The Thing e Thurston Moore: um encontro muito aguardado
Música e outras coisas

The Thing e Thurston Moore: um encontro muito aguardado




Enfim, um dos encontros mais esperados há muito: The Thingcom Thurston Moore.
O álbum, lançado oficialmente hoje pelo selo austríaco Trost Records, traz uma apresentação realizada em 2013, em Londres, na qual o power trio escandinavo recebe o eterno guitarrista do Sonic Youth.



O interesse de Thurston Moore pelo universo do free jazz e da improvisação livre é antigo. Ainda era o fim dos anos 1980 quando Moore se uniu aos saxofonistas Jim Sauter e Don Dietrich, do mítico noise trio Borbetomagus, para gravar "Barefoot in the Head", seu primeiro importante registro nessa seara. Depois, foi progressivamente se aproximando desse cenário, tocando e gravando, nos intervalos da carregada agenda do Sonic Youth, com muita gente de primeira linha da free music: John Zorn, Evan Parker, Joe McPhee, Susie Ibarra, Wally Shoup, Paul Flaherty, Chris Corsano, Keiji Haino, Giancarlo Schiaffini, Nels Cline, Alex Ward, Bill Nace, Gabriel Ferrandini, Pedro Sousa, Massimo Pupillo, William Hooker, Ab Baars, Han Bennink...
Sua paixão por essa música ganhou evidência após apresentar à revista Grand Royal, em 1995, seu Top 10 do Free Jazz Underground : sua lista, muito comentada até hoje, destacava músicos esquecidos, como Arthur Doyle e Frank Wright, e ajudou a despertar interesse por nomes ignorados pelo público que não frequenta o universo da free music.
Foi nos anos 90 que Moore conheceu Mats Gustafsson – isso antes de o saxofonista se juntar a Paal Nilssen-Love e Ingebrigt Haker Flaten para formar o The Thing. O primeiro encontro registrado entre Moore e Gustafsson ocorreria em Nova York, em abril de 1999, em uma sessão de improvisação instrumental da qual também participaram seus parceiros de Sonic Youth Lee Ranaldo e Steve Shelley. O álbum, “New York – Ystad”, marcaria o início de uma série de parcerias entre o guitarrista e o saxofonista.
No início dos anos 2000, Moore e Gustafsson se uniram em torno de um projeto, o “Diskaholics Anonymous Trio”, grupo que trazia ainda Jim O’Rourke, que na época trabalhava com o Sonic Youth. Os encontros do trio se concentraram entre os anos de 2001 e 2002 e resultaram em alguns registros poderosos, como “Weapons of ass Destruction”. Logo à frente, Moore e Gustafsson – que se apresentaram em duo em diferentes oportunidades nesses anos todos – se envolveram em outro projeto, o "Original Silence", sexteto que trazia também o baterista do The Thing, Nilssen-Love. O Original Silence deixou dois álbuns, ambos gravados em 2005. É neste mesmo ano que Moore toca com o The Thing, provavelmente pela primeira vez, em um show no Oya Festival, na Noruega. Na ocasião, o guitarrista participou apenas de uma curta faixa, “No Crowd Surfing” – o encontro foi editado apenas em DVD, em um box especial do The Thing. Faltava um registro mais alentado da colaboração entre o trio e o guitarrista.  



Após a interrupção das atividades do Sonic Youth no fim de 2011, Moore acabou se mudando para Londres. Nessa sua atual fase, ele tem se envolvido de forma ainda mais constante com a free music. Um local onde tem aparecido bastante é o Cafe Oto, um bar londrino que tem se tornado palco de destaque para o free e outras sonoridades do underground. Das apresentações que Moore fez por lá nos últimos dois anos, saíram discos em duo com o clarinetista britânico Alex Ward (“Live at Cafe Oto”) e com o próprio Mats Gustafsson (“Vi Ar Alla Guds Slavar”). Este álbum que lança agora com o The Thing também foi captado no Cafe Oto. No próximo dia 19, Moore participa, no mesmo palco, de uma homenagem ao guitarrista John Russell, tocando ao lado de Evan Parker, Phil Minton e John Edwards.

Não só a proximidade com Gustafsson fazia com que acabasse por ser tão aguardada a reunião do The Thing com Thurston Moore. Uma das facetas destacadas do trio escandinavo é exatamente a leitura desconstrutiva que faz de temas do rock, como as fantásticas versões para “To bring you my Love” (PJ Harvey), “Dirt” (The Stooges) e “Art Star” (Yeah, Yeah, Yeahs). Daí a expectativa basilar: porque não um encontro com alguém próximo a eles que, mais ainda, era fundador de uma das bandas seminais do rock mais criativo? E foi no dia 10 de fevereiro de 2013 que, finalmente, The Thing e Thurston Moore se encontraram em um palco para uma apresentação à altura da música que sempre se propuseram a realizar. Editado apenas agora, em CD e LP, este “Live” mostra a elevada carga enérgica destilada naquela noite no Cafe Oto, com os quatro músicos em uma sessão de improvisação sem rodeios ou arestas: música pura em voltagem máxima. Infelizmente, o registro se resume a 32 minutos, divididos em dois temas, deixando no ar uma ansiedade por mais música... Não fica claro se a apresentação foi de fato curta ou se, por algum motivo, decidiram lançar apenas essa “amostra”. Parece que a edição deu preferência por seguir a lógica do vinil – um take de impro de cada lado. Mas a versão CD poderia ser mais estendida, se é que sobrou material captado.



A primeira faixa, “Blinded by Thought”, é a mais extensa, com seus 20 minutos: é onde também a força do quarteto está mais concentrada. Gustafsson se foca no sax barítono e Flaten troca o baixo acústico pelo elétrico, o que ajuda a elevar a potência da sonoridade; Nilssen-Love não poupa sua pegada, e a guitarra ríspida de Moore atravessa de forma muito integrada a intensa gama sonora característica do trio escandinavo. Essa é a quente face impro livre do The Thing, não estamos no terreno de revisitação a peças do rock ou do jazz, o que aumenta a potencialidade desse diálogo entre instrumentistas que não ensaiam ou tocam rotineiramente juntos: a ânsia de extrair o máximo do momento leva a sessão a picos de êxtase. No segundo tema, “Awakened by You”, com pouco mais de 12 minutos, o quarteto inicia de forma mais contida, quase melódica em seus primeiros movimentos, marcados por um dolorido sax sustentado por um dedilhado mais límpido na guitarra. A música vai pesando lá pelos cinco minutos, com Moore assumindo o centro e demarcando o caminho para uma explosiva abertura do trio, com o som crescendo em potência até seu final mântrico, sax e baixo girando em torno de um núcleo repetitivo, perpassado pelas faíscas da guitarra e o pulso inquebrantável de Nilssen-Love, que aos poucos vão se diluindo rumo ao desfecho inebriante. De uma ponta a outra, trata-se de energy music de grande vitalidade, quase tátil, física, que atiça sentidos vários.

Moore se mostra completamente integrado ao The Thing; pena que eles não se reúnam com regularidade, o que reduz as expectativas em torno de uma hipotética vinda deles ao país. Quem sabe não possamos ver, então, o duo Moore/Gustafsson tocando por aqui no futuro? Cruzemos os dedos... 


(The Thing with Thurston Moore @Cafe Oto, London, 10th february 2013)




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*o autor:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura, tendo se especializado na obra do escritor português António Lobo Antunes. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; também foi correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre música e literatura para o Valor Econômico.




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