Ainda em atividade após três décadas de vida, o Bruce’s Fingerstem tido períodos mais produtivos, outros menos. Desde seu início, com o álbum “Compilation I”, em que Simon H. Fell aparece ao lado de músicos como o saxofonista Charles Wharf e o baterista Peter Fairclough, editado em 1985, o selo já colocou no mercado algumas dezenas de títulos, boa parte sendo de projetos ligados ao próprio baixista, mas abrindo também espaço para artistas com os quais ele se identifica esteticamente.
Quando o selo fez 20 anos, Fell disse em entrevista à Bagatellen: “Bruce’s Fingers isn’t an active record label in the traditional sense. Essentially it’s just a channel for me to publish recordings that I can’t find anyone else to publish, as and when I can find the time and money to do so. As a result, records tend to come out in batches, with increasingly longer gaps in between these days. Distribution is patchy, sales sporadic”. (a declaração sintetiza bem o que pensa o músico sobre seu selo e as razões que o motivam a mantê-lo...)
O ano de 2015 foi especialmente produtivo para o Bruce’s Fingers.
Apresentamos aqui quatro dos últimos títulos publicados pelo selo.
LE JAZZ NON PLUS... ****
Edith Alonso/ Antony Maubert/ Kumi Iwase
Bruce’s Fingers
Esse álbum traz peças registradas em duas oportunidades, em setembro de 2013, no Auditorium Conservatorie Iannis Xenakis, em Paris. O trio, formado por Edith Alonso (piano preparado), Antony Maubert (eletrônicos) e Kumi Iwase (sax e clarinete), apresenta um trabalho de improvisação livre marcado por ruidosidades e ambiências. A espanhola Edith Alonso é mais conhecida pelo duo “Electric Lanscapes of Rebellion”, que mantém ao lado do francês Maubert, em um trabalho marcado pelas explorações no campo da electroacoustic improvisation. Aqui essa parceria ganha outros contornos com os sopros de Kumi Iwase, com contrastes dinâmicos e oscilações entre o quase silêncio (como em “Piste 06”) e ruidosidades extremadas. O piano preparado de Alonso é uma das forças do conjunto, criando elementos que podem tanto adicionar detalhes percussivos quanto desencadear toques densamente sombrios (como em “Piste 05”). As oito faixas apresentadas variam bastante em tamanho (há temas de 1 a 17 minutos) e intensidade. “Piste 08” é a que concentra mais diretamente o perfil enérgico da música criada; já “Piste 03”, a mais extensa do registro, tem longos espaços detalhísticos, que exigem atenção redobrada.
THE RAGGING OF TIME ****(*)
SFS
Bruce’s Fingers
O SFS, sexteto comandado por Simon H. Fell, apresentou em 2014, no Marsden Jazz Festival, uma nova peça do compositor e baixista britânico, “The Ragging of Time”. A ideia por traz da criação estava homenagear a história do jazz, um panorama de 100 anos do gênero. A peça busca conectar elementos do early jazz à free improvisation, em uma viagem criativa conduzida por Fell (baixo), Alex Ward (clarinete), Percy Pursglove (trompete), Shabaka Hutchings (clarinete baixo), Richard Comte (guitarra) e Paul Hession (bateria). Dividida em três partes, a composição é uma saborosa criação pós-moderna que alterna com habilidade momentos swingantes com passagens de intensa improvisação enérgica, numa criação por vezes realmente intrigante. O esquema é apresentado logo nos primeiros minutos do álbum, que abre com “Lebam Lebam (Un Cauchemar)”, faixa que inicia com um tema de sabor New Orleans para logo ceder terreno para ataques mais bruscos de trompete, que nos leva a um espaço no qual a improvisação livre coletiva dá as cartas, até sermos resgatados, lá pelos sete minutos, por uma nova reconfortante melodia cantada pelo conjunto. A apresentação foi à época transmitida pelo “Jazz on 3”, da BBC Radio, e agora sai em CD.
CONCRETES ****
Paul Hession/ Ewan Stefani
Bruce’s Fingers
Concretes apresenta um duo de percussão e explorações eletrônicas. O veterano Paul Hession (percussão, sampler, echo machine) se une a Ewan Stefani (live digital processing) nessa investigação sonora, que nos leva por ambientações que podem se revelar desconcertantes. Extratos sonoros que surgem e se desintegram, linhas percussivas quebradiças, ruídos que não chegam a se desenvolver: nossos sentidos são desafiados, nos deixando por vezes levemente atordoados. “My objective was to mix the sonic power and complexity of acousmatic electronic music with the freedom and interactivity of live improvisation”, explica Stefani. São oito peças, que oscilam entre 2 e 14 minutos, e apresentam possibilidades múltiplas de combinações sonoras. “The ‘concretes’ in these pieces for me are the fixed sound objects that are re-moulded into new musical structures as we perform”, diz Stefani.
CHARYBDIS ****
The Offshoot
Bruce’s Fingers
O baixista Simon H. Fell reuniu aqui um quinteto com alguns dos nomes mais finos do
free contemporâneo: Joe Morris (guitarra), Tim Berne (sax), Steve Noble (bateria) e Sarah Gail Brand (trombone). O encontro ocorreu no conhecido clube The Vortex, em Londres, em novembro de 2007. Mas só agora é editado. São duas longas improvisações, em que, se a improvisação coletiva é o núcleo da proposta, há espaço para ouvir generosamente os instrumentistas solando de forma destacada. Os primeiros dez minutos da longa “Usclatx” (28 minutos), por exemplo, são dominados, sequencialmente, por Berne e Morris; depois, é a vez de Noble e Fell assumirem a frente; apenas lá pelos 15 minutos, o quinteto estará todo plenamente em ação, gestando momentos de grande ebulição, aos quais Brand acrescenta toques cortantes. Um encontro EUA/Europa que celebra a música improvisada em alta categoria.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado na área literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre literatura e música para o Valor Econômico. Também colabora com o site português Jazz.pt. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)
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