Omaggio a John Lee Hooker (1917-2001)
Música e outras coisas

Omaggio a John Lee Hooker (1917-2001)


John Lee Hooker foi se deitar normalmente. Era a noite de 20 de junho de 2001. Aos 83 anos, ele não pressentia o que estava por vir: havia até se comprometido com uma nova turnê, a ser iniciada no dia 31. Mas aquela seria a última vez em que se recostaria à sua cama; não acordou mais: as cinco décadas de estrada de um dos mais celebrados bluesmen encontrava seu fim.

Foi na cidade de Clarksdale, no Mississippi, que Hooker nasceu em 22 de agosto de 1917. Garoto de coro gospel em sua terra natal, descobriu a guitarra e o mundo do blues por intermédio de seu padrasto, o músico William Moore. Sua jornada musical iria de fato se iniciar somente nos anos 1940, quando se muda para Detroit. Trabalhando em uma fábrica de automóveis e tocando nos bares à noite, Hooker recebeu a primeria oportunidade para gravar em 1948, quando o produtor Bernard Besman ouviu o conselho de um amigo e lançou o single “Boogie Chillen”. Para surpresa geral, o disco se tornou um hit de jukebox e permitiu que Hooker pudesse passar a se dedicar profissionalmente à música. Logo depois, em 51, viria “I’m in the Mood”, outro de seus temas-marcos, que também tocou incessantemente quando saiu.

Mas esses sucessos iniciais não engordaram nem sua fama nem seu bolso. Hooker passou a primeira metade dos anos 1950 gravando irregulares sessões sob diversos pseudônimos, para variados selos, até assinar com a Vee Jay Records lá para 1955 –é aí que sua carreira vai se corporificar. Muitas das canções gravadas para a Vee Jay nos anos seguintes seriam reunidas no álbum I'm John Lee Hooker (59/60), que trazia alguns de seus mais fantásticos temas (“Dimples”, “Hobo Blues”, “I´m so Excited”, Little Wheel”, “Maudie”). Porém, teria de aguardar até a década de 1960 para começar a ser realmente celebrado: é nesse tempo que jovens roqueiros e boêmios passam a citá-lo como referência, ajudando-o a ser descoberto por um circuito mais amplo de ouvintes e abrindo as portas da Europa para seu som. A revitalização do folk no período também o catapultou: mesmo não sendo um exemplo pulsante de certo arcaísmo sonoro, Hooker se distanciava da linha de outros bluseiros de então, deixando de modernizar e/ou requintar seu estilo. Dono de voz profunda e quente, ele manteve sua guitarra crua, sem se encantar com pedais e efeitos, durante (praticamente) toda sua trajetória. Sem ser instrumentista ou cantor virtuoso, conduzia solos pouco ornamentados, focados na intensidade expressiva de alguns riffs, criando hipinóticos grooves. O minimalismo de seu dedilhado era acompanhado pelas pancadas secas dos protetores colocados na sola dos sapatos, com os quais marcava o tempo, solução que pontuava de forma única sua sonoridade. Seus discos e shows solistas sintetizam em muito esse processo: é nessas aparições, o homem e sua guitarra apenas, que se pode compreender uma face profunda de sua criação. The Country Blues of John Lee Hooker (59), com a belíssima ‘Tupelo’, é uma entrada vital nesse universo. E Alone, gravado ao vivo em 76, é o clássico do formato.

Mas não foi apenas de crueza solista que se compôs o melhor de sua trajetória.
Apesar de não ser um inventivo melodista, Hooker gestou, acompanhado normalmente de pequenos conjuntos, trios e quartetos, temas que poderiam ser desses hits inesgotáveis (no bom sentido), que preenchem saborosamente trilhas sonoras de filmes e ondas radiofônicas décadas adentro: basta ouvir “Boom Boom”, “Big Legs, Tight Skirt”, “Dimples” e “Drug Store Woman” para ser de imediato contagiado.
Apesar de nunca ter se ligado ao universo jazzístico, Hooker teve curiosos encontros com figuras do gênero: o mais conhecido desses ocorreu em 1990 quando gravou ao lado de Miles Davis a trilha para o filme “The Hot Spot”; em 92, o veterano guitarrista participou do disco “I Heard You Twice Fisrt Time”, do saxofonista Branford Marsalis; tempos antes, em 74, foi Hooker quem recebeu como convidado, em seu disco “Free Beer and Chicken”, Sam Rivers, que aparece tocando flauta.



O sucesso comercial alcançaria Hooker em 1989. “The Healer” é o nome do álbum lançado naquele ano, que contou com participações dos astros Carlos Santana e Robert Cray. Esse foi o álbum de Hooker que mais vendeu em sua carreira, além de ter rendido a ele um prêmio Grammy. Mas, quem percorreu (ou percorrer) sua obra, sabe que este é um de seus trabalhos menos interessantes, calculadamente produzido, tendo sido limpadas com cuidado as rudes arestas que singularizam sua música. Um pouco antes, em 87, o público já havia recebido “Jealous”, que prenunciava o rebento de dois anos depois. Basta ouvir as versões das clássicas “I´m in the mood” e “Baby Lee” para comprovar a perda de certo sabor original. Assim, seria erro grave começar a ouvir John Lee Hooker pelos seus álbuns ‘super produzidos’, feitos a partir de meados dos 80. Como ele gravou antes dezenas de discos, não falta material de primeira linha para ser apreciado e descoberto, sem guardar impressões (para o bem e para o mal) que não condizem com o mais profundo de sua arte. 

Concert at Newport é uma preciosa oportunidade para encontrar o John Lee Hooker mínimo, micro; voz, guitarra e “banquinho”. Ele se apresentou em algumas edições do ‘Newport Folk Festival’, onde foi captada esta apresentação, nos anos 60. Seu maior hit, ‘Boom Boom’, está aqui presente em versão menos swingante que a costumeiramente executada. Ponto a destacar: a canção-narrativa ‘Tupelo’. Sua letra aborda uma grande enchente que arrasou a pequena cidade de Tupelo.
Did you read about the flood? / It happened long time ago, in a little country town, way back in Mississippi / It rained and it rained, it rained both night and day /
The people got worried, they began to cry, / "Lord have mercy, where can we go now?" / There were women and there was children, screaming and crying, / "Lord have mercy and a great disaster, who can we turn to now, but you?
".
Hooker improvisa encima da letra (maior que o trecho destacado), não a seguindo verso a verso, criando uma paisagem visual-sonora arrepiante (ps: atenção aos sapatos, em todo o disco, marcando o tempo no chão do palco).













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