Braxton e Mitchell: ao vivo no Jazz na Fábrica
Música e outras coisas

Braxton e Mitchell: ao vivo no Jazz na Fábrica







Após cinco bem-sucedidas edições, o Jazz na Fábrica surge com outra novidade: o lançamento de CDs com gravações de shows realizados no festival. E a estreia não poderia ser melhor, com dois álbuns de dois nomes maiores do free: Anthony Braxton e Roscoe Mitchell.



Criado em 2011, o Jazz na Fábrica se estabeleceu desde então como o mais importante festival de jazz realizado no país. Levando a sério a proposta de mostrar as múltiplas faces do mundo jazzístico, do tradicional ao avant-garde, entre veteranos e jovens músicos, o evento conseguiu fazer o que outros festivais nacionais até ameaçaram tentar, mas não tiveram ímpeto para bancar. O formato do evento, com cerca de um mês de apresentações, em concertos divididos em dois espaços singulares – a choperia e o teatro do Sesc Pompeia (SP) –, criou uma dinâmina muito particular e um clima que tem colocado a música jazzística onde ela tem que estar, distante da falsa aura elitista que contamina outros festivais do gênero.  

Anthony Braxton Quartet, 2014
O elenco múltiplo do evento já trouxe artistas de diversas gerações e estilos, dentre veteranos (McCoy Tyner, Gary Peacock, Ralph Tower, Soft Machine), cantoras (Cassandra Wilson, Dee Dee Bridgewater, Marlena Shaw, Macy Gray), novas faces (Christian Scott, Hiromi Uehara, Shai Maestro), brasileiros de ontem e de hoje (Airto Moreira, Cyro Baptista, Otis Trio, Bixiga 70, Eliane Elias) e várias outras figuras (Kenny Garrett, Dr. Lonnie Smith, Avishai Cohen, The Bad Plus...), compondo um conjunto sonoramente diversificado, amplo painel da música jazzística mundial.

E nesse caldeirão, não foi negado espaço para o free jazz. Em suas cinco edições, o Jazz na Fábrica trouxe, além de William Parker Quartet e Muhal Richard Abrams que brilharam neste ano, nomes como Archie Shepp; Mats Gustafsson/Fire!; David Murray; Roscoe Mitchell; Ivo Perelman; Wadada Leo Smith/ Henry Grimes; Anthony Braxton (com nada menos que Mary Halvorson e Taylor Ho Bynum); Sun Rooms; Nate Wooley, sem esquecer da visceral free improvistion do trio Panda Gianfratti/ Thomas Rohrer/ Hans Koch com John Edwards, o duo FLAC, o projeto Rumores e o Barcode Quartet.


Os dois álbuns que abrem a série “Ao Vivo - Jazz na Fábrica”, do Selo Sesc, foram registrados nas edições de 2013 e 2014 do festival. É sintomático que não apenas o free venha sendo contemplado no evento, como o gênero ter sido o escolhido para abrir a série de discos que começa a sair. Isso mostra que o free tem um espaço verdadeiro no Jazz na Fábrica e tem se tornado, de fato, uma marca diferencial. Tanto Braxton como Mitchell, mestres maiores do free, careciam de divulgação de seus trabalhos por aqui – é surpreendente que Braxton, com mais de quatro décadas de carreira, tenha tocado pela primeira vez no Brasil exatamente nessa oportunidade; Mitchell já tinha vindo para cá com seu Art Ensemble of Chicago em 2000 e 2008.  

O primeiro dos lançamentos é “Sustain and Run”, registro solo de Roscoe Mitchell realizado nos dias 22 e 23 de agosto de 2013 no teatro do Sesc Pompeia. O álbum apresenta quatro temas, selecionados no repertório das duas apresentações que fez, em que Mitchell se exibe aos saxes soprano e sopranino, em quase 60 minutos de música. O disco vem se somar às diferentes gravações solísticas feitas pelo saxofonista nas últimas quatro décadas, mostrando que Mitchell não apenas é um mestre consumado do gênero como ainda consegue surpreender nossa escuta. O CD traz ainda um livreto bilíngue com mais de 20 páginas (Ps: o texto de apresentação, “O Desafio Sonoro de Roscoe Mitchell”, é assinado por mim).


O outro álbum é dedicado às apresentações feitas pelo Anthony Braxton Quartet nos dias 7 e 8 de agosto de 2014, no mesmo teatro do Sesc Pompeia. Duplo, o álbum traz cada um dos concertos em um disco, com mais de duas horas de música no total, além de um caprichado livreto. O quarteto de Braxton (o “Diamond Curtain Wall Quartet”) é formado por alguns dos maiores nomes da cena contemporânea: a guitarrista Mary Halvorson, o cornetista Taylor Ho Bynum e a saxofonista Ingrid Laubrock. Quem não os viu em ação terá agora a oportunidade de apreciar esse brilhante grupo.



Ambos os discos têm produção assinada por Frederico Finelli (Norópolis) e Angela Novaes (Brava).
Os álbuns chegam às lojas do Sesc neste mês de outubro.



(foto: Camila Miranda)





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*o autor:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura, tendo se especializado na obra de António Lobo Antunes. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre literatura e música para o jornal Valor Econômico. Também colabora com o site português Jazz.pt




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