O QUE JOÃO BOUÉRES E TADD DAMERON TÊM EM COMUM?
Música e outras coisas

O QUE JOÃO BOUÉRES E TADD DAMERON TÊM EM COMUM?



João Bouéres, o Conde de Beckman, é um amigo querido, com quem trabalhei, há alguns séculos, no saudoso Centro de Treinamento do hoje extinto Banco do Estado do Maranhão. Culto e viajado, apreciador da boa música, profundo conhecedor do cinema de todas as épocas e dono de um humor refinadíssimo, foi por seu intermédio que descobri artistas preciosos como Johnny Hartman, Arthur Prysock, Blossom Dearie e incontáveis outros. Na época, costumávamos gravar fitas cassete – para quem não sabe, naqueles tempos pré-diluvianos, não havia ainda gravadores de cd – para ouvir no trabalho (costume que tenho até hoje, devidamente adaptado, graças à tecnologia, para um moderno I-pod).

Tantos anos depois, continuamos amigos e nos falamos periodicamente. É sempre um enorme prazer visitá-lo e olhar, admirado, as suas incontáveis estantes, recheadas de livros, discos e dvds. Quando trabalhamos juntos, o exigente João Bouéres costumava atazanar a vida dos seus pobres subordinados, mandando que datilografássemos, incontáveis vezes, ofícios, memorandos e expedientes. Não havia computador, claro, e tudo o que não estivesse impecável tinha que ser refeito tantas vezes quanto fosse necessário.

Conversávamos bastante e certa feita ele me contou que minha mãe havia sido a responsável por ele não haver seguido a carreira na medicina. Antes de contar a história propriamente dita, é necessário dizer que em meados dos anos 60, minha mãe veio trabalhar como médica na Grande Pinheiro, a Princesa da Baixada. Aqui conheceu meu pai, casaram-se e tiveram três filhos maravilhosos, inclusive este escriba que vos fala. Muito bem! Apesar de ser ginecologista e obstetra, mamãe tinha que fazer todo tipo de atendimento, incluindo cirurgias de toda espécie.

O Condado de Beckman, onde nasceu e se criou João, é uma aprazível cidadezinha, próxima à Grande Pinheiro. Sabendo, por intermédio de amigos comuns, que havia uma médica na cidade e desejoso de seguir carreira na medicina, ele, então um jovem na casa dos 18 anos, procurou mamãe para conversar sobre as perspectivas da carreira, sobre as especialidades da medicina e quejandos. Naquele dia, mamãe deveria fazer uma cirurgia radical – a amputação da perna gangrenada de um sujeito – e o bravo João pediu para assistir à “operação”, como se dizia na época. Pensando estar ajudando aquele futuro médico, mamãe concordou e foram todos para a sala de cirurgia – mamãe, João e uma enfermeira.

Resumo da ópera: na hora em que começou a ser feita a amputação e o sangue começou a jorrar com abundância, o até então destemido João desmaiou. Mamãe teve, então, que se dividir entre a cirurgia e o atendimento a seu pretenso assistente. Nem é preciso dizer que nosso herói desistiu da carreira médica e o Maranhão ganhou um brilhante economista. João sempre conta essa história às gargalhadas e até hoje mamãe se lembra do episódio ocorrido há mais de quarenta anos.

O leitor que teve a paciência de acompanhar o relato até agora há de se perguntar, como no título do post: mas, afinal de contas, o que João Bouéres e Tadd Dameron têm mesmo em comum? Ora, todo fã de jazz sabe que Dameron foi um dos precursores do bebop e um dos primeiros pianistas a dominar o idioma. O que pouca gente sabe é que ele – sem muita convicção e apenas para realizar o grande sonho da mãe – começou a cursar medicina, embora sua paixão fosse mesmo a música. Contudo, da mesma forma que aconteceu com meu amigo Bouéres, desistiu para sempre da carreira médica após assistir, ainda no início do curso, à amputação de um braço.

Não se sabe se o pianista chegou a desmaiar na sala de cirurgia vendo a cena. O que se sabe é que ele desistiu do curso, os Estados Unidos perderam um médico que tinha medo de sangue e o mundo do jazz ganhou um dos seus mais reverenciados e brilhantes compositores e arranjadores. Tanto em um caso como no outro, penso que as trocas foram muito bem-sucedidas! Sobre Dameron, nascido em Cleveland, Ohio, no dia 21 de fevereiro de 1917, diga-se que seu nome de batismo era Tadley Ewing Peake e seus pais eram Isaiah e Ruth Peake. Os pais se separaram pouco depois e a mãe se casou novamente, desta feita com Adolphus Dameron, proprietário de um restaurante em Cleveland. Por esta razão, Tadd e seu irmão mais velho, Caesar, adotaram o nome do padrasto.

Tanto Isaiah quanto Ruth tocavam piano e Caesar se tornaria saxofonista profissional, trabalhando em Chicago e Nova Iorque. Embora estimulasse a carreira de Ceaser na música e até lhe tivesse presenteado com um saxofone, Ruth tinha outros planos para o pequeno Tadd: queria que o garoto fosse médico. Apesar da resistência materna, Ceasar costumava ensinar os rudimentos do piano ao caçula, que, aproveitando da ausência da mãe, costumava praticar no instrumento que havia na casa. Além disso, os jovens Damerons costumavam ouvir big bands como as de Fletcher Henderson, Duke Ellington e a Casa Loma Orchestra, nascendo aí uma verdadeira paixão pelo jazz.

Tadd somente viria a ter um contato mais próximo com a educação formal quando recebeu aulas do pianista Louis Bolden, um amigo do seu irmão, entre 1932 e 1933. Foi a primeira vez que o garoto ouviu falar em acordes, harmonias, partituras e assemelhados. Algum tempo depois, começou a tocar esporadicamente com a banda do trompetista Freddie Webster e chegou a substituir o pianista titular em algumas excursões do grupo. Não que fosse um virtuose. Ao contrário, naquela época, o futuro arranjador conseguia ser um acompanhante razoável, mas não tinha nenhuma aptidão para solar.

De qualquer modo, essa convivência reforçou seus laços com o meio musical. Em meados dos anos 30, Dameron foi aceito no prestigioso Oberlin College, a fim de dar início ao tão desejado (pela mãe, é claro) curso de medicina. Como já foi dito, o resultado não poderia ser mais decepcionante e o pianista trocou o curso de medicina pelo de música, na mesma universidade. O conservatório do Oberlin College é reconhecido como um dos mais importantes dos Estados Unidos e Tadd ali se sentiu à vontade. Suas grandes influências eram, então, George Gershwin e Duke Ellington.

Quando estava no segundo ano, substituiu o pianista Clyde Hart na banda da cantora Blanche Calloway, irmã de Cab Calloway, um dos mais festejados bandleaders da Era do Swing. Dameron excursionou por algum tempo com Blanche e isso foi a desculpa perfeita para que o pianista abandonasse, em definitivo, a faculdade. Algum tempo depois, substituiu Sy Oliver na orquestra de Zack White e ali descobriu sua paixão pelos arranjos e pela composição. Na verdade, o seu primeiro arranjo foi uma versão de “I Let a Song Go Out of My Heart”, para uma orquestra de Cleveland, chamada James Jeter And Hayes Pillars, mas o resultado não foi dos mais animadores.

Pouco mais tarde e já com alguma visibilidade no meio musical e muito mais experiência em escrever arranjos, Dameron foi contratado como arranjador da orquestra do saxofonista Vido Musso, estabelecendo-se em Chicago. A parceria durou pouco tempo e Dameron foi dispensado do grupo, retornando para Cleveland. Na cidade natal, montou uma banda com o irmão e datam dessa época algumas de suas composições mais conhecidas, como “Good Bait” e “Stay On It”, que mais tarde seriam gravadas por Count Basie. Tadd também compôs jingles publicitários e um deles, a inacreditável “You'd Better Get Wildroot Cream Oil, Charlie”, era cantado por ninguém menos que Nat King Cole.

Em 1940, Harlan Leonard contratou Dameron para escrever os arranjos da sua orquestra, baseada em Kansas City, para onde o pianista acabou se mudando. Dois fatos marcaram a carreira do músico, durante o período em que esteve com Leonard: participou de suas primeiras gravações, para a gravadora RCA Victor, e conheceu, em 1941, uma espécie de alma gêmea musical, o saxofonista Charlie Parker, que então atuava na orquestra de Jay McShann.

A afinidade musical foi instantânea e os dois se tornaram grandes amigos. A esposa de Dameron, Mia, era uma excelente cozinheira e Parker costumava visitar a casa da família com regularidade. Os dois logo se punham a tocar e, via de regra, sempre aparecia alguém para bater na porta dos Damerons. O preocupado Tadd ia atender e logo engatilhava um pedido de desculpas: “Por favor, perdoe se estivermos tocando muito alto”. A resposta dos vizinhos, invariavelmente, era: “De forma alguma. Queremos apenas que você deixe a porta aberta, para que nós possamos ouvir o que vocês estão tocando”.

Em 1942, foi contratado por Jimmie Lunceford para elaborar os arranjos de sua orquestra, uma das mais populares dos Estados Unidos. Dameron se mudou para Nova Iorque e trabalhava exclusivamente como arranjador, com direito a uma sala no escritório do agente de Lunceford, Harold Oxley. O pianista sequer viajava com a banda, participando apenas dos ensaios, mas a vida na Grande maçã lhe permitiu travar um convívio mais estreito com os jovens boppers que estavam reescrevendo a história do jazz. Logo, logo, fez amizade com Thelonious Monk, Buddy Powell, Kenny Clarke, Mary Lou Williams e Dizzy Gillespie e costumava freqüentar as animadas sessões do Minton’s Playhouse.

Comprovando a veracidade da frase “o primeiro solo a gente nunca esquece”, Tadd contou ao crítico Ira Gitler que nessa época conseguiu superar a sua notória incapacidade de solar. O fato ocorreu durante uma temporada de Dizzy Gillespie no Onyx Club, cuja banda era integrada, simplesmente, por Oscar Pettiford, Don Byas, George Wallington e Max Roach. Numa noite em que Wallington não poderia tocar, Byas convidou o amigo Dameron para se apresentar com o conjunto. Receoso quanto às próprias habilidades, o pianista concordou, sob uma condição: somente faria o acompanhamento e não solaria.

Trato feito, os dois rumaram para o clube, mas ali, empolgado pelo clima que emanava do palco e contagiava a platéia, Dameron não se conteve e quebrou, ele próprio, os termos do acordo que havia proposto. O efeito foi tão positivo que alguns anos mais tarde, em 1948, Dameron venceria um concurso de melhor pianista, promovido pelo crítico Leonard Feather, em seu programa de rádio. O grande Stan Kenton abocanharia o segundo lugar.

Já estabelecido como arranjador de renome, Tadd trabalhou para músicos como o próprio Gillespie (que grvaria sua composição “Our Delight”), Coleman Hawkins, Georgie Auld e Benny Goodman e para cantores como Babs Gonzáles, Sarah Vaughan e Billy Eckstine, em cuja orquestra reencontrou o velho amigo Charlie Parker. Foi em 1946 que Dameron compôs a sua obra prima, “If You Could See Me Now”, que recebeu letra de Carl Sigman e foi oferecida a Sarah Vaughan, cuja gravação foi um sucesso absoluto. A música, posteriormente, seria gravada por grandes nomes do jazz, como Mel Tormé, Wes Montgomery, Joe Lovano, Biil Evans, Yusef Lateef, Chet Baker, Gil Evans, Scott Hamilton e muitos mais.

Co-liderou, com Allen Eager e Fats Navarro, um sexteto que era atração nas noites do clube Royal Roost, em Nova Iorque. As gravações da parceria Dameron-Navarro, para selos como Dial, Capitol, Savoy e Blue Note, são consideradas um dos pontos altos do desenvolvimento do bebop. Pelos conjuntos liderados por Dameron, que costumavam a se apresentar em clubes como o Birdland, o Onix, o Three Deuces e o Famous Door, passariam músicos de primeira linha, como Charlie Rouse, Ernie Henry, Kenny Clarke, Dexter Gordon, Stan Levey, Art Blakey, Kay Winding, Cecil Payne, Wardell Gray, Sahib Shihab, Curly Russell, Sonny Rollins, Nelson Boyd, Shadow Wilson e muitos outros.

Em 1947, foi eleito arranjador do ano da revista Esquire, na votação da crítica e em 1948 compôs, para Dizzy Gillespie, uma peça orquestral denominada “Soulphony”, com a qual o trompetista se apresentou no prestigioso Carnegie Hall. No ano seguinte, acompanhou Miles Davis em uma excursão à Europa, a fim de se apresentar no Paris Jazz Festival. Dameron estendeu a temporada européia por alguns meses e aproveitou para fazer arranjos para Ted Heath, um dos mais renomados e populares bandleaders da Inglaterra.

De volta aos Estados Unidos, trabalhou brevemente com o clarinetista Artie Shaw, até ser contratado pelo saxofonista Benjamin Clarence “Bull Moose” Jackson, com quem trabalharia nos anos de 1951 e 1952. Naquela orquestra, Dameron conheceu o saxofonista Benny Golson, de quem se tornaria amigo e mentor. Quando resolveu se dedicar, exclusivamente, a seus próprios grupos, deixou a orquestra de Bull Moose e levou consigo o aprendiz Golson. Arregimentou um exército de jovens músicos – o baterista Philly Joe Jones, o baixista Jimmie Merritt e o trompetista Johnny Coles – e foi à luta.

Coube a Dameron a honra de “descobrir” Clifford Brown, que substituiu Johnny Coles em seu conjunto, em 1953. Apesar de ser enormemente respeitado como compositor e arranjador, Dameron tem uma discografia bastante modesta, do ponto de vista quantitativo. O primeiro álbum solo foi “A Study In Dameronia”, gravado em 1953 e atualmente fora de catálogo, onde Brown divide o trompete com o grande Idrees Sulieman. O elogiadíssimo “Fontainebleau” foi gravado em 1956, para a Prestige, e apresenta o pianista à frente de um octeto integrado por Kenny Dorham, Henry Coker, Sahib Shihab, Joe Alexander, Cecil Payne, John Simmons e Shadow Wilson.

Não obstante a qualidade desses álbuns, creio ser “Mating Call” o ponto alto da carreira fonográfica de Dameron. Contando com o apoio de uma banda soberba (John Contrane no sax tenor, John Simmons no contrabaixo e Philly Joe Jones na bateria), Dameron apresenta seis de suas mais fabulosas composições, em arranjos ricamente concebidos por ele mesmo. As gravações, mais uma vez para a Prestige, foram feitas em sessão única, no dia 30 de novembro de 1956, com produção de Bob Weinstock e engenharia do mago Rudy Van Gelder.

Abrindo os trabalhos, a faixa que dá nome ao disco é um bebop eletrizante, com uma estrutura hipnótica. Coltrane é uma força da natureza, dono de um impulso criativo inesgotável. Seus solos são uma poderosa combinação de inteligência, destreza e articulação. Dameron explora a intensidade do blues em seu toque, com a utilização freqüente das notas mais graves no acompanhamento, mas faz discretas citações à música latina. Seus solos são elegantes e, embora não tenham a mesma capacidade incendiária de um Bud Powell, empolgam o ouvinte. Jones é uma usina de ritmo e precisão e seu trabalho com os pratos é exemplar.

A sofisticada “Gnid” é herdeira direta das baladas dos anos 30, com vestígios do swing e ecos da influência de Duke Ellington. Construída em um tempo médio, seu ritmo contagiante desperta o desejo de dançar de rosto colado. A performance de Coltrane é, como de hábito, esplendorosa, e o arranjo de Dameron, impecável em sua discrição, dá amplo espaço ao saxofonista. Ele consegue desvendar todos os segredos no sax tenor, nos fazendo crer que tocar o instrumento é a coisa mais simples do mundo, indo do grave ao agudo em fração de segundos.

Outra balada, “Soultrane” é bastante introspectiva, quase sombria. A classe de Dameron transborda tanto na execução quanto na atmosfera orquestral que ele consegue imprimir ao tema. O lirismo de Coltrane, prolongando as notas como se fosse um lamento, é um dos momentos mais emocionantes do álbum. Também merece destaque a atuação segura de Simmons.

Baseada na melodia de “September In The Rain”, “On a Misty Night” é outro momento luminoso, com uma nítida influência de Tin Pan Alley, o célebre beco que congregava as editoras musicais de Nova Iorque e que deu ao mundo gênios como Irving Berlin, Hoagy Carmichael, Dorothy Fields, Nacio Herb Brown, Andy Razaf, Harry Earren, Johnny Mercer e incontáveis outros. O quarteto irradia emotividade e chama a atenção o quanto a composição soa moderna, sugerindo caminhos que somente muitos anos depois seriam trilhados pela música pop sofisticada de gente como Sade Adu ou Basia. É, provavelmente, a mais cosmopolita do álbum e a demonstração mais cabal de que o jazz pode interagir com outros estilos sem fazer a mínima concessão à vulgaridade.

“Romas” é um blues ortodoxo, onde encontramos um Simmons particularmente inspirado, dando ao tema um elevado senso de profundidade e coesão. Coltrane transita pelas obscuras vielas do blues com enorme autoridade, como se tivesse nascido no Delta do Mississipi. “Super Jet” é o tema mais energética do álbum, com direito a uma atuação vulcânico de Jones. É um bebop devastador, com harmonias entrecortadas, lembrando a sinuosidade de um Thelonious Monk. A performance de Coltrane é nada menos que estupenda e aqui Dameron tem a sua participação mais discreta, deixando os solos a cargo do saxofonista e do baterista. Um álbum para ser ouvido e reouvido sempre, cujo frescor se renova a cada audição.

Infelizmente, tal como ocorreu com muitos músicos da primeira geração do bebop, especialmente Bud Powell e Charlie Parker, Tadd teve uma conturbada relação com as drogas. Preso no dia 17 de janeiro de 1958, por porte de heroína, foi condenado a cumprir pena na prisão federal de Lexington, Kentucky, onde ficou de abril de 1958 a junho de 1961. No presídio, Tadd arregimentou alguns músicos que também cumpriam pena ali e escrevia composições e arranjos para a orquestra, que incluía, entre outros, nomes como Dupree Bolton, Red Rodney, Idriss Sulieman, Tony Fruscella, Benny Powell, Art Pepper, Frank Morgan, Cecil Payne, Arnold Ross e Henry Grimes.

O regime era semi-aberto, o que permitia que Dameron também trabalhasse fora do presídio e durante muito tempo, ele foi cozinheiro da família do engenheiro James Crawford. Apaixonado por jazz, Crawford permitia que Dameron usasse o piano de sua residência e escrevesse ali os arranjos para a orquestra de Lexington. Após o cumprimento da pena, o pianista retornou para Nova Iorque mas manteve, até o fim da vida, a amizade e uma intensa troca de correspondências com os Crawfords.

Livre da prisão, foi contratado pelo produtor Orin Keepnews para escrever os arranjos do álbum “Smooth As The Wind”, do trompetista Blue Mitchell, lançado pela Riverside. Seguiram-se trabalhos com Milt Jackson, Sonny Stitt, Tony Bennett e Sarah Vaughan. Merece destaque a elaboração dos arranjos para a banda de Benny Goodman, que então empreenderia uma histórica visita à então impenetrável União Soviética.

O único álbum gravado em seu nome, após a saída de Lexington, “The Magic Touch Of Tadd Dameron” (Riverside, 1962), foi bastante elogiado pela crítica, mas teve vendas pouco expressivas. Uma injustiça sem tamanho, eis que se trata de um dos melhores álbuns daquela década e, dentre os músicos que atuam ali, destacam-se Clark Terry, Charlie Shavers, Joe Wilder, Jimmy Cleveland, Britt Woodman, Julius Watkins, Jerry Dodgion, Jerome Richardson, Johnny Griffin, Bill Evans, Ron Carter e George Duvivier.

O pianista se sentia solitário e injustiçado. Costumava dizer que era o músico mais mal compreendido da história do jazz. Um dos poucos amigos que costumava visitá-lo com freqüência era o trompetista Chet Baker. Além disso, o uso prolongado das drogas e a saúde frágil começavam a cobrar seu tributo. Hospitalizado várias vezes ao longo dos anos 60 e com problemas financeiros, Tadd foi visto em público pela última vez no dia 08 de novembro de 1964, em um concerto organizado pelo velho amigo Babs Gonzáles no clube Five Spot.

Dameron faleceu no dia 08 de março de 1965, após uma longa batalha contra o câncer. O jazz perdeu um dos seus mais talentosos arranjadores e compositor de preciosidades como “Hot House”, “Good Bait”, “Tadd's Delight” ou “Lady Bird”, que permanecem até hoje como clássicos do repertório jazzístico. Sua importância é louvada por músicos de diversas gerações, sobretudo arranjadores – Gigi Grice, Bill Holman, Jimmy Heath, Gerry Mulligan, Benny Golson – que sempre viram nele uma influência capital. Os faz do jazz aguardam, ansiosamente, pelo dia em que Dameron deixe de ser “o músico mais mal compreendido da história do jazz” e venha a ser reconhecido pelo público em toda a sua grandeza.

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