Rodrigo Amado: entre a fotografia e a música
Música e outras coisas

Rodrigo Amado: entre a fotografia e a música


Já alocados no Rio, onde desembarcaram há alguns dias, os músicos portugueses Rodrigo Amado e Gabriel Ferrandini se preparam para a primeira apresentação que farão no país, hoje no Audio Rebel (Botafogo/RJ). No sábado eles estão em São Paulo e domingo, em Santos. Depois, Rodrigo segue para Curitiba, onde participará do Ciclo da Fotografia Portuguesa no Brasil, ao lado de outros fotógrafos de seu país. Amado marca presença também em um debate com o público em Curitiba, enfocando seu trabalho como fotógrafo, no dia 5/2.
Aproveitamos a passagem de Rodrigo Amado pelo país para uma conversa com o saxofonista e fotógrafo.      



FF. Curiosamente você foi convidado primeiro para expor no Brasil seu trabalho como fotógrafo e não como músico. Qual a importância da fotografia em sua vida artística? Há pessoas que têm descoberto o Rodrigo Amado saxofonista depois de conhecerem o fotógrafo?

A fotografia tem ganho, de forma natural, uma importância cada vez maior na minha vida. A nível artístico e pessoal, uma vez que para mim é dificil estabelecer uma diferença entre as duas – é uma só vida. Neste momento, considero-me simultaneamente músico e fotógrafo, e procuro uma dinâmica onde uma actividade complementa e equilibra a outra. A música mais como actividade social, onde a interacção e comunicação com os outros é tudo, e a fotografia como um refúgio de solidão e tranquilidade. Dois registros totalmente distintos que sinto funcionarem muito bem para mim.
Sim, muitas pessoas têm chegado à minha música através da fotografia. E no sentido inverso também, claro. Essa foi uma das razões que me levou a fazer o meu próximo livro, intitulado “East Coasting or 86 Lost Classics”, onde um conjunto de imagens tiradas nos Estados Unidos são complementadas por uma lista de 86 álbuns que considero clássicos perdidos, sem que haja qualquer ligação formal entre imagens e música. Para mim, é fascinante pensar que há pessoas que vão entrar no livro através da música e outras através das imagens.”



FF. Você completa agora 30 anos de carreira. Em um momento em que vive provavelmente o ápice de sua trajetória como músico, com parcerias de grande importância, lançamento de vários álbuns e reconhecimento em diferentes lugares do mundo, sente que seu trabalho como saxofonista ainda tem muito a evoluir e se transformar? Quais desafios que a música ainda reserva para você?

Espero que este não seja ainda o ápice. Continuo a ver as coisas evoluírem com enorme rapidez, inclusive a minha forma de tocar. Ao ouvir discos que gravei dois ou três anos atrás, fico impressionado com a forma como o meu fraseado e pensamento se transformou. Claro que isso acontece, pois é exatamente o que procuro... Essa transformação através da música que acaba depois por contaminar toda a minha vida. É um processo incrível. Os desafios são sempre os mesmos, colocar para fora, com a maior clareza possível, as nossas emoções e pensamentos, aquilo que somos. Fazê-lo no saxofone ou noutro instrumento qualquer, requer anos de experiência e uma evolução natural que não se pode forçar. Temos apenas de nos manter fortes e atentos. E trabalhar muito. Outro grande desafio, permanente, é conseguir continuar a fazer exatamente aquilo que gosto; música e fotografia.


FF. Portugal tem uma história mais antiga e viva com o free jazz/free impro que o Brasil. Como está hoje a cena dedicada à free music em Portugal? A crise econômica e social afetou a já difícil rotina dos músicos independentes?

A crise tem afetado de forma brutal o dia a dia dos criadores portugueses, seja na música ou outras áreas. No entanto, isso não é suficiente para abafar a enorme vitalidade da cena free improv nacional. Acho que nunca existiram tantos projectos, tantos músicos e locais para tocar como agora. Ganha-se bastante menos dinheiro, mas os músicos têm mostrado uma capacidade notável de adaptação, continuando a pensar em formas de apresentar a música às pessoas. Essa é uma das vantagens da música sobre a fotografia – tem uma dinâmica social própria que é impossível abafar.”


 

FF. O fechamento do Megaupload simbolizou um novo ataque da indústria cultural à livre circulação (autorizada ou não) de trabalhos artísticos que eram distribuídos por esse meio. Como músico, o quanto essa nova realidade é nociva? Acha que a troca de arquivos de MP3 é um caminho para levar a música independente a mais pessoas ou entende que essa forma é predatória e atrapalha a vida dos artistas?

Sempre fui a favor da divulgação livre da minha música. Mas acho que essa é uma questão na qual respeito totalmente a opinião de cada um. Trata-se no fundo da propriedade intelectual de cada um. No meu caso, acredito que a troca de MP3 vai gerar uma maior notoriedade para a minha música, trazendo pessoas aos concertos e fomentando inclusive a venda de CDs (aos poucos que ainda o fazem, essa atividade arcaica de comprar CDs...). Aliás, toda a internet é baseada nesse conceito; movimento e circulação é vida.



FF. Você vai gravar um disco com o Grabriel Ferrandini aqui no Brasil. Há encontros com músicos brasileiros planejados?

Vamos gravar no estúdio da Audio Rebel. A nossa espectativa é enorme, por um lado porque temos tocado muito em duo e sentimos que este é o momento perfeito para gravar, e por outro porque sabemos que a energia do Rio vai entrar na gravação. Só pode dar certo. Infelizmente, no meio de inúmeros projetos em que estou a trabalhar atualmente, não houve tempo para procurar uma ligação com músicos do Rio ou Sao Paulo. Gostaríamos muito e acreditamos que durante esta semana que estamos no Rio isso ainda venha a acontecer.


FF. Como é tocar no Brasil agora, pela primeira vez, após tanto tempo de estrada? O que falta para haver uma maior integração entre músicos portugueses e brasileiros?

Para nós é absolutamente incrível esta oportunidade de tocar no Brasil. Eu e o Gabriel partilhamos um enorme fascínio pela música brasileira e esta viagem acaba por ter um lado mágico. A expectativa maior é ver como toda essa energia vai afectar a nossa música. Se pensarmos em termos de jazz de vanguarda/free improv, a comunicação entre as cenas portuguesa e brasileira é muito fraca. Diria que é obrigatório melhorar isso. Poderia ser algo de explosivo, uma maior influência brasileira nos sons improvisados que se fazem deste lado. E o contrário também, claro.






"RODRIGO AMADO e GABRIEL FERRANDINI Duo"


Quando: hoje (qui), às 20h30
Onde: Audio Rebel (Rio de Janeiro)
Quanto: R$ 10

Quando: 2/2 (sab), às 21h
Onde: Sesc Belenzinho (SP)
Quanto: R$ 24 (inteira)

Quando: 3/2 (dom), às 18h
Onde: Sesc Santos
Quanto: grátis

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*Fotos: Rodrigo Amado

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*Tema: “Testify”, Motion Trio (Amado/Ferrandini/Mira), 2009.

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*Na edição de hoje do jornal Valor Econômico saiu uma matéria que fiz com o Rodrigo Amado.



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