Kaoru Abe (1949-1978) foi um dos grandes exploradores do formato solista. Tendo o sax alto como pólo central, experimentou também o sopranino, o clarone, guitarra, piano e até harmônica. Sua sonoridade estridente, cortada, repleta de pausas e silêncios, constitui um ponto luminoso na estrada da free improv universal.
Morto aos 29 anos, overdose de heroína, o saxofonista japonês é dono de discografia até que razoavelmente extensa. Sem contar a serie póstuma “Live at Gaya” (box que reúne dez discos), sua assinatura estende-se por pouco mais de 20 álbuns, sendo que o primeiro foi captado em 1970 –ou seja, gravou por apenas oito anos. Boa parte desses registros é de solos ou duos (com Masayuki Takanayagi, Sabu Toyozumi, Motoharu Yoshizawa). Com ocidentais, chegou a gravar pouco, destacando-se encontros com Milford Graves e Derek Bailey.
Como muitos personagens intensos e de fim trágico, Kaoru Abe tornou-se uma lenda do underground. Infelizmente não restaram muitas cenas em vídeo ou mesmo fotos do músico. Do que existe, emana uma figura sufocada e devorada por sua própria criação, demandadora de intensidade talvez além de suas forças.
Não é tarefa fácil encontrar informações além do usualmente conhecido quando o assunto é Kaoru Abe. Livros e sites especializados não costumam ter muito mais a dizer sobre o saxofonista. Talvez em japonês haja dados e histórias mais abrangentes –como no livro ‘Nihon Free Jazz-shi’ (História do Free Jazz japonês), de Teruto Soejima, que, infelizmente, parece jamais ter sido traduzido, nem para o inglês.
Relevante no percurso de desvendamento do músico é o filme “Endless Waltz”, de 1995, dirigido por Koji Wakamatsu. Biografia romanceada que explora a trágica relação de Abe com a escritora Izumi Suzuki, com quem foi casado, o filme já levou muita gente a traçar um paralelo entre o par japonês e a história vivenciada pelos mais famosos Sid Vicious e Nancy Spungen, protagonistas do cultuado “Sid e Nancy”. É possível ver o filme (sem legendas, em japonês) em 12 partes no youtube (uma das passagens marcantes é o encontro de Abe com o insano Kaiji Haino, na sequência 8).
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Um dos vários capítulos de suas criações solistas está registrado no álbum duplo “Mort à Credit” –título extraído de um romance do escritor francês Louis-Ferdinand Céline, um dos favoritos de Abe. Captado em 1975, o álbum mostra o saxofonista dividindo-se entre o alto e o sopranino. Aqui pode ser apreciada toda a rude e cruel beleza da arte de Abe. Pancadas dissonantes dividem espaço com pausas longas e quebras inesperadas, formando uma teia de ruídos e extratos de melodias docemente quebradiças. Um mito da música de fato, independente de sua turbulenta biografia.
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