FOGO NAS MÃOS
Música e outras coisas

FOGO NAS MÃOS




Guitarrista, compositor, arranjador e educador musical, Jimmy Bruno é um dos grandes nomes do jazz contemporâneo, embora não seja tão famoso e nem tenha tido reconhecimento proporcional ao seu fulgurante talento. Nascido no dia 22 de julho de 1953, na Filadélfia, estado da Pensilvânia, começou a tocar guitarra aos sete anos, quando ganhou do pai uma vistosa Gibson L4. Estimulado pela família, em pouco tempo já exibia uma destreza capaz de assombrar os mais experientes músicos.

Seu pai, Jimmy Sr., também era guitarrista e havia participado da gravação de “Guitar Boogie Shuffle”, do violinista Frank Virtue, que fez enorme sucesso em 1958. A mãe era cantor e o garoto costumava praticar oito horas por dia. Na adolescência, Jimmy foi estudar improvisação com o baixista Al Stauffer, um dos mais renomados da Filadélfia. Concluído o ensino médio, o jovem oscilou entre a música e a medicina, mas a vocação musical falou mais alto e ele seguiu carreira no jazz.

Ouvia compulsivamente os discos de Johnny Smith, Hank Garland, Joe Pass, Tal Farlow, Wes Montgomery, Kenny Burrell, Barney Kessel, Jimmy Raney, Jim Hall e Pat Martino, que até hoje aponta como suas maiores influências. Aos dezenove anos começou sua auspiciosa carreira musical, na big band do exigente Buddy Rich. Jimmy costumava tocar em gigs na cidade de Wildwood, em Nova Jérsey, e suas atuações chamaram a atenção de Rich. Consta que o baterista costumava atirar baquetas nos músicos de sua orquestra, quando o desempenho destes não correspondia ao esperado, mas Bruno jamais foi agraciado com esse “mimo”.

Depois de excursionar com Rich pelo país, Bruno participou das bandas de Frank Sinatra, Wayne Newton, Lena Horne, Tommy Tedesco, Anthony Newley e Doc Severinsen, entre outros. Em busca de melhores oportunidades de trabalho, Bruno se mudou para Las Vegas em meados da década de 70. Também morou em Los Angeles, tocando em orquestras de hotéis e cassinos, atuando em programas de TV e participando de gravações de artistas de vários estilos, indo do country ao pop.

Seu envolvimento com esses estilos, todavia, jamais arrefeceu seu amor pelo jazz. Sua maior frustração era, exatamente, não poder tocar o estilo que com a freqüência que gostaria. Decidido a retomar, com maior intensidade, a carreira jazzística, ele voltou à cidade natal em 1988 e nunca mais deixou de se apresentar em pequenos clubes, geralmente em formato de trio, tanto é que declarou em uma entrevista: “Em Los Angeles eu estava ganhando uma boa grana, mas não conseguia tocar jazz de forma alguma. Num cenário musical como aquele, você acaba perdendo a qualidade e a concentração. Depois que eu retornei a Filadélfia, toco jazz pelo menos cinco vezes por semana e nunca passei um único final de semana sem me apresentar”.

No início de 1991, o produtor Carl Jefferson, da Concord Records, descobriu o guitarrista e se encantou com suas habilidades. Contratou Bruno imediatamente e somente então, quando já estava com 38 anos, é que pôde gravar o seu primeiro álbum como líder, o feérico “Sleight of Hand”. Depois dele vieram outros petardos, como “Burnin’”, “Like That” e “Polarity” (um duo com o não menos talentoso guitarrista Joe Beck).

A visibilidade dada por seus discos fizeram de Bruno figurinha fácil em concertos e festivais pelo mundo, destacando-se a sua participação no JVC Jazz Festival, Concord Jazz Festival e Pescara Jazz Festival, na Itália. Atuou, como líder ou sideman, ao lado de feras do gabarito de Joe Beck, Bobby Watson, Jack Wilkins, Tal Farlow, Howard Alden, Christian McBride, Frank Vignola, Kurt Elling e muitos outros. Também marcou presence em concertos em homenagem a grandes mestres da guitarra, como Barney Kessel, Kenny Burrell, Herb Ellis e Johnny Smith.

Em meados dos anos 90, o guitarrista passou a se dedicar à educação musical, tendo criado, em 2007, o Jimmy Bruno Guitar Institute, onde leciona teoria musical, composição, arranjo e improvisação. Ele foi um dos pioneiros no ensino através da internet e arrebanhou uma legião de alunos virtuais, pelo mundo afora e até hoje dá cursos e oficinas nos Estados Unidos e em diversos outros países.

Um dos pontos altos de sua discografia é o álbum “Live at Birdland II”, gravado no célebre clube novaiorquino, nos dias 15 e 16 de dezembro de 1996. Ao lado do guitarrista, os habituais parceiros Craig Thomas no contrabaixo e Vince Ector na bateria e em cinco das dez faixas, Jimmy conta com a excelsa participação do virtuose Scott Hamilton no sax tenor.

“Reticulation”, composição do próprio Bruno, abre o disco de maneira explosiva. O guitarrista é fluente, articulado e extremamente melodioso, lembrando Wes Montgomery em seus melhores momentos. A velocidade do seu dedilhado e as frases extremamente bem construídas revelam um artista de enorme talento e imaginação. O mesmo sucede com seus acompanhantes, em especial o baixista Thomas, um verdadeiro ás em seu instrumento.

Em seguida, é a vez de “Chesapeake Blues”, de autoria de Thomas. Trata-se de um blues ensolarado e cheio de nuances, onde o trio se vale da delicadeza e da inteligência, ao invés da força e da contundência habitualmente associadas ao estilo. Acordes tranqüilos e relaxados por parte do líder, uma sensacional performance do contrabaixista (que durante boa parte da execução usa o arco) e a sobriedade percussiva de Ector tornam esta faixa uma das mais atraentes do disco.

Verdadeiro clássico de Clifford Brown, “Joy Spring” é um dos temas preferidos pelos guitarristas e a atmosfera alegre e primaveril sugerida pelo título é plenamente incorporada pelo trio. Improvisador de recursos aparentemente inesgotáveis, Bruno elabora um labirinto de harmonias em seus solos, mas jamais perde a concatenação.

“Poinciana”, de Buddy Bernier e Nat Simon, foi imortalizada pelo pianista Ahmad Jamal. O arranjo do trio é lânguido, sincopado e impregnado de um charmoso acento latino. O trabalho de Ector é decisivo na construção do clima, equilibrando-se entre a malemolência e a candura. A interpretação de Bruno ganha ainda mais importância porque esse é um tema freqüentemente associado ao piano, sendo um dos poucos guitarristas a tê-lo gravado.

“I Can't Give You Anything But Love” é fruto da parceria entre Dorothy Fields e Jimmy McHugh. Aqui, o baixista e o baterista saem do palco, para que Bruno possa brilhar em um solo emocionante. Com uma sonoridade encorpada, com bastante ênfase nos graves – ao estilo Kenny Burrell – o guitarrista percorre a melodia com sobriedade e altivez, sem recorrer a malabarismos e evitando o exibicionismo gratuito.

Composta a seis mãos por Billy Bird, Sir Henry Joseph Wood e Teddy McRae, “Broadway” é uma espécie de hino não oficial do showbizz norte-americano e marca a entrada em cena do fabuloso Scott Hamilton. A versão do quarteto é veloz, assentada na tradição bop e mostra o duelo entre dois dos mais fulgurantes solistas da atualidade. Custa crer que Hamilton e Bruno jamais tenham tocado juntos antes e, de acordo com as informações do disco, escolheram o repertório poucos minutos antes da apresentação, isto é, nem sequer ensaiaram previamente. 

Todos os encômios também para a devastadora performance do endiabrado baterista.
“Lover Man”, de Jimmy Davis e Jimmy Sherman e Roger "Ram" Ramirez, ganhou o mundo na voz de Billie Holiday e a versão do disco, apenas com o sax e a guitarra, é primorosa. O tema serve para dar uma refrescada no clima e dá espaço para que Bruno exiba seu lado romântico. O guitarrista exala lirismo e elabora delicadas texturas sonoras, muito bem replicadas pelo saxofonista, cuja proverbial sensibilidade evoca os grandes mestres do passado, em especial Ben Webster, Lester Young e Stan Getz.

Thomas e Ector retornam para a admirável interpretação de “I Hear a Rhapsody”, belíssima composição de Dick Gasparre, George Fragos e Jack Baker. Ector tem uma atuação primorosa, com um admirável senso de tempo e uma pulsação contagiante. Hamilton é uma usina de swing e de idéias muito bem concatenadas, sempre executando suas frases com um bom gosto e uma potência invejáveis. Bruno é uma força da natureza e arrebata o ouvinte com acordes apaixonados, energia e uma boa dose de impulsividade.

Eddie DeLange e James Van Heusen assinam a comovente “Darn That Dream”, que ganha um arranjo impressionista, sobretudo por conta da interpretação apaixonada de Hamilton. O som que ele extrai do saxofone, rouco e arrastado, reverbera como um lamento de amor não correspondido. Bruno tem uma atuação igualmente marcante e seu dedilhado evoca um misto de elegância e desamparo. A percussão fantasmagórica de Ector também merece ser ouvida com bastante atenção.

Para encerrar, uma soberba interpretação de “I Want To Be Happy”, da dupla Irving Caesar e Vincent Youmans. Hamilton e Bruno duelam com ferocidade e provocam um verdadeiro frenesi na platéia, que vibra ruidosamente a cada intervenção daqueles. Dois solistas em estado de graça, improvisando com fúria, energia e criatividade, produzindo sonoridades arrebatadoras e chegando aos limites das possibilidades rítmico-harmônicas dos respectivos instrumentos. Ótimos solos de Thomas e de Ector ajudam a tornar o programa ainda mais sensacional. Um disco para ser degustado muitas e muitas vezes e que, a cada audição, se torna ainda mais delicioso.

Bruno deixou a Concord em 2001, quando lançou “Midnight Blue”. Sobre sua saída, comentou: “a gravadora cresceu muito e começou a ter necessidade de manter em seu cast artistas de um perfil mais popular, como Barry Manilow ou Ray Charles”. A separação se deu de forma amigável e Jimmy não guarda mágoas: “a Concord vai sempre produzir música de qualidade. Os caras que estão à frente da gravadora – John Burk e Glen Barros – são realmente apaixonados por música e não dois engravatados que só se importam com números e vendas”.

De qualquer maneira, Jimmy tem gravado com regularidade ao longo dos últimos anos e fez algumas gravações, como líder, para as pequenas Sinistral Records e Mel Bay Records. Atualmente ele faz parte da Affiliated Artists Records, por onde lançou o elogiado “Maplewood Avenue”, considerado um dos melhores álbuns de 2008 pela revista Downbeat. Gravado em sua própria casa, o disco flagra Jimmy, que também atuou como engenheiro de som e produtor, ao lado do baixista Jeff Pedraz e do vibrafonista Tony Miceli.

O repertório traz apenas composições originais e sobre suas opções, o guitarrista foi enfático: “Eu sempre quis fazer algo parecido com o que Red Norvo Trio fazia. Quanto à não inclusão de standards, isso também foi uma decisão consciente. Fazer um disco apenas com composições originais me pareceu uma ótima idéia desde o princípio e eu fiquei muito contente com o resultado. À medida em que íamos compondo, os novos temas que surgiam eram cada vez melhores e por isso tivemos um amplo material para trabalhar”. Em 2009, quando completou seu 75º aniversário, a Downbeat indicou Bruno como um dos 75 melhores guitarristas de todos os tempos.

Além da música, Jimmy tem uma outra grande paixão: o tiro esportivo. A aproximação com as armas de fogo se deu por causa de uma tentativa de assalto. Certa noite, após sair de um clube onde havia acabado de se apresentar, seu carro, um Mercedes-Benz novinho em folha, foi cercado por dois automóveis e os ladrões, armados, anunciaram o roubo.

Jimmy manteve o sangue frio e acelerou, conseguindo escapar do cerco, antes que os bandidos pudesse machucá-lo. Mas ficou extremamente abalado e procurou uma loja de armas, decido a não correr mais riscos dessa natureza. Ele comprou uma pistola automática Glock e se inscreveu em um curso prático de tiro. Ficou tão fascinado com o tiro esportivo que hoje sua ligação com as armas põe em segundo plano até mesmo a questão da defesa pessoal. Para Jimmy, o mais importante é que o esporte o ajuda a manter a concentração e melhora o equilíbrio.

Bruno passou por outro susto em 2008, agora relacionado à saúde. Naquele ano recebeu o diagnóstico da síndrome do túnel do carpo, uma doença neurológica que afeta o nervo mediano, localizado em uma região do punho chamada túnel do carpo. A compressão desse nervo causa dormência, formigamento, dor e compromete os movimentos das mãos. Felizmente, o tratamento cirúrgico foi bem sucedido e após alguns meses de fisioterapia ele recuperou completamente a capacidade de tocar e a doença não deixou seqüelas.

O guitarrista continua morando na Filadélfia, com a esposa Peg, e só sai de lá para ministrar cursos ou realizar concertos. Na cidade natal, é figurinha carimbada nos principais clubes de jazz, espe ialmente no Ortlieb's no Chris' Jazz Café, onde costuma encontrar com outro nativo ilustre, o ídolo Pat Martino. Recentemente, foi uma das estrelas da Jazz Improv Convention, realizada em Nova Iorque, onde suas oficinas estavam entre as mais concorridas. A Grande Maçã, alias, é um dos destinos mais freqüentes do guitarrista, que costuma se apresentar com habitualidade no Birdland e no Iridium, seus clubes favoritos, juntamente com o Blues Alley, em Washington DC.

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