Música e outras coisas
Um músico, um instrumento (Solo IV)
Por mais que fiquemos tentados, sempre há exageros quando afirmamos que fulano é o mais importante nome de tal instrumento ou de tal época ou de tal gênero. Todavia existem, sem dúvida, nomes diferenciados, que mais se destacam e brilham à frente de seus pares. Esse é o caso de William Parker, figura imprescindível do baixo acústico contemporâneo.
William Parker (Bronx, NY, 1952) estudou na juventude com figuras conhecidas do jazz, como Jimmy Garrison e Wilbur Ware, e, em 71, já estava circulando pelo Studio Rivbea e se integrando à avant-scene da época. Em 73, participou de sua primeira gravação (‘Black Beings’), junto ao grupo de Frank Lowe. No ano seguinte, subiria ao palco com Cecil Taylor (com quem se associou por um longo período, entre 80 e 91) e iniciaria seus primeiros trabalhos como líder. Ainda naquela década, tocaria com Don Cherry, Billy Bang e no ‘Muntu’ de Jemeel Moondoc. Antes de encerrar os 70s, lançou “Through Acceptance Of The Mystery Peace”, seu disco de estreia, que reúne takes com diferentes formações comandadas por ele entre 74 e 79.
Entre o arco e o pizzicato, Parker construiu um idioma abrangente, que ora atravessa linhas amelódicas e dissonantes, de intensidade percussiva (basta ouvi-lo no ‘Die Like a Dog’ com Brotz), ora se dissolve em temas circulares contagiantes, profundos, que impregnam e inebriam o ouvinte (vide ‘Aquarian Sound’, com o David S. Ware Quartet). Segundo o músico, após longos estudos e domínios de técnicas diversificadas, passou a preferir nessa altura da carreira deixar apenas o som fluir, nascer sem tantos planejamentos e preocupações formais. Nos últimos tempos, destacadamente em seus duos com Hamid Drake, Parker tem testado instrumentos variados de percussão e sopro, além do ‘guimbri’, um tipo de baixo do Marrocos.
“What's more important to me now is just playing the music”, disse em entrevista recente.
Parceiro dos nomes mais fortes das últimas décadas (Cecil Taylor, Ware, Brotzmann, Perelman, Shipp, Drake, Charles Gayle), o baixista não resumiu sua trajetória à de ‘simples’ instrumentista de ponta. A partir dos anos 90, passou a comandar fortes grupos –destaque para os constantes quartetos ‘In Order to Survive’ e ‘William Parker Quartet’ e a big band ‘The Little Huey Creative Music Orc.’ – e a gravar continuamente como líder e compositor. É interessante que entre “Through Acceptance...”, de 79, e o começo dos anos de 1990, Parker não tenha editado álbuns como líder –um hiato de mais de uma década. Mas após o retorno aos lançamentos próprios, o músico fez sua discografia crescer exponencialmente, tendo já publicado mais de 30 discos, sem contar suas infinitas parcerias. Dentre os últimos rebentos está I Plan to Stay a Believer, que chegou ao mercado em setembro de 2010.
Parker também desenvolveu papel de relevo como organizador e divulgador da free music. Em 84 criou, ao lado de sua esposa, a dançarina Patricia Nicholson, o ‘Sound Unity Festival’, que aparece no documentário ‘Rising Tones Cross’. Já na década de 90, deu início ao Vision Festival, que está em sua XV edição e se solidificou como o mais importante evento anual dedicado à free music. O Vision Festival tem sobrevivido sem capital e investimento de nenhuma grande empresa ou marca. O baixista diz ser impensável para ele fazer uma parceria dessas, mesmo que significasse mais recursos e divulgação, pois seria complicado conseguir preservar intacta a integridade musical do evento. Dessa forma, prefere conduzir um projeto de menores proporções e recursos do que criar riscos indesejáveis. Para completar suas credenciais, o músico dedica-se ao ensino, tendo dado aulas em Bennington College, NYU, The New England Conservatory of Music e Rotterdam Conservatory of Music.
Desconhecer Parker representa ignorar uma parcela fundamental da grande música gestada nas últimas décadas. Se de fato ele vier para nossos palcos, junto com Yusef Lateef, programem-se para ver o maior baixista da atualidade.
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Em sua aventura sonora, Parker não ignorou as potencialidades da música solista, tendo feito sua primeira incursão no estilo com Testimony, de 94. Pouco depois, em 97, gravou ‘Lifting the Sanctions’ no mesmo formato. Há também registros de duos de baixos interessantíssimos que assinou ao lado de Joelle Léandre (‘Contrabasses’, 1998, e ‘Live at Dunois’, 2009) e de Peter Kowald (‘The Victoriaville Tape’, 2002). Discos solistas para um instrumento como o baixo provavelmente sejam de audição mais dura do que para um instrumento de sopro, especialmente nesse tipo de música que não zela pela construção melódica e/ou por ritmos sedutores. Mas o desafio de tal tipo de audição pode se revelar surpreendente.
Recorded December 28, 1994.
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