Num dos banheiros da casa da Torre, ele montava seu laboratório fotográfico ou "câmara escura", conforme se dizia no meio.
E ali, às voltas com suas bandejas, vidros, produtos químicos, tanque de revelação, lâmpadas vermelha e verde, ampliador, câmeras e papéis, ele realiza uma alquimia que me marcou para sempre, desde a primeira vez que dela participei.
Paizinho, sempre muito aplicado naquilo que faz, não podia ser diferente com relação à fotografia.
Tinha um equipamento de primeira linha, como uma câmera Agfa portátil, daquelas de fole, mais uma Flex-A-Ret, então concorrente da famosa Rolei-Flex.
Uma câmera 6X6, "twin-lens", ou seja com lentes duplas, e visor de vidro fosco que até hoje -na era digital- ainda faz sucesso entre colecionadores e aficionados.
Seu equipamento de ampliação era da mesma marca, com tempo de exposição controlado por cronômetro próprio e outras regalias da época.
Como viajava muito, trazia-nos sempre paisagens de lugares distantes, em fotos preto-e-branco de excelente qualidade.
Selecionava os melhores negativos e os ampliava até o tamanho de 21x15, em papel linho/fosco, o que dava às suas fotos uma qualidade profissional, mesmo.
O que mais eu gostava de ver, era o momento da ampliação. Num tempo em que não existia televisão, aquilo me parecia milagroso.
O negativo era projetado num pedaço retangular de papel durante segundos e em seguida o papel era levado ao banho de solução reveladora.
Aí o milagre acontecia..
No branco do papel, começava a aparecer muito lentamente uma imagem tênue, que aos poucos ia se tornando nítida, até se transformar num quadro vivo, indelevelmente impresso. Em seguida, uma rápida lavagem na torneira para ir ao banho com solução fixadora (hipossulfito de sódio) na bandeja ao lado. Depois, mais uma lavada, e o papel era pendurado para secar.
Eu ficava o tempo todo inquieto, acompanhando o processo e mal contendo a emoção de presenciar aquela maravilha da tecnologia pouco mais que cinqüentenária, então.
Infelizmente, tive também o desprazer de ver um dia, numa enchente sofrida em Casa Forte, 1966, todo o acervo fotográfico do meu pai virar uma lama pastosa dentro da gaveta de um armário, levando junto todas as lembranças da nossa infância, fotografada com tanto carinho por ele.
As poses e instantâneos de quando éramos os seus modelos fotográficos preferidos, ou as paisagens magistrais que ele captou nas suas viagens sumiram como por um desencanto brusco, uma alquimia às avessas que me doeu muito fundo e também me marcou para o futuro.
Tanto que, traumatizado com essa perda inestimável, passei a fotografar e filmar, tão logo pude, tudo quanto me aparecia pela frente, na ânsia de guardar as imagens e perpetuar as lembranças, coisa que até hoje continuo a fazer com grande prazer, louvando e agradecendo sempre aos meus mestres Daguèrre, Lumière e Frederico Monteiro, por me terem mostrado essa possibilidade de parar o tempo e adiante revivê-lo com toda a intensidade contida em 1/30, 1/60, 1/120, 1/500 de segundos que valem, às vezes, por uma vida inteira.
(do livro de crônicas "Caçador de Lagartixas")