancini, retirado da trilha sonora do filme homônimo. A película fez um sucesso tremendo nos anos 70 e a interpretação do trio é surpreendente, ao inserir elementos de bossa nova, calipso e ao formular citações de “Fascinating Rhythm”.

Em 1974 o pianista realiza uma longa temporada pelos Estados Unidos e em abril de 1975 faz a sua primeira excursão européia, iniciada em Londres, no tradicionalíssimo clube “Ronnie Scott’s. No ano seguinte, excursiona pela Europa com o percussionista Othello Molineaux. A partir de então o jamaicano se torna um dos nomes mais requisitados do cenário jazzístico, realizando concorridas apresentações em clubes e festivais.

Ele se consagra como um excepcional pianista de trio, geralmente acompanhado por baixo e bateria (que por vezes é substituída pela guitarra).  Herb Ellis, Ray Brown, Mads Vinding, John Clayton, Niels-Heening Ørsted Pedersen e Ed Thigpen seriam seus parceiros mais constantes ao longo dos anos 70 e 80. Além disso, foi o pianista mais constante do Ray Brown Trio no mesmo período, tendo feito gravações formidáveis ao lado do lendário baixista.

Alexander seria um dos destaques do sexteto que acompanhou Dizzy Gillespie em sua memorável apresentação no Festival de Montreux de 1977. A banda era completada por Ray Brown, Milt Jackson, Jonathan “Jon” Faddis e Jimmy Smith. Gillespie e seus comandados revisitam temas como “Once In A While”, “But Beatiful” e “Here’s That Rainy Day” e para o deleite dos jazzófilos essa espetacular apresentação ficou perpetuada em DVD dentro da série “Norman Granz Jazz In Montreux”. 

Em 1981 Alexander casou-se com a guitarrista Emily Remler, mas o casamento foi desfeito em 1984. Considerado o “novo Oscar Peterson”, o pianista participou de projetos muito bem sucedidos, como o álbum “Unforgetable”, de Natalie Cole, que arrebatou sete prêmios Grammy, e da trilha sonora do filme “Bird”, biografia de Charlie Parker dirigida por Clint Eastwwod. Em 1993, realizou, no prestigioso Carnegie Hall, um concerto em homenagem ao grande Erroll Garner e em 1996, durante o Festival de Verbier, na Suíça, Monty participou de uma releitura de “Rhapsody In Blue”, de George Gershwin, sob a direção do cantor Bobby McFerrin.

De 1979 a 1997 foi um dos mais destacados artistas do cast da Concord, gravando ali dezenas de álbuns como líder, sendo que o primeiro deles foi “Facets”, ao lado de Ray Brown (baixo) e Jeff Hamilton (bateria). Na gravadora, participaria de uma infinidade de outros discos como sideman e em seu portfólio pode exibir trabalhos ao lado de Kai Winding, Milt Jackson, Dizzy Gillespie, Ernestine Anderson, Miles Davis, Marshall Royal, Johnny Griffin, Shelly Manne, Jimmy Smith, Barney Kessel, Howard Alden, Herb Ellis, Sonny Rollins, Clark Terry, Quincy Jones, Mary Stallings, Benny Golson, Frank Morgan e muitos mais.

Em agosto de 2000 Alexander foi agraciado pelo governo jamaicano o título de “Commander in the Order Of Distinction”, por conta dos relevantes serviços de embaixador musical por todo o mundo. É uma das atrações mais constantes em festivais pelo mundo e em 2008 ele foi convidado por Wynton Marsalis para produzir e dirigir, para o “Jazz At Lincoln Center”, o programa “Lords Of The West Indies”, transmitido nacionalmente pela “BETJ”. No ano seguinte, mais uma série de programas, chamada “Harlem Kingston Express”, mostrando as interações entre o jazz clássico e os ritmos jamaicanos.

Como leciona Pedro “Apóstolo” Cardoso, Alexander é um artista maduro e possuidor de um estilo próprio, que “sempre nos brinda com uma música de alta qualidade, agradável, plena de “swing”, alguns toques caribenhos, total domínio nos acordes blocados e um “colorido” bem especial”. Sua longa discografia, que registra tributos a Duke Ellington, Bob Marley, Nat King Cole e Tony Bennett, encontra-se distribuída por selos como Pablo, Telarc, Island, BMG, Kingston Records, Chesky, JVC, Jazz Hour e outros.

Em 2011, lançou o disco “Harlem-Kingston Express” para a Motema Music. Gravado ao vivo no clube Dizzy’s Coca-Cola, em Nova Iorque, o álbum foi direto para os primeiros lugares das paradas de jazz e apresenta versões de sucessos como “Day-O (Banana Boat Song)”, imortalizada por Harry Belefonte, e “No Woman, No Cry”, de Bob Marley. Atualmente, Alexander vive em Nova Iorque, com a esposa, a cantora Caterina Zapponi.

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