MUITO REAL
Música e outras coisas

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Mal soou o sinal de largada, os quase 100 corredores esqueceram a distância que teriam de enfrentar e precipitaram-se rumo à Avenida Rosa e Silva, início da "I Maratona da Jaqueira", numa quente tarde recifense de Novembro.

Logo após a confusão das primeiras centenas de metros, os grupos foram-se formando, alguns logo se destacando, em razão da velocidade dos corredores que os compunham.Formei num pelotão intermediário, com cerca de dez corredores e entramos numa cadência uniforme, até os primeiros nove quilômetros.A esta altura, já havíamos vencido parte do trecho urbano da prova (Parnamirim, Casa Forte, Apipucos, Dois Irmãos) e seguiamos pela BR-101 (Cidade Universitária) em direção ao Aeroporto, via Avenida Recife.  Por volta do km.12, o pelotão dispersou-se: alguns seguiram à minha frente, outros foram ficando para trás.


Concentrado na corrida, prossegui sozinho até o km. 21, após haver cruzado toda a extensão da Avenida Recife, com seus muitos conjuntos habitacionais, fábricas e depósitos. O trecho da orla marítima de Boa Viagem amenizou o calor dessa primeira hora e meia de corrida. Além do mais, com o sol posto, a temperatura tenderia a cair. Até os 28 quilômetros, acompanhei outro pequeno pelotão que, aos poucos, foi seguindo em frente.

Novamente corria sozinho, ao subir o Viaduto Joana Bezerra. No posto d'água do km. 30 verifiquei meu tempo de corrida: 2 horas e 36 minutos. O desgaste provocado pelo calor e pela distência começaria a pesar bastante, nesse trecho apropriadamente chamado de "barreira".
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Foi a partir do km. 32 que notei, ao meu lado, uma presença estranha... travamos um diálogo feito de frases curtas:

- Bastante quente o tempo aqui, não ?

- É, respondi. A umidade também está muito alta...

- Na minha terra, o clima é quente, mas um pouco mais seco, disse o estranho.

- E você, o que faz por lá, afora correr?

- Exatamente isso... corro. Sou mensageiro profissional. Estou sempre correndo.

Notei que ele usava uma roupa esquisita e calçava sandálias antigas de couro, amarradas com tiras, nas pernas. Corria com um desembaraço e estilo que não deixavam dúvidas quanto à sua afirmativa: era, realmente, um profissional. Mas, se assim era, por que acompanhava um corredor mais velho e lento, como eu ?

- Desde quando você começou a correr ? perguntei para reiniciar a conversa

- Desde que entrei para o Exército, respondeu. Atualmente, sirvo ao General Milcíades.

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A essa altura, já havíamos subido o Viaduto de Olinda e tomado o retorno do Centro de Conveções. Estávamos no km. 36 e ainda faltavam seis quilômetros para o final. Nesse trecho mais crítico da prova, esqueci o corredor e continuei, concentrando meu pensamento no momento da chegada, a fim de amenizar um pouco o desconforto físico geral, provocado por mais de três horas de corrida.

Depois da curva do Clube Português, na retomada da Avenida Rosa e Silva, um súbito "estalo" de memória fez-me olhar para o lado.

O corredor continuava firme, trocando passadas no exato ritmo em que eu prosseguia. Seu aspecto era de absoluta tranquilidade. Não se notava nele o menor vestígio de suor, enquanto que as minhas roupas estavam completamente encharcadas.

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Faltando menos de um quilômetro para a meta de chegada, em frente ao Parque da Jaqueira, mal contendo a emoção, arrisquei uma pergunta:
- Antes da Batalha, você correu mesmo aqueles 240 quilômetros até Esparta ?

- Claro !, respondeu-me o corredor. Ida e volta, em dois dias e duas noites. Logo depois, o General Milcíades pediu-me que fosse até Atenas para levar ao Rei a notícia da nossa vitória. Então, corri de Maratona a Atenas e transmiti o recado.
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Emudeci... um nome, apenas um nome, ocupava agora toda a minha mente: FIDÍPEPES.. a lenda da Batalha de Maratona. FIDÍPEDES, o semi-deus ! Faltavam poucos metros. No asfalto, em grandes letras amarelas, alguém da Organização havia escrito: 'VOCÊ É UM HERÓI !"

A minha batalha estava ganha. Cruzei a meta, desta vez sorrindo. Fidípedes seguiu à minha frente, em direção ao Parque. Ainda voltou-se e dirigiu-me um aceno. Depois, sumiu na noite.

Recife, novembro de 1989



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