Condenados de quaisquer matizes,
Vinde e celebrai comigo.
Ateus de todas as crenças,
Entoai meu cântico resignado.
Partilhemos os nossos malogros
Enxuguemos as nossas lágrimas de sangue e pó
Brindemos à derrocada do amor!
Sim, o amor...
A herança de Medusa
O rochedo de Psinoe
Acreditem quando lhes digo que passei incólume pelo amor
Nenhuma cicatriz
Nenhum arrependimento
Nenhuma saudade
Nenhuma vontade de viver tudo outra vez
Sequer me lembro que existiu o amor
O olhar desatento me basta
O sorriso carbônico me sacia
Adeus, suave aragem noturna
Adeus, paisagem pintada com hidromel
Adeus, rubro músculo despudorado,
Esqueci o amor e seus versos
Atirei-o fora
Sem remorsos ou mágoas,
Sem o choro insolente que desafia a razão
Sim, livrei-me do amor
Escarneço do amor
Despi-me do amor
Tornei-me intacto novamente
Imune ao amor
A seiva que irriga minhas veias não tem cor
Nenhuma fratura a consertar
Antes, houve o amor
Então, despia-me dos bens mais caros
Abandonava a certeza, exata e métrica
Era um tempo de passos incertos
Era um tempo de dúvidas sedutoras
Era um tempo de falso aprendizado
Sim, livrei-me do amor
Sim, livrei-me do passo trôpego da dúvida
Sim, livrei-me da expectativa de véspera
Cartesianamente intacto
Racionalmente íntegro
Escarneço do amor
Mesmo nas noites de chuva fina...
Escarneço do amor,
Mesmo quando o vento breve me traz o cheiro do mar...
Escarneço do amor
Livrei-me do amor
Abandonei o amor à sua própria sorte
Ainda que surjam no céu todas as estrelas que um dia contei
Pouco me importa a face redonda da lua cheia
Escarneço do amor,
Atirei-o fora
Sem remorsos ou mágoas,
Sem lágrimas ou noites insones
Sem o drama vulgar ou consumição
Pouco se me dá o amor
Desprezo o amor
Vinde, velhos companheiros de infortúnio,
Celebremos e gritemos ao mundo
Que o amor não nos faz falta alguma!
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Nascido em Chicago, no dia 08 de setembro de 1923, Wilbur Ware foi um dos baixistas mais técnicos e ousados do bebop e do hardbop, com incursões muito bem sucedidas por outros gêneros e estilos, como o blues, o swing e até mesmo pelo free jazz. Autodidata, seus primeiros instrumentos foram o banjo, a bateria e o violino, até se fixar no contrabaixo.
Sua influência mais perceptível, pelo estilo percussivo e altamente rítmico, é Jimmy Blanton, embora também o próprio Ware reconheça a importância de Milt Hinton, outro ilustre baixista de Chicago, em seu toque. Serviu ao exército durante a II Guerra Mundial e começou a se apresentar profissionalmente em 1946, ainda em Chicago, ao lado de Roy Eldridge, Junior Mance, Sonny Stitt e Johnny Griffin. Entre 1954 e 1955, atuou na banda do saxofonista Eddie “Cleanhead” Vinson e participou de uma das primeiras formações da Arkestra, de Sun Ra.
Mudou-se para Nova Iorque, em 1956, para se juntar aos Jazz Messengers de Art Blakey. Na Big Apple, tornou-se um disputado músico de apoio, tocando com Thelonious Monk, Sonny Rollins, Wynton Kelly, Toots Thielemans, Mundell Lowe, Ira Sullivan, Kenny Dorham, John Coltrane, Grant Green, Tina Brooks, Zoot Sims, Cozy Cole, Hank Mobley, Herbie Mann, Matthew Gee, Blue Mitchell, Buddy DeFranco, Gerry Mulligan, Clifford Jordan, Lee Morgan, Thelonious Monk, Coleman Hawkins e Sonny Clark entre outros. Outra associação digna de registro foi com o pianista Kenny Drew, cujo trio integrou entre 1957 e 1958.
Apesar da quilométrica discografia como sideman, Ware fez apenas uma gravação como líder: “The Chicago Sound”, para a Riverside, onde o baixista está acompanhado por John Jenkins (sax alto), Johnny Griffin (sax tenor), Junior Mance (piano), Wilbur Campbell e Frank Dunlop (bateria). Como o próprio título sugere, este álbum reúne apenas músicos surgidos na cena de Chicago, que além da proximidade física, também comungavam das mesmas concepções musicais.
Acostumada a dividir os palcos de clubes como o Brass Rail e o Flame Lounge, a banda se mostra extremamente entrosada. Uma excelente amostra do desenvolvimento do hard bop em meados da década de 50, o álbum apresenta todos os cânones do estilo, sem lançar mão de clichês. Ware é um anfitrião discreto, reservando aos convidados Jenkins (autor das ótimas “Latin Quarters” e “Be-ware”) Griffin e Mance o maior espaço para os solos.
O líder, entretanto, sabe se impor como executante e ainda contribui com duas composições próprias: a exuberante “Mama-Daddy”, um petardo sonoro ao estilo dos Messengers, e o blues “31St And State”. Belíssimas versões dos standards “Body And Soul” e “The Man I Love”, nas quais o contrabaixo de Ware constrói alguns dos solos mais bem elaborados do disco, invariavelmente mantendo os registros mais baixos do instrumento com a sua técnica soberba. As gravações foram feitas nos dias 16 de outubro e 18 de novembro de 1957, com produção de Orrin Keepnews.
Entre 1963 e 1968 Ware esteve da cena musical, por conta de problemas com drogas, mas a partir de 1969 retomou a carreira, gravando com Elvin Jones, Archie Shepp, Don Cherry, Cecil Payne e Walt Dickerson. Falecido a 09 de setembro de 1979, o legado de Ware é visível em músicos como Charlie Haden e Henry Grimes.
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