ANARRIÊ! ALAVANTU! VIVA SANTO ANTÔNIO, SÃO JOÃO, SÃO PEDRO E JULIAN PRIESTER!
Música e outras coisas

ANARRIÊ! ALAVANTU! VIVA SANTO ANTÔNIO, SÃO JOÃO, SÃO PEDRO E JULIAN PRIESTER!




Nascido no 29 de junho de 1935, em Chicago, Julian Anthony Priester é um trombonista e compositor dos menos badalados. Mas hoje, durante os festejos dos seus 76 anos bem vividos, ele já declarou que vai deixar de lado a timidez e meter o pé na jaca. Afinal, hoje também se comemora o dia de um dos santos mais queridos e cultuados do catolicismo: São Pedro, o guardião do céu!

A festa vai ter muito mingau de milho, curau, vatapá, torta de camarão seco, pé-de-moleque, arroz doce, canjica, paçoca, bolo de fubá, cuscuz, pamonha e cocada. A Caninha da Roça mandou um carregamento de 50 litros da “mardita” prá animar a rapaziada. A fogueira já foi acesa e daqui a pouco o povo vai dançar ao som do Boi da Maioba, do Boi de Maracanã e Boi de Pindaré, que já confirmaram presença. No encerramento, show com Papete, Chico Maranhão e Alcione, a Marrom.

A barraquinha de seu Priester, montada bem no meio do Arraiá da Cidade dos Ventos, foi toda decorada com bandeirinhas, boizinhos, balões e fotos de São João, Santo Antônio, São Pedro e São Marçal. Foguetes, traques e bombinhas pipocam por todos os lados, assustando os menos familiarizados com aquela confusão. Os amigos estão todos convidados e enquanto se deslocam para o arraial, é bom ir conhecendo um pouco mais da vida desse grande músico.

Priester começou a estudar piano com dez anos, influenciado por um irmão mais velho que tocava trompete e que seguiu carreira militar. Um ano depois, abandonou o instrumento para se dedicar ao violino, ao sax barítono até que, por fim, descobriu  o trombone. Estudante da famosa “Du Sable High School”, ele foi aluno do exigente Walter Dyett, violinista e educador musical dos mais afamados e que foi professor de muitos músicos da cidade, como Dinah Washington, Nat King Cole, Gene Ammons, Von Freeman e muitos mais.

Capitão do exército e considerado um disciplinador, Dyett marcou época no meio musical de Chicago. O aprendizado foi importantíssimo para Priester, que sempre reconheceu a importância do antigo mestre em sua formação. Segundo ele, “as coisas que aprendi naquela época foram muito úteis na minha carreira, quando eu realmente pude colocá-las em prática. Durante os shows, eu não ficava assustado com o ritmo acelerado da banda, e realmente devo muito àquele professor em particular”.

No início dos anos 50, o adolescente Julian começou a carreira prodissional, tocando com artistas ligados ao blues e ao R&B, como Muddy Waters, Dinah Washington e Bo Diddley. Embora ainda não tivesse completado 18 anos, o jovem trombonista era freqüentador assíduo dos clubes de jazz e costuma tocar com artistas em visita à cidade, como Max Roach, Clifford Brown, Sonny Stitt. O cenário jazzístico local era dos mais alentados e o Priester costumava jamear com portentos como Johnny Griffin, Von Freeman, Ira Sullivan, Clifford Jordan, Walter Perkins, Eddie Harris, Wilbur Ware e muitos outros.

Seu primeiro empregador fixo foi na orquestra do pianista e bandleader Sun Ra, com quem permaneceu durante os anos de 1953 e 1954, e a primeira grande oportunidade surgiu em 1956, quando se juntou à big band de Lionel Hampton, que o levou para Nova Iorque. Lá chegando, o trombonista passou por alguns apuros. É que a orquestra de Hamp havia sido convidada para uma excursão de cerca de um mês na Austrália, dividindo os holofotes com a orquestra de Stan Kenton.

Os produtores, no entanto, não tinham dinheiro para bancar as passagens e as hospedagens de duas big bands completas e levaram apenas metade de cada uma delas. Por ser dos músicos mais novos, Julian ficou em Nova Iorque, sem dinheiro, sem emprego e sem lugar para ficar. Por sorte, um conhecido seu, o saxofonista Eddie Chamblee, soube da situação e ofereceu-lhe trabalho na banda da cantora Dinah Washington, com quem atuou até o ano de 1958.

No ano anterior, seu amigo Johnny Griffin o havia apresentado ao produtor Orrin Keepnews, que o levou para sua gravadora, a Riverside Records. Ali, Priester foi um destacado múdico de apoio, registrando presence em álbuns de gente como Bobby Timmons, Philly Joe Jones, Chet Baker, Kenny Dorham, Blue Mitchell, Wilbur Ware, Kenny Drew e do próprio Griffin. Ainda naquele período, Julian montou um grupo com o trombonista Slide Hampton, fortemente influenciado pelo trabalho da dupla J. J. Johnson e Kai Winding.

Em 1959, Priester foi contratado por Max Roach, em substituição ao talentoso Ray Draper, um dos poucos jazzistas modernos a sominar a tuba. Decidido a dar uma nova sonoridade à sua banda, o baterista chegou a uma formação bastante ousada, que além de Julian também incluía os excelentes Booker Little e George Coleman.

Sob a liderança de Roach, Julian participa de gravações históricas, como “Rich Versus Roach” (Mercury, 1959), “Percussion Bitter Suíte” (Impulse, 1961) e do politizado “We Insist! Freedom Now Suíte” (Candid, 1960). Considerado um clássico do jazz engajado, o disco foi objeto do documentário “Noi Insistiamo – We Insist” (1965), dirigido pelo italiano Gianni Amico, no qual Priester aparece em diversas cenas.

Por intermédio de Roach, o trombonista conhece e se torna amigo do multiinstrumentista Eric Dolphy, com quem trabalharia em diversos contextos e que se tornou uma grande influência em sua forma de tocar. Ainda no ano de 1959, Priester participou do filme “Cry Of Jazz”, documentário dirigido por Edward Blank, com música da autoria de Sun Ra.


No ano de 1960, o trombonista teve a oportunidade de gravar pelo selo “Riverside” seu primeiro álbum como líder, o excelente “Keep Swingin”. As gravações foram realizadas no dia 11 de janeiro, no Reeves Sound Studios, Nova Iorque, e Priester teve a seu lado uma banda de peso, onde brilhavam o saxofonista Jimmy Heath (que participa de cinco das oito faixas), o pianista Tommy Flanagan, o contrabaixista Sam Jones e o baterista Elvin Jones.

Heath é o autor de “24-Hour Leave”, um blues em tempo médio de levada contagiante. A pegada de Priester é robusta, volumosa, fazendo um belíssimo casamento com o saxofone do autor do tema, também bastante encorpado. O refinado Flanagan não perde a classe e constrói harmonias com a mesma volúpia dos seus parceiros dos sopros, fazendo uma releitura toda particular da sintaxe do blues.

O álbum dá amplo espaço à veia composicional do líder, responsável por quatro temas. O primeiro deles é “The End”, hard bop sacolejante e com acento latino bastante evidenciado, em especial por causa do sotaque percussivo imposto por Jones. A perícia do jovem trombonista impressiona e mesmo tocando em velocidade supersônica ele consegue soar de maneira bastante melodiosa.

O quarteto (Heath não participa desta faixa) faz uma leitura arrojada de “1239A”, tema de autoria do saxofonista Charles Davis. Audacioso, Priester constrói uma abordagem instigante, expelindo as notas de maneira furiosa, exuberante e, em muitos momentos, meio enviesada. A sonoridade oblíqua de Flanagan e o contrabaixo rotundo e opulento de Sam Jones também ganham bastante visibilidade.

O standard “Just Friends”, composição de John Klenner e Sam Lewis, ganha uma roupagem acelerada e swingante. Com a volta de Heath ao grupo, sobressai-se bastante o duelo entre trombone e sax tenor, ambos rápidos, precisos e fluentes. Elvin “Dínamo” Jones pontua o ritmo com potência e um fabuloso sentido de tempo – como sempre, seu trabalho com os pratos é antológico.

O trombone, mais que qualquer outro instrumento de sopro, possui uma sonoridade moleque e irreverente. Como sempre afirma o amigo Sérgio Sônico, o som do trombone remete a gafieira. Essa atmosfera meio anárquica do trombone se evidencia com mais nitidez quando usado no solene ambiente do blues – é o caso da empolgante interpretação de “Bob T's Blues”. Perceba-se o precioso contraste entre o majestático dedilhado de Flanagan e o sopro brincalhão de Priester, que também assina o tema. Outro ponto alto é a espetacular performance de Sam Jones, ponto de equilíbrio entre o piano e o trombone.

Em “Under the Surface”, outro tema composto por Priester, o quinteto mostra os pontos de tangência entre o discurso melódico simples e direto do hard bop com as estruturas nada lineares do jazz de vanguarda. Na balada em tempo médio “Once in a While”, de Bud Green e Michael Edwards, o lado mais lírico e derramado do trombonista, cuja sonoridade é tépida e acolhedora, se deixa aflorar de maneira plena. O romantismo do líder encontra em Flanagan e, sobretudo, na lesteriana interpretação de Heath, parceiros dos mais empáticos, tornando esta uma das faixas mais saborosas do álbum.

Para encerrar em grande estilo, a animada “Julian’s Tune”, na qual transparece o prazer quase físico que o trombonista esbanja ao tocar. Seu sopro é vibrante, alegre e cativante. A sessão rítmica compartilha com o líder a mesma energia e o resultado é uma interpretação colorida e vivaz, com amplo destaque para o banquete percussivo construído por Elvin. Se o ouvinte de jazz é fã da sonoridade marcante do trombone, pode comprar esse disco sem susto. Mestre J. J. Johnson certamente aprovaria com louvor!

Após “Keep Swingin”, Priester ainda gravaria, no mesmo ano, mais um álbum pela Riverside, o sensacional “Spiritsville”. 1961 foi um ano marcante, no qual Julian participou de vários álbuns de extrema importância na história do jazz, como “Straight Ahead” (Candid), da cantora Abbey Lincoln, então casada com Roach, “África/Brass” (Impulse), de John Coltrane, e de “Booker Little And Friends”, de Booker Little (Bethlehem), que faleceria no dia 05 de outubro daquele ano, pouco mais de um mês depois de concluídas as gravações.

Em 1962 Julian deixou o grupo de Roach, a fim de trabalhar exclusivamente como músico freelancer, prestando serviços principalmente à Blue Note. Nessa condição, participou, ao longo daquela década, de álbuns de Freddie Hubbard, Stanley Turrentine, Tommy Turrentine, Cal Tjader, Blue Mitchell, Andrew Hill, Donald Byrd, Art Blakey, Lee Morgan Joe Henderson, McCoy Tyner, Sam Rivers, Lonnie Smith e Duke Pearson. Em 1963, acompanhou o grande Ray Charles em sua excursão pelo Brasil.

Em 1969 foi contratado para tocar na orquestra de Duke Ellington, com a qual gravou a “New Orleans Suite” (Atlantic, 1970). A experiência durou apenas seis meses mas foi marcante para o trombonista, que certa vez declarou: “Durante aqueles seis ou sete meses, eu aprendi mais que nos últimos dez ou quinze anos. Duke usava a orquestra como se fosse um instrumento. Ele manipulava as vozes individuais para criar a música. Uma vez ele me disse: 'Eu não sei o que escrever para você'. Acho que a minha constante busca de novas idéias acabou por não permitir que eu me adaptasse à banda, pois Duke não conseguiu imaginar algo que em que eu pudesse aplicar o meu estilo”.

Ainda em 1970, desligou-se da orquestra do Duque, para se juntar à banda de Herbie Hancock. O pianista vivia um momento de intensa aproximação com o fusion e seu sexteto, além de Priester, incluía o trompetista Eddie Henderson, o saxofonista Bennie Maupin, o contrabaixista Buster Williams e o baterista Billy Hart. Foi um período de intenso trabalho para o trombonista, que participou de álbuns como “Mwandishi” (Warner, 1970), “Crossing” (Warner, 1971) e “Sextant” (Columbia, 1973), muito bem-sucedidos comercialmente mas bastante criticados pelos puristas.

Julian deixou o grupo de Hancock em 1973, mas voltaria a tocar sob a liderança do pianista por ocasião do Festival de Jazz de Newport de 1976. Fez alguns trabalhos com os saxofonistas Billy Harper e Azar Lawrence, com o organista Johnny Hammond Smith e com o flautista Bobbi Humphrey. Em 1974 fixou-se em San Francisco, onde montou um grupo de música eletrônica experimental, ao lado do contrabaixista Henry Franklin.

Influenciado pelo Miles Davis de “Bitches Brew” e com um estilo mais próximo do fusion e do rock, Julian lançou, o álbum “Love Love” (ECM, 1974), que chegou a galgar boas posições nas paradas de jazz. Priester ainda lançaria um segundo álbum pelo selo alemão, “Polarization”, de 1977, considerado pelo crítido inglês Richard Wiliams, da Melody Maker, “um dos álbuns de jazz mais notáveis do ano”.

Priester continuou a trabalhar como freelancer ao longo da década de 70, participando de alguns espetáculos musicais na Broadway e tocando com freqüência na orquestra do Radio City Music Hall, ao mesmo tempo em que liderou alguns pequenos grupos. Dentre seus trabalhos mais destacados daquele período, podem-se enumerar participações em álbuns de Maynard Ferguson, Eddie Henderson, Red Garland, Reggie Workman, Chick Corea, George Gruntz, Ran Blake, Jane Ira Bloom, Jean-Luc Ponty e Maria Muldaur.

Em 1979 foi contratado pelo Cornish College of the Arts, de Seattle, e iniciou ali uma longa e prolífica carreira de educador musical, ensinando composição e história do jazz. No ano seguinte, Julian integrou-se ao grupo do contrabaixista inglês Dave Holland e ali se manteve até 1985, tendo participado dos álbuns “Jumpin’ In”, “Seeds Of Time” e “European Tour”. Ao longo dos anos 80, o trombonista voltaria a tocar, com certa assiduidade, na Arkestra do velho amigo Sun Ra.

Fortemente influenciado por J. J. Johnson e Jimmy Cleveland, Julian é um aplicado herdeiro da tradição bop e admite também a presença de Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Thelonious Monk e Clark Terry em seu cadinho de cultura musical. A partir dos anos 90, foi um assíduo colaborador da Liberation Music Orchestra, big band criada e liderada pelo contrabaixista Charlie Haden, e também realizou trabalhos ao lado de Steve Coleman, Lester Bowie, Jerry Granelli, Sam Rivers e Kenny Wheeler.

O trombonista passou por um grande susto em 2000, quando foi obrigado a fazer um transplante de fígado, felizmente bem-sucedido. A volta ao trabalho foi comemorada em grande estilo, com o lançamento, em 2002, de “In Deep End Dance”, pela Conduit Records. Nos últimos anos, Priester tem mantido uma elogiada associação com o baterista Jimmy Bennington e o álbum “Portraits And Silhouettes” (selo That Swan!), assinado pela dupla, recebeu uma menção honrosa por parte do site All About Jazz como um dos melhores álbuns de 2007. Ainda naque ano, Priester foi um dos destaques da 30ª edição do Chicago Jazz Festival.

O eclético trombonista se mantém em intensa atividade até os dias de hoje. Em sua agenda há espaço para as parcerias mais inusitadas, como o álbum “Monoliths & Dimensions” da banda de avant-metal Sunn O))) – é isso aí, com esse monte de parêntesis mesmo – lançado em 2009. Naquele ano, o incansável Julian participou de “Alice”, um tributo à pianista e harpista Alice Coltrane.

De acordo com o catedrático Pedro Cardoso, o Apóstolo do Jazz, Julian “é capaz de colorir sua sonoridade de forma bem variada, com fraseado e timbres que chegam a lembrar a trompa, ainda que sempre busque a opção de aprofundar a “nota” em curso na frase, sem maneirismos ou ultra-velocidade. Claro que quando necessário ao longo de seus improvisos, Priester é bem capaz de ser veloz, desde que não sacrifique o fraseado, a nota, o discurso, a melodia”.


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Postagem dedicada ao amigo e ídolo Pedro "Apóstolo" Cardoso, que faz aniversário hoje, cercado de amigos e de sua família maravilhosa. Tudo de bom, meu Mestre, nesta data especial, com muita paz, saúde, alegria e toneladas do melhor jazz!


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