Muhammad Ali: o retorno (do baterista - II)
Música e outras coisas

Muhammad Ali: o retorno (do baterista - II)


Destacada parte da trajetória de Muhammad Ali –batizado como Raymond Peterson ao nascer, em 1936– foi construída ao lado do saxofonista Frank Wright (1935-1990). A parceria dos músicos teve seu primeiro registro em 1967, no álbum “Your Prayer”, quando ambos estavam ainda tateando à procura de espaços na efervescente cena free jazzística de então. Esse encontro inicial não se desdobraria de imediato no surgimento de um conjunto fixo envolvendo baterista e saxofonista; isso apenas se desenharia no finalzinho daquela década, quando Ali e Wright se reagruparam uma vez mais, já exilados na França –destino favorito dos músicos americanos na época, que encontravam melhor acolhida para o free jazz do outro lado do Atlântico. Em dezembro de 69, os dois instrumentistas entraram novamente em estúdio (acompanhados pelo sax de Noah Howard e o piano de Bobby Few) para gravarem “One for John”, pela clássica coleção BYG/Actuel. Três meses depois, esse genial quarteto registraria “Church Number Nine”, ponto nevrálgico do free e espécie de despedida de Noah do grupo.

O lugar de Noah ficaria vago até 72, quando o baixista Alan Silva entra em cena, formatando um dos quartetos mais quentes (e 'underrated') do free setentista. A chegada de Silva representou não apenas uma mudança no corpo sonoro do quarteto, mas também a arquitetação do mítico “Center of the World”, que durante os anos seguintes funcionou intensamente como cooperativa, selo independente e uma espécie de polo criativo para seus integrantes. Ali falou à AAJ sobre essa etapa de intensa atividade na Europa:

I began playing jazz clubs, concerts, universities, and other noted venues with the Frank Wright Quartet. From 1970-1972, the band (minus Noah Howard) traveled through France, Holland, Germany and back to New York. The gigs in Europe were definitely more happening, so in 1972 we returned to Europe. While living in Paris, bassist Alan Silva joined the band and shortly after the label Center of the World Productions was formed. We soon changed the name of the band to match the label; during that time, Silva had also formed the Celestrial Communications Orchestra, and I was the drummer of both groups.

Sob a assinatura “Center of the World”, o novo quarteto deixaria seu registro inicial homônimo em março de 72. Apesar do ritmo pulsante daqueles dias, o quarteto aproveitaria esse nome em apenas mais um trabalho, “Last Polka in Nancy?”, que tem em seu núcleo um concerto de outubro de 73. Outras gravações da época acabariam por ser editadas como “Frank Wright Quartet” – destaque-se “Unity” (74).
Pelo selo Center of the Worldalguns outros trabalhos dos integrantes da cooperativa (solos, duos) foram publicados. Dentre esses, o fantástico Adieu Little Man. Único dueto de Ali e Wrightregistrado, o álbum, captado em 1973, jamais voltou às prateleiras. Ao lado de ícones do formato, como “Interstellar Space”, “Duo Exchange” e “Force”, este Adieu Little Man apresenta a potencialidade extrema do encontro sax-bateria, com incontáveis passagens incandescentes. Ali tem espaços solísticos relevantes, notadamente no final do lado A e começo do lado B. Tudo indica que a sessão aconteceu de forma ininterrupta, um take improvisado só, com seus mais de 40 minutos picotados em duas faces para se adequar ao formato vinil. Descobrir este registro é conhecer um pouco do que de mais fino se produziu no período, esquecido em tantos de seus capítulos vitais. 


Recorded live at the American Center in Paris, August 1973.
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*covers by discogs.com



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